EXPERIÊNCIAS DIFERENTES, PROBLEMAS COMUNS
Nesta reportagem especial, mostramos olhares diversos sobre a mobilidade no Brasil, mas que encontram sinergia nas belezas naturais e nos desafios de infraestrutura deste país continental
A- A A+Aventuras sobre uma “magrela”
Sedentário, ansioso e fora de forma. Assim estava o gerente da área de autopeças João Batista Fernandes no início dos anos 2000. Buscando uma mudança no estilo de vida, ele se propôs um desafio: fazer o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, de bike. Depois disso, Fernandes nunca mais parou e aderiu de vez ao cicloturismo, que possibilita a ele viver experiências culturais e gastronômicas, conhecer pessoas e locais cheios de curiosidades e autenticidade.
Na bagagem, o ciclista traz mais de dez viagens, muitos quilômetros rodados, e, principalmente, saúde e alegria. “Estar em uma bicicleta é como viver: tem horas que é sol forte na cara. Em outras, muito vento, chuva, umidade baixa, calor do asfalto ou frio. São subidas, descidas, paisagens lindas, pessoas incríveis e buracos. É a viagem da vida, cheia de encantamentos e adversidades”, compara.
Recentemente, ele pedalou pela região Sul do Brasil. Foram cerca de 1.800 km de Minas Gerais até o Rio Grande do Sul, e todo o trajeto foi registrado em um relatório. Por conta do seu jeito planejado, organizado e observador, Fernandes conhece muito das estradas e sabe bem o que fazer sobre duas rodas.
Para começar, todas as viagens são detalhadamente pensadas pra facilitar a tomada de decisões caso seja necessária. Além dos equipamentos tradicionais, um item que sempre vai com ele é a bandeira de Minas. Mais do que um símbolo, ela é um importante acessório de segurança para melhorar a visualização dos motoristas em relação à bike.
“É fundamental ter planejamento e organização, que vão sendo aprimorados a cada viagem, pois vamos acumulando experiência. É irresponsabilidade pegar uma bicicleta e sair rodando por aí. Muitas estradas brasileiras não estão preparadas para os ciclistas: faltam sinalização e acostamento, a vegetação invade a pista e o próprio projeto da rodovia não favorece a prática”, avalia Fernandes.
Segundo ele, nas rodovias pedagiadas, a condição de trafegabilidade é mais segura, já que existem pontos de apoio com sanitários, água e, às vezes, até café, bem como sinalização e pavimentação bem-conservada, além da assistência da concessionária. Como boa prática, ele cita os painéis digitais que informam – alguns até em tempo real – o que acontece na via. Para o ciclista, a informação é sempre agregadora e nunca é demais para quem está nas estradas.
Em contrapartida, é fácil se deparar também com sinalização feita em faixas de pano rasgadas devido ao vento e à chuva; vegetação encobrindo as placas; buracos e encostas na pista; e um traçado perigoso. “As pontes antigas, por exemplo, são muito estreitas, permitindo a passagem de apenas um automóvel por vez. Se o ciclista não tiver tranquilidade, poderá sofrer um acidente, pois não há guarda-corpo”, alerta Fernandes.
Outro problema, de acordo com ele, é o início de um trecho urbano com maior fluxo de pedestres, carros e caminhões. Ele conta que, em alguns locais, de uma hora para outra, sem nenhuma indicação, aparece uma pequena cidade e, com ela, a movimentação e a precariedade oriunda da falta de manutenção.
“Todas essas situações viraram experiência e, agora, me ajudam a preparar a próxima viagem, que será para o Rio Grande do Norte, saindo de Belo Horizonte. Depois, conto tudo para vocês!”, adianta Fernandes.
Fazendo história no motociclismo
Eles formam uma comunidade, e Antonio Lombardo faz parte do estilo de vida Harley-Davidson. O engenheiro mecânico, que é coordenador de curso da Faculdade de Itaúna, desde jovem tem paixão pelo motociclismo e conhece um bocado das estradas brasileiras.
“Gosto de dizer que não tem rodovia ruim, pois ela é a mesma para todos: ciclistas, motociclistas e motoristas. O que muda é o comportamento. Claro que as condições estruturais, a sinalização e a conservação da pista influenciam a trafegabilidade, mas é o fator humano que pode fazer a diferença. Especialmente no meu caso, em que o para-choque é o meu
nariz, preciso pilotar para mim e para os outros”, ressalta Lombardo.
Em sua análise, as vias pedagiadas têm melhores condições de trafegabilidade, mas não estão isentas de problemas como buracos na pista e sinalização encoberta. Algumas delas inclusive ainda nem receberam melhorias na pavimentação, mas as concessionárias já cobram valores absurdos de pedágio, segundo o motociclista.
Além desse cenário, tem a condição climática. No início deste ano, Lombardo foi de Betim até São Paulo, e, na volta para casa, enfrentou sérios desafios por causa da queda de árvores e de interdições de pista. “Consegui chegar bem, mas peguei vários desvios, e isso fez a viagem demorar muito mais. Mas está bom. Nunca tive uma experiência ruim, elas sempre são boas, apesar dos desafios. Quando estou na estrada, vejo paisagens lindas, especialmente em Minas, que abriga inúmeras fazendas, e vale muito a pena”, garante.
Carro: companheiro de toda hora
Bruno Pereira Florentino é daqueles que trabalham de carro, viajam de férias de carro e, quando precisam resolver algo, vão de carro. O empresário, que é especialista em sinistros, já chegou a rodar 1.800 km em apenas um dia. “Consegui fazer isso porque estava em estradas paulistas, que têm ótimas condições de tráfego. Também vivíamos o auge da pandemia da Covid-19 e fiquei muito inseguro em dormir em hotéis, pois pouco se conhecia da doença. Como não pude suspender o meu trabalho, resolvi rodar o máximo que pude em segurança”, relembra.
Devido ao ofício, que pode começar no momento do acidente e se estender até a entrega do veículo reparado, Florentino conhece praticamente todo o Brasil e até alguns países fronteiriços, como o Uruguai, a Argentina e o Paraguai. Por isso, ele entende bem da realidade das estradas brasileiras.
“Sem dúvidas, as melhores são as pedagiadas, mas elas também estão com problemas, especialmente nesta época do ano. Devido ao excesso de chuvas, [as concessionárias] não conseguem fazer os reparos em tempo hábil e, quando fazem, os estragos voltam a aparecer. Recentemente, fui de Araxá para Uberlândia, e dois pneus furaram. A região metropolitana de Belo Horizonte também está tomada de buracos, e é necessário ter muita atenção”, alerta o empresário.
Experiente nas estradas, Florentino chama a atenção para um inimigo da segurança: o celular. Nas ocorrências em que atua, segundo ele, cerca de 90% têm como causa o uso do aparelho, que, em questões de segundos – aquela mensagem rápida via aplicativo –, provoca um acidente.
Os problemas estruturais das rodovias são outros fatores de risco. Por outro lado, o empresário ressalta que estrada boa, sinalizada e com pavimentação adequada fomenta os negócios e a economia. “Por meio das rodovias, conseguimos trabalhar mais e melhor, gerando impostos que deveriam ser revertidos em infraestrutura”, considera.
Uma boa ideia encontrada por ele veio lá do Sul do país, na fronteira com a Argentina. Na região, é fácil se deparar com blitzen educativas, radares móveis e sinalização. Assim, quando o condutor entra em uma cidade em horário comercial, com muita movimentação, recebe orientações para reduzir a velocidade. “É a união da tecnologia com a inteligência para garantir a segurança de todos nos trechos urbanos, mostrando ao motorista que ele está mudando de situação. Há muitos exemplos bons a serem implementados nas estradas brasileiras”, sugere.
O gigante das estradas
São quase 40 anos como motorista de caminhão sem nenhum acidente, trabalhando todo esse período sem curtir férias. O cegonheiro Tassio Felício de Oliveira, conhecido como Uberaba, caiu na estrada assim que fez 18 anos, incentivado pelo tio. “Aos 17, fui trabalhar na padaria dele, e ele me disse que, se eu tirasse a habilitação de primeira, arcaria com todos os custos. Assim aconteceu, e nunca mais eu parei”, conta.
Uberaba já atuou em diversas modalidades de transporte, de gado até automóveis, e afirma que, hoje, as estradas estão bem difíceis em função da insegurança e do alto custo de vida. O transportador, que também foi apelidado de “chassi de frango” (pois era muito franzino quando começou no setor) e de “dentadura” (como hoje é chamado de forma divertida pelos colegas da Sada/Tegma), encontra dificuldades para descansar e se alimentar durante o trabalho.
“Para pernoitar nos postos de combustíveis, quando nos aceitam, é necessário pagar ou abastecer. De fato, eles precisam ser remunerados, mas a maioria não deixa passarmos a noite. Quando chega a hora da alimentação, o problema é ainda maior, pois o custo está altíssimo. Se eu fizer todas as refeições, gasto mais de R$ 70 por dia, o que pesa muito no fim do mês. Além disso, a qualidade da comida caiu demais. Eu e meus colegas passamos mal muitas vezes”, critica. Para amenizar, ele montou uma caixa de cozinha, que é carinhosamente chamada de “borracharia”. Nela, ele leva um pequeno fogão, um botijão e uma estrutura para água. Já o caminhão possui uma geladeira.
Quanto ao pavimento e à sinalização rodoviários, Uberaba reforça o que foi dito pelos outros entrevistados: é preciso melhorar muito, afinal, há buracos, ausência de placas, traçados malplanejados, pavimentos sem manutenção que causam trepidação e, mais recentemente, diversas interdições devido às chuvas. Para isso, ele dá o recado: “Principalmente para esta nova geração de caminhoneiros, precisamos ter muita responsabilidade no trânsito e compromisso com o nosso trabalho. É bacana colocar roda de alumínio, rebaixar banco, levantar traseira e fazer essas coisas todas, mas o importante é lembrar sempre que o caminhão é para trabalhar, e não para desfilar. É necessário ter foco e muita atenção sempre”.
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