Andando por este mundão

Comportamento / 13 de Abril de 2016 / 0 Comentários
A- A A+

Os mineiros Glória Tupinambás e Renato Weil vivem em um motorhome, viajando pelo mundo; em 10 anos, foram 59 países percorridos casal de repórteres mineiros Glória Tu­pinambás, 34 anos, e Renato Weil, 45, escolheu um diferente estilo de vida: rodar o mundo em um motorhome, chamado por eles de Casa Nômade. Glória, que trabalhou em veículos de comunicação impressos, e Renato, re­pórter fotográfico que também atuou na mídia, conheceram-se em um plantão, quando traba­lhavam em um jornal de Belo Horizonte. Logo no início do namoro, descobriram uma paixão em comum: viajar. Uma década depois, o casal já havia percorrido 59 países espalhados nos cinco continentes. A Entrevias conversou com o casal, que narrou suas grandes experiências na estrada.

Entrevias: De onde veio essa ideia de viajar pelo mundo de motorho­me?

Glória Tupinambás e Renato Weil: Desde que começamos a namorar, sempre aproveitávamos as férias e algumas licen­ças do trabalho para caírmos na estrada. Primeiro, foram os mochilões, as expedi­ções de jipe, de moto, de trem, além das longas caminhadas. Essas andanças resul­taram na produção de um livro e de uma exposição fotográfica (batizados de “O Mundo em Minas”).

 

Contudo, as férias começaram a ficar pequenas para vidas que giram em torno da vontade de viajar. Agora, o sonho de desbravar o mundo se transformou em pro­fissão, e colocamos o pé na estrada, a bor­do da Casa Nômade. Abandonamos a roti­na como jornalistas e deixamos para trás família, amigos, apartamento e um sítio com o objetivo de percorrermos cada canto deste planeta dentro de um caminhão com apenas 10 metros quadrados.

EV: Qual é o plano? Quantos paí­ses desejam conhecer? Por quanto tempo pretendem ficar "na estra­da"?

GT e RW: Nosso plano inicial é per­correr as três Américas nos próximos cinco anos. Nossas aventuras vão começar pelo Brasil. Ao longo de 2016, vamos viajar do Oiapoque ao Chuí em busca de novas expe­riências, belas paisagens e boas histórias. A partir de 2017, vamos conhecer toda a Amé­rica do Sul, a América Central e a América do Norte. Nosso sonho é chegar ao Alaska em 2020, tendo visitado uns 25 países.

Para viabilizar financeiramente o pro­jeto, nós alugamos nosso apartamento e um sítio. Usamos essa renda para pagar as nossas contas. Neste ano, contamos com alguns patrocínios importantes, como o da Ale Combustíveis (nós temos um blog dentro do site Rotas Ale, em que contamos nossas aventuras na estrada e mapeamos atrativos turísticos pelo Brasil), o da Merce­des Benz e o da Porto Seguro.

EV: Quais foram as maiores dificul­dades que passaram na viagem de motorhome até agora?

GT e RW: Nós estamos viajando pelo Brasil a bordo da Casa Nômade desde maio do ano passado, ou seja, há nove meses. E, nesse período, ainda não passamos por nenhuma dificuldade, a não ser a sauda­de da família e dos amigos. Um desafio é aprender a viver em uma casa de 10 metros quadrados. Isso exigiu de nós uma mudan­ça de estilo de vida. Portanto, nossa palavra de ordem agora é desapego. Em um espaço tão pequeno, nós levamos apenas o essen­cial. Aprendemos a ser felizes com a liber­dade que a vida nômade nos traz.


EV: E o que há de mais gratificante nessa aventura?

GT e RW: O mais gratificante nas via­gens do motorhome é a sensação de que a nossa casa é pequena, mas de que nos­so quintal é o mundo. Sentimo-nos muito felizes de dormirmos a cada dia em uma cidade, de contemplarmos a cada dia uma paisagem diferente e de termos a liberdade de escolher nossos vizinhos. E o melhor: co­nhecermos novas culturas, estilos de vida, distintos e hábitos diversos, além de nunca termos uma rotina.

EV: Contem-nos quais foram as his­tórias mais engraçadas/inusitadas que vocês viveram.

GT e RW: Nas nossas viagens pelos 59 países, dos cinco continentes, colecionamos alegrias e descobertas, e também alguns apertos. O maior apuro que já passamos foi na Jordânia, quando fizemos um pas­seio pelo deserto de Wad Rum. Nós íamos dormir no deserto, junto com uma tribo de beduínos, mas fomos abandonados pelo guia no meio das dunas, a mais de 50 qui­lômetros da civilização. Durante o dia, fazia 45 graus e, à noite, 0 grau. Passamos a noi­te ali, em uma área de contrabando entre a Jordânia e a Arábia Saudita, com muito medo, mas, no outro dia, fomos resgatados por uma excursão.

Também já passamos um aperto de não conseguirmos hotel ou alojamento em Hanói, no Vietnã. Fomos obrigados a dormir na rua, debaixo de uma marquise, deitados sobre as nossas mochilas.

Uma história engraçada foi a compra das nossas passagens de trem para percor­rermos a Transiberiana. Era um percurso de sete dias entre Rússia, Mongólia e Pequim. Decidimos fazer a viagem sem a ajuda de uma agência de turismo e fomos comprar as passagens diretamente no guichê da es­tação ferroviária. Porém, ninguém falava in­glês nos guichês de Moscou, e nosso laptop (onde buscaríamos apoio do Google Tradu­tor) estava estragado. Nós tivemos de retor­nar ao hotel em que estávamos hospedados para pedirmos ajuda. Então, a atendente do hotel escreveu à mão uma carta para entre­garmos na estação ferroviária e pedir auxí­lio na compra das passagens. Essa operação demorou um dia inteiro, mas conseguimos os bilhetes e realizamos nosso sonho.

