Análise do bem
Presidente da Associação Brasileira de Laboratórios Toxicológicos (Abratox), Marcello Santos, fala dos benefícios do exame toxicológico em motoristas profissionais
A- A A+A obrigatoriedade da realização do exame toxicológico em motoristas que visam à obtenção ou à renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nas categorias C, D e E – vigente desde o início deste ano em todo o Brasil – ainda encontra resistência. Nos últimos meses, mais de dez Estados conseguiram na Justiça liminares que suspenderam a exigência. Em muitos deles, no entanto (a exemplo de Minas Gerais), a Lei 13.103, de 2015, voltou a vigorar.
Para o presidente da Associação Brasileira de Laboratórios Toxicológicos (Abratox), Marcello Santos, um dos motivos alegados para a não realização dos testes que apontam se o motorista profissional fez uso de drogas nos 90 dias anteriores à coleta foi a insuficiência de laboratórios qualificados para fazer os testes, um problema já solucionado, na maior parte do país.
Em conversa com Entrevias, Santos fala sobre os resultados já alcançados por outros setores que aderiram aos chamados exames toxicológicos de larga janela (realizados por meio da análise de amostras de cabelo e pelos) para a identificação de profissionais usuários de substâncias psicoativas e sobre a expectativa de se coibir o uso delas entre os caminhoneiros.
Entrevias: Quais os principais desafios para a implementação do exame toxicológico no Brasil?
Marcello Santos: Os desafios, hoje, são menos operacionais. No início do processo, não havia pontos de coleta em número ideal, mas esse problema já foi superado há bastante tempo pela indústria, que deu atenção especial à realização de convênios para que houvesse laboratórios suficientes. Atualmente, os desafios são técnicos. Dizem respeito ao estabelecimento de protocolos de contraprova em todos os laboratórios e a questões relacionadas à inserção dos dados no Registro Nacional de Condutores Habilitados (Renach).
EV: Ainda há quem alegue insuficiência de laboratórios nacionais para a realização dos testes. Qual o cenário atual?
MS: Existem laboratórios funcionando no Brasil, mas a maioria dos exames ainda é feita no exterior, realmente. No entanto, a tendência de mercado é a nacionalização completa dos exames. Essa é uma tendência natural.
EV: Em quanto tempo essa nacionalização deverá acontecer?
MS: A instalação e a creditação dos laboratórios levam cerca de seis meses a um ano. O processo é moroso, depende de entes públicos, não tem a celeridade desejada. Mas, nesse prazo de seis meses a um ano, é possível.
EV: O senhor acredita que a realização do exame toxicológico é, de fato, eficaz no combate ao uso de drogas pelos motoristas profissionais?
MS: Essa é uma questão muito importante de ser abordada. A resposta dada não por mim, mas por uma infinidade de estudos realizados e pela experiência de diversos setores, é “sim, claro que sim ”. A lógica da coisa é a seguinte: quando você é usuário de drogas, tal qual quando você é tabagista, você fuma, usa drogas. Se (o empregador) precisa alocar um profissional em um setor em que o consumo de drogas é endêmico, como é o caso de parte da categoria, você precisa ter um tipo de controle. Esse controle exerce um efeito de dissuasão. Se (a legislação) