RODOANEL CHEIO DE INCERTEZAS

Ao lado da expectativa de implantação do Rodoanel da região metropolitana de BH está a preocupação de cidades quanto aos impactos para sociedade, economia e meio ambiente

Capa / 21 de Setembro de 2022 / 0 Comentários
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No dia 12 de agosto, foi realizado na B3, em São Paulo, o leilão para a concessão rodoviária do Rodoanel da região metropolitana de Belo Horizonte. O grupo italiano INC SPA., representado pela corretora Genial Institucional, venceu o pregão ao ofertar uma contraprestação, que deve ser paga pelo Estado de Minas Gerais nos primeiros três anos de operação da rodovia, no valor de R$ 91.144.207,40. A quantia representa um desconto de 12,14% sobre o teto, de R$ 103.738.000,68.

O concorrente, um consórcio das empresas chinesas CRCC International Investment CO LTD e China Railway 20th Bureau Group CO. LTD, ofereceu uma contraprestação de R$ 93.156.724,61, que dava um desconto de 10,20% para o Estado.

O vencedor do leilão ficará responsável por elaboração de projetos, construção, operação e manutenção da rodovia. O trecho completo deve ter cerca de 100 km. Em nota da B3, o secretário de Infraestrutura e Mobilidade do governo de Minas Gerais, Fernando Marcato, disse que “foram mais de três anos de trabalho para esse projeto sonhado há 20 anos pelo povo mineiro. Está entregue essa primeira etapa, que é a contratação da empresa, uma empresa italiana de renome, que já tem outras obras desse porte sendo realizadas no mundo inteiro”.

A construção do Rodoanel tem os objetivos de desafogar o trânsito do Anel Rodoviário, reduzir acidentes e facilitar a logística nacional de transportes na região metropolitana. O governo de Minas pretende investir cerca de R$ 3 bilhões, provenientes do acordo assinado com a Vale para a reparação de danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho.

Esse custo será destinado a obras (R$ 2,2 bilhões) e desapropriações (R$ 422,5 milhões), segundo estudo econômico-financeiro presente no portal da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra). A empresa vencedora aplicará em torno de R$ 2 bilhões.

Impactos socioeconômico e ambiental

Apelidado de “Rodominério”, o projeto inicial do Rodoanel contemplava a construção simultânea de quatro alças, com um total de 100 km de extensão, sendo os trechos norte e oeste os maiores, com 43,92 km cada. Contudo, em maio deste ano, um novo edital foi publicado, prevendo a construção inicial apenas desses dois trechos, sendo as outras duas alças (sudoeste e sul) possíveis de serem incluídas como novos investimentos, a partir de novos aportes por parte do governo.

Porém, o atual projeto de infraestrutura dessa via está repleto de questionamentos devido aos impactos econômicos, sociais e ambientais para as cidades da região metropolitana. Os representantes dos municípios afirmam que o projeto cria um “paredão” que segrega comunidades e atrapalha a logística do transporte e do deslocamento das pessoas, pois são somente 17 transposições. Por isso, as prefeituras sugerem novo traçado (veja imagem) que contorna a Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea das Flores e, assim, exigiria menos recursos e reduziria os impactos socioambientais, segundo gestores municipais.

Em Betim, se o traçado proposto pelo Estado de Minas Gerais for implementado, as regiões do Alterosas, Petrovale e Imbiruçu serão as mais atingidas. “São regiões populosas, que teriam bairros divididos ao meio, sem contar o trânsito pesado que seria jogado na área urbana. Sobretudo, remove milhares de famílias sem contemplar a infraestrutura adequada para recolocá-las em outra comunidade. Não estão previstos investimentos suplementares como drenagem, água, esgoto, fibra ótica e que têm o custo altíssimo. Quem vai assumir?”, questiona o secretário de Ordenamento Territorial e Habitacional de Betim, Marco Túlio Freitas. Nesse contexto, ele enfatiza o vínculo que as comunidades têm e para onde serão recolocadas com os serviços básicos que atualmente elas utilizam.

Outro ponto se refere à atividade econômica do município. “O trecho vai passar em cima de três empresas importantes para a cidade. Isso nos preocupa muito, visto que elas estão no município graças aos aspectos logísticos, e, assim, haverá impacto em emprego e renda. Se não tivesse alternativa, entenderíamos. Contudo, há uma possibilidade viável para todos que respeita o Rodoanel como projeto de utilidade pública”, critica o secretário.

