A vez delas

Mulheres atropelam o preconceito e conquistam espaço no setor de transporte rodoviário de cargas

Mobilização / 15 de Março de 2017 / 0 Comentários
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Há aproximadamente 15 anos, as mulheres representavam cerca de 1% dos profissionais do setor de transporte rodoviário de cargas em Minas Gerais. Hoje, a fatia delas nesse mercado chega a 20%. Os dados não foram obtidos por meio de pesquisas – inexistentes nessa área –, mas a partir da observação da diretora da Federação das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Fetcemg), Juliana Martins, a única representante feminina a ocupar um cargo na diretoria da entidade desde a fundação, em 1988.

De acordo com Juliana, a presença das mulheres no setor ainda causa estranheza, principalmente quando elas estão dentro das boleias dos caminhões, assumindo a direção. Mas, segundo a diretora da entidade – que também é empresária e comanda, ao lado da irmã, uma empresa do mesmo segmento –, o cenário vem se modificando. “Nas transportadoras, até algum tempo atrás, todos os funcionários eram homens, em todos os setores. Hoje, as mulheres estão em todos os cargos. Eu, particularmente, quando recebo o currículo de uma candidata, dou preferência, porque os clientes gostam mais delas, do atendimento e da atenção que elas prestam, além do comprometimento com o trabalho”, revela Juliana.

Herdeira dos negócios da família, a diretora da Fetcemg lembra que ela mesma já sentiu na pele o preconceito e a resistência de alguns homens em obedecer a seu comando. “Acho que juntava tudo: o fato de eu ser jovem e as pessoas me considerarem inexperiente com o de eu ser mulher. Atualmente, não percebo mais isso. Nós (da federação) pretendemos capacitar mais mulheres, e acredito que a presença delas vá aumentar naturalmente, porque serão inseridas pelas próximas gerações”, avalia.

 Valentia sobre rodas

A motorista Simone Maria de Paula, de 43 anos, é outra prova de que essa história de sexo frágil já ficou para trás. Há 15 anos, ela dirige ônibus, caminhão e até carreta bitrem. No caso dela, “pioneirismo” poderia ser sobrenome. Simone foi a primeira instrutora de motoescola de Belo Horizonte e de Contagem, na região metropolitana, em 2000.

“Já havia trabalhado como recepcionista de várias motoescolas; depois, como despachante, até que fiz o curso (de instrutora), comprei uma moto e, quando vi, estava dando aulas. Abri as portas para outras mulheres entrarem nesse ramo”, recorda-se.

Mas ela queria mais e resolveu trocar a categoria da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para dirigir ônibus e foi o que fez por cerca de cinco anos. Determinada a acelerar a carreira, ela investiu na profissionalização e começou a trabalhar com caminhões. A bordo de uma carreta, ela inovou mais uma vez e se tornou a primeira mulher a assumir a função de motorista na empresa em que trabalhava.

“Encontrei muitas pessoas que me ajudaram e outras que tinham bastante preconceito. Ouvi piadinhas machistas e, depois disso, já fui recusada em muitos locais simplesmente por ser mulher. Mas eu amo minha profissão e não me vejo fazendo outra coisa”, garante Simone.

O combustível para seguir viagem vem de casa: o apoio das duas filhas, de 11 e 21 anos. “A mais velha fala que eu sou muito diferente das mães das amigas dela”, diverte-se a motorista. “Elas gostam (do meu trabalho), orgulham-se muito”, conta.


Obstáculos

Apesar do avanço das mulheres no transporte rodoviário de cargas, alguns desafios persistem, conforme é avaliado pela vice-presidente extraordinária para Jovens Empresários da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística) e coordenadora da Comissão de Jovens e Executivos da entidade, Ana Carolina Jarrouge.

De acordo com ela, semelhantemente a outros setores econômicos, discrepâncias na remuneração entre os dois sexos e desigualdade nas oportunidades de promoção são alguns exemplos dos desafios ainda hoje impostos às profissionais. “Por preconceito na disputa de vagas, as candidatas mulheres possuem certos ‘requisitos’ e/ou situações que acabam por deixá-las preteridas, fazendo com que os homens tenham mais chances de ser selecionados. Isso é muito sério, porque as empresas podem estar fazendo escolhas erradas, simplesmente por pré-conceitos de que a mulher poderá faltar muito ou engravidar, ficar afastada etc.”, diz Ana Carolina.

Para ela, essa ideia, além de retrógrada, é injusta e revela a incapacidade de alguns empresários em gerir o próprio negócio, já que eles não se mostram capazes de extrair de cada profissional, seja mulher, seja homem, o que ele tem a oferecer. Nesses casos, a representante da NT&C é categórica ao defender e incentivar a participação feminina no setor. “Não desistam. Inúmeros serão os problemas que vocês enfrentarão, e comigo não foi diferente. Sejam fortes e autênticas. Também temos inúmeras qualidades que nos são peculiares e vamos usá-las a nosso favor. O crescimento com qualidade do TRC (Transporte Rodoviário de Cargas) depende e muito da atuação feminina. Por isso, só precisamos mostrar nossa cara e demonstrar que temos plenas condições de galgar posições de destaque ou quaisquer outras que desejarmos”, conclui.   

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