Outra aventura tensa, porém divertida, foi a do dragão-de-komodo, que fica na In­donésia. Passamos quatro dias a bordo de um barco de madeira, que não tinha GPS, celular ou qualquer outro aparelho de na­vegação marítima. Visitamos as ilhas e as praias mais lindas que já vimos na vida, mas, várias vezes, tivemos a sensação de que o barco estava à deriva em alto-mar e, durante duas noites, fomos atingidos por fortes tempestades. Não havia colete salva­-vidas ou botes. Sentimos muito medo. Mas tudo valeu a pena para conhecermos o enorme animal.

EV: Em algum momento, pensaram em desistir do projeto?

GT e RW: Nunca! Ao longo das via­gens, nos questionamos um pouco se es­tamos no caminho certo, se vale a pena fi­carmos tanto tempo longe da família e dos amigos, além de abrirmos mão do conforto que tínhamos em nosso apartamento em BH. Mas a resposta é certeira: vale a pena sim! Para a maioria das pessoas, "viajar é abrir um parênteses na vida" (frase da escritora Martha Medeiros), mas, para nós, viajar é o que dá sentido à vida. Por isso, temos orgulho de ser nômades e somos gratos pela oportunidade que temos de vagar pelo mundo em busca do novo, de experiências e sensações que somente uma viagem é capaz de despertar.

EV: Qual lugar vocês mais gostaram de conhecer? Qual o motivo?

GT e RW: Myanmar, um país que, de­pois de meio século fechado sob as mãos de ferro da ditadura militar, começa a sen­tir o sopro dos ventos da mudança. O país está se abrindo agora para o mundo, mas ainda mantém tradições e raízes muito bem­-preservadas. Lá, as mulheres não conhecem outro cosmético além da tanaka (um pó extraído de uma árvore que é usado como protetor solar); quase não se usa calça je­ans; e os homens vestem um saião preso à cintura; cartão de crédito e internet ainda estão começando a chegar por lá. Ou seja, é um país que te permite fazer uma viagem pelo tempo, regressar a uma época medie­val. E o melhor: o povo de Myanmar é puro, hospitaleiro e transmite uma boa energia. A sensação que tivemos é a de que as pessoas lá sempre esperam o melhor de você, e isso te desperta uma vontade de corresponder àquela expectativa, agindo sempre bem. Uma coisa muito mágica!

Tivemos uma sensação parecida com essa no Nepal e no Laos, países que tam­bém estão na nossa lista de preferências.

EV: Para qual lugar vocês não gos­tariam de voltar? Qual o motivo?

GT e RW: Nós não gostaríamos de vol­tar à Índia. Para retornar ao país, que tem uma das culturas mais ricas do mundo, lin­das paisagens e construções históricas com belezas de tirar o fôlego, nós achamos que seria necessário um orçamento mais gene­roso do que o de simples mochileiros. Com

mais dinheiro, seria possível dormirmos em hotéis mais limpos e aconchegantes e, prin­cipalmente, não precisaríamos enfrentar negociações desgastantes com os indianos, que, muitas vezes (sem querer generalizar), são bastante corruptos e mal-educados.

EV: Como funciona a Casa Nômade? Podem dar detalhes aos leitores?

GT e RW: A Casa Nômade foi montada em uma Mercedes Benz Sprinter 515, que ganhou uma carroceria baú de 10 metros quadrados. As adaptações foram feitas em uma oficina, durante cinco meses. O custo total do motorhome (incluindo o veículo e a montagem da carroceria) foi de R$ 160 mil. Acostumados com os mochilões, temos uma bagagem muito econômica. Em um guarda-roupas de duas portas e quatro gavetas, vão as peças essenciais para uma boa caminhada, um mergulho na cachoeira ou no mar, um friozinho nas montanhas e só! Geladeira, fogão, pia e uma mesa se acomodam bem apertadinhos na cozinha. Dentro do armário, copos, pratos, talheres e mantimentos viajam presos, para evitar­mos bagunça durante os deslocamentos. No banheiro, o vaso sanitário divide espaço com uma ducha, com água aquecida a gás e bombeada por energia solar. A surpresa fica por conta da moto, estacionada na ga­ragem construída em um compartimento debaixo da cama.

EV: Quais dicas vocês podem dar a mochileiros, viajantes, nômades... ?

GT e RW: Planejem bem a viagem. Comecem o planejamento pelas finanças, tendo sempre uma boa reserva de dinheiro e uma estimativa de gastos e de rendimen­tos ao longo do percurso para evitarem apuros. Nunca levem muita bagagem. Não é à toa que mala é sinônimo de chatice e aborrecimento. Nada mais desagradável do que viajar levando peso nas costas. Portan­to, evitem comprar souvenirs e carreguem apenas o essencial. Por último, nossa dica é: organizem o percurso a fim de que o caminho seja tão divertido quanto o seu destino. Procurem atrativos ao longo do trajeto, busquem bons restaurantes e be­las paisagens pelo caminho... Tudo isso permitirá que o deslocamento deixe de ser estressante e se transforme em uma parte agradável da viagem.

O que virá depois da Casa Nômade?

GT e RW: Outra Casa Nômade, ou­tro mochilão pelo Sudeste da Ásia, outro curso como desculpa para vivermos uma temporada na Europa... São tantos planos e sonhos para os próximos cinco anos, a bordo da Casa Nômade, que ainda não ti­vemos tempo de pensar em como será a vida depois desse período. Mas torcemos para que tenhamos saúde, pique e recursos para nunca deixarmos de ser nômades.

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião de Revista Entrevias. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. Revista Entrevias poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.