Na questão ambiental, o empreendimento como está desenhado hoje também causa impactos à bacia hidrográfica de Vargem das Flores, que é um dos três principais reservatórios da região metropolitana de Belo Horizonte.

O prefeito de Betim, Vittorio Medioli, disse durante audiência pública, em outubro do ano passado, que a proposta feita pelo município corrige equívocos da apresentada pelo governo de Minas, causando menos impacto para as cidades de Betim, Contagem, Ibirité, Sarzedo e outras. “O projeto do Estado não agrega nenhuma solução, trazendo problemas para as cidades, seus gestores e moradores. Questões como a transposição de redes de água, esgoto, energia elétrica, fibra ótica, são omitidas no projeto”, afirmou o prefeito.

Em Contagem, o traçado proposto pelo governo de Minas impacta mais de 70 km e comunidades tradicionais. Entre os afetados está, por exemplo, o Quilombo dos Arturos, patrimônio imaterial de Minas Gerais. Além dele, Quilombo dos Luízes, Manzo, Nossa Senhora do Rosário e diversos outros são atravessados ou impactados pelo traçado.

“Não somos contra a obra do Rodoanel, mas questionamos o traçado proposto pelo Estado devido aos impactos sociais, ambientais e culturais que causará, sobretudo aos municípios de Contagem e Betim. Além de cortar bairros como Sapucaias e Nascentes Imperiais, uma região onde vivem cerca de 4.000 pessoas, podemos ainda ter um prejuízo ambiental enorme com consequências para o abastecimento de água de Betim, Contagem e Belo Horizonte”, alerta a prefeita de Contagem, Marília Campos (PT).

 

Decisão unilateral

Os representantes das prefeituras impactadas afirmam que não foram envolvidos na elaboração do projeto. Segundo o governo de Minas, o Rodoanel começou a ser planejado no início de 2020, e, até dezembro do ano passado, foram feitos estudos de operação, econômico-financeiros, sociais, ambientais e levantamento de municípios beneficiados.

Contudo, de acordo com o secretário Marco Túlio, em nenhum momento o Estado de Minas Gerais ouviu de fato o pleito da cidade: “Foram realizadas audiências públicas, inclusive dentro da própria Prefeitura de Betim, com o objetivo de apresentarmos sugestão de traçado, e houve a negativa. Nunca aconteceu um debate, uma abertura por parte do governo de Minas, para verificar nossas propostas. Então, consultamos dez municípios para saber se eles tiveram chance de participação e vimos que também não foram chamados para uma conversa. O projeto estadual passou à margem da realidade das cidades”.

O secretário pontua ainda que as audiências públicas foram protocolares e visaram somente resguardar o processo licitatório no caso de questionamento do Ministério Público ou de outros órgãos. “Foi um teatro...somente para ter o registro de imagens das reuniões! O Estado prometeu escutar as prefeituras para elaborar um estudo técnico alinhado às características das cidades, mas isso não aconteceu!”, afirma.

A prefeita de Contagem corrobora: “a reunião realizada no Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 25 de julho deste ano, que seria um esforço conciliatório, revela-se agora uma encenação teatral por parte do governo do Estado, uma vez que seus representantes não estão honrando o compromisso assumido com os municípios de Contagem e Betim e, diante das declarações dadas à imprensa, descumprem o acordo firmado naquela ocasião”.

 

Próximos passos

O contrato da Parceria Público-Privada (PPP), que terá prazo de 30 anos, deve ser assinado em um mês. Depois disso, será necessário obter uma licença ambiental. A Seinfra espera iniciar a obra em 2024 e concluir as alças norte e oeste em 2027.

Diante desse contexto, os municípios apresentaram representações no Tribunal de Contas do Estado, no Ministério Público Federal e no Ministério Público Estadual. “Será solicitada ao Tribunal de Justiça uma perícia do traçado para analisar seus impactos. À luz dos resultados da perícia, a Prefeitura de Contagem acredita que os órgãos de Justiça terão a sensibilidade de recomendar a anulação do traçado atual. Além disso, reitero que, naquilo que é de sua competência no âmbito municipal, que o Executivo de Contagem não emitirá certidão de conformidade na fase de licenciamento ambiental da obra do Rodoanel, tendo em vista que os impactos ambientais e urbanísticos locais ferem os princípios da precaução e da prevenção, que permeiam todo o procedimento do licenciamento ambiental”, afirma a prefeita.

