O caos no transporte brasileiro e a crônica de uma crise anunciada
A- A A+A ABIDIP vem alertando a sociedade para a forma com o qual o governo vem tratando a importação de pneus no Brasil, dando espaço para a criação de um oligopólio, cujo reflexo é o aumento de preços.
Por Milton Favaro Junior*
Uma crise anunciada. É dessa forma que a Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Pneus (ABIDIP), analisa os eventos que paralisam o tráfego nas estradas de diversos estados, em um movimento que une motoristas autônomos, empresas de transporte e logística e entidades representativas do setor transportador - que questionam o impacto do alto preço dos combustíveis e dos pedágios no custo do frete, além da total falta de infraestrutura logística. Os custos sobem, mas os preços dos fretes continuam os mesmos.
A ABIDIP alertou e vem alertando a sociedade acerca das ações que vêm sendo orquestradas nos bastidores de Brasília e que se refletem no que estamos assistindo hoje: greves, movimentos paradistas, empresas desativando o chão de fábrica, cidades inteiras com risco de desabastecimento de gêneros de primeira necessidade. E porque tudo isso? Por que o preço do diesel subiu? Mas não é só o preço do diesel que subiu, mas também o dos pedágios, e, principalmente, dos pneus. Combustível e pneus são dois insumos que definem a saúde financeira, o lucro ou o prejuízo de uma empresa de transportes. Mas só o diesel subiu?
Dados do Departamento de Custos Operacionais, Estudos Técnicos e Econômicos da NTC& Logística (Decope), mostram que entre janeiro e julho de 2014, os preços dos pneus praticados pela indústria nacional subiram quase o dobro dos preços do diesel, dos aumentos de salários dos motoristas, do óleo de câmbio e do óleo de cárter. Sim, os pneus, que são ao lado dos combustíveis os maiores custos do frete subiram mais que a inflação e mais do que o diesel, o óleo, o Arla 32 e os salários pagos aos motoristas. A ABIDIP tem mostrado isso à sociedade paulatinamente e a crise que toma conta do Brasil hoje foi mais do que anunciada. E o que vem pela frente?
Infelizmente o atual cenário tende a piorar, pois como já tínhamos anunciado no final do ano passado, o custo do pneu de carga – usado em caminhões - terá novos aumentos e muito significativos neste ano, uma vez que a indústria nacional, que na verdade é uma indústria multinacional, não tem produção suficiente para atender a demanda interna. Um exemplo claro disso é que em 2014 de cada 10 pneus importados para uso em caminhões no Brasil, cinco foram importados pela “indústria nacional”.
Mas o agravante em tudo isso é que no final do ano passado, o governo brasileiro aplicou taxas de antidumping sobre cinco países que exportavam esse tipo de pneus para o Brasil -, além da China, que já tinha essa medida protecionista e está prestes a ser renovada por mais cinco anos.
O que isso pode acarretar no cenário atual? Mais aumento de preços dos pneus e maior pressão sobre o custo dos fretes, que tende a ficar ainda mais defasado. Assim como a Petrobras usa o aumento do preço do combustível para suprir o rombo em suas contas, a indústria nacional de pneus aumenta as importações e os preços dos pneus de carga para suprir a sua ineficiência.
Estoques sem reposição
O aumento continuado do dólar, por um lado, e a proteção garantida pelo governo à indústria, através de políticas antidumping, por outro, gerarão a partir de abril um processo de desabastecimento do mercado de pneus de carga no Brasil. Os estoques dos importadores independentes vão acabar e, devido a estas medidas por antidumping eles não vão mais importar os pneus de utilização em caminhões. O impacto será sentido dentro de 60 dias, com o abastecimento do mercado sendo afetado e, sem concorrência, a indústria nacional encontrará um ambiente propício para aumentar os preços de seus pneus mais e mais.
Vale lembrar que a borracha usada na construção de pneus é cotada em bolsa internacional e seu preço é regido no mesmo patamar, no mundo todo, da mesma forma que o petróleo e seus derivados e o aço também. Todos esses insumos estão envolvidos na fabricação de um pneu e no mundo os preços dos pneus estão baixando e dos insumos também. No Brasil, pelo contrário, estão aumentando, em total contrassenso, causando um colapso sobre o setor de transportes que representa um dos pilares que sustenta a cadeia de distribuição e produção do Brasil. A ABIDIP avisou: junto com o diesel, o aumento dos preços dos pneus afeta a inflação, corrói o preço do frete, gera danos ao setor de transportes.
O negócio de pneus no Brasil virou um negócio da China para a indústria multinacional que conta com parques fabris arcaicos, processos de produção inseguros e oferta de produtos defasados ao consumidor.
Erros estratégicos
.Adoção de medidas antidumping adotadas pelo governo brasileiro sobre pneus de cargas importados da África do Sul, Rússia, Coreia do Sul, Taiwan, Japão e Tailândia;
.Favorecimento de medida protecionista para a Sumitomo/Dunlop poder importar, a preços da China, pneus oriundos do Japão, País punido pela prática por antidumping nas importações feitas pela própria Sumitomo/Dunlop. A empresa, mais nova associada da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP), conseguiu um acordo para não sofrer punição e seu preço de importação de pneus oriundos do Japão é igual ao que vem da China, porém, sem taxa antidumping. Ou seja, ao invés de ser punida, a empresa ganhou um subsídio;
.Está em curso a renovação da medida por antidumping nas importações de pneus de carga oriundos da China, por mais cinco anos;
Os reflexos dessas ações gerarão o desabastecimento do mercado de reposição de pneus de cargas, novos aumentos de preços e surgimento de um oligopólio formado pelas indústrias nacionais que hoje já são os maiores importadores de pneus do mercado brasileiro.
*Milton Favaro Junior é diretor-executivo da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Pneus (ABIDIP).
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