Organizações sociais, como a Federação das Comunidades Quilombolas, também estão mobilizadas. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) deve ser proposto ao governo de Minas para solucionar supostas irregularidades denunciadas por comunidades. Partidos políticos também ajuizaram ação de investigação judicial eleitoral, alegando um suposto abuso de poder político e econômico  pelo governador Romeu Zema (Novo) que é candidato à reeleição ao governo do Estado.

A equipe de reportagem da Entrevias contatou a assessoria de imprensa da Seinfra para apresentação de esclarecimentos, mas, até o fechamento desta edição, não havia recebido o retorno.

Infraestrutura rodoviária

Enquanto isso, o transporte rodoviário de cargas aguarda ansiosamente pelo Rodoanel para a melhora da mobilidade. Sérgio Pedrosa, presidente da Federação das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Fetcemg), enfatiza que, há muitos anos, as entidades do setor e o poder público conversam sobre a necessidade urgente da estruturação de um corredor logístico de relevância para o Estado que traga mais competitividade e segurança.

“Minas Gerais tem a maior malha rodoviária do Brasil: 16% de todas as rodovias estaduais, federais e municipais existentes no país estão em nosso território. Somos um Estado que liga as regiões Norte e Sul e Leste e Oeste. E é de conhecimento de todos que nossas estradas, há muito, necessitam de atenção do poder público”, afirmou.

Sobre o Rodoanel, Sérgio Pedrosa disse que existe uma grande expectativa, já que foram muitos anos de planejamento, reuniões, consultas públicas, e as entidades do setor de transporte participaram ativamente de todo o processo. “Quando tivermos o Rodoanel, o principal ganho para os moradores da região metropolitana de Belo Horizonte será que os caminhões vão sair do Anel Rodoviário, melhorando o fluxo e contribuindo para o aumento da segurança da sociedade. Nos negócios, os ganhos não serão apenas para as empresas transportadoras, mas também para a indústria e o agronegócio, que terão um ganho de produtividade significativo e mais competitividade”, pontuou Pedrosa.

Segundo Carlos Roesel, presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto), além de agilizar as obras do Rodoanel, é preciso priorizar as obras no Anel Rodoviário, que estão atrasadas há anos. “Centenas de pessoas já morreram devido a essa inércia. Nosso Estado concentra a maior malha viária do país, e milhares de automóveis e caminhões têm que passar pelo Anel Rodoviário todos os dias. Infelizmente, acidentes vêm acontecendo dia após dia, e as soluções não resolvem os problemas”, afirmou. Para ele, é preciso começar a obra do Rodoanel urgentemente para que o número de acidentes seja reduzido. “Enquanto entidades e órgãos governamentais continuarem essa queda de braço, pessoas continuarão morrendo”, disse Roesel.

O especialista em governança corporativa, riscos e compliace Henrique Oliveira corrobora que vias como o Rodoanel são mecanismos para o aprimoramento da economia, “visto que a competitividade também está na infraestrutura à medida que a logística do transporte de cargas e de pessoas é essencial e cria externalidades, ou seja, novos negócios, comércio, emprego e renda, sem falar do ponto central da segurança. Para tanto, é fundamental realizar um projeto que leve em consideração diversos fatores, como redução do impacto no meio ambiente e nas comunidades e custo adequado”.

Nesse sentido, a CEO da Traz Rápido Transportes, Caroline de Oliveira, exemplifica que, em São Paulo, seria impossível transitar na região sem a implementação do Rodoanel Mário Covas “O Rodoanel facilita todo o fluxo de veículos, melhora a logística e diminui o congestionamento, evitando acidentes, gera economia de combustível e demais componentes, como freios e pneus, promovendo a redução do custo de frete e, consequentemente, do custo do produto que chega ao consumidor”, detalhou.

O Rodoanel Metropolitano de BH terá um novo modelo de cobrança de pedágio: chamado free flow, sistema de livre passagem, sem praças de cobrança, e o valor cobrado vai variar conforme a quantidade de quilômetros rodados.  Nos estudos que constam no site da Seinfra, é considerado o preço de R$ 0,35/km (data base de junho de 2021). Para transitar em toda a extensão, um veículo leve deverá pagar, por exemplo, R$ 35,23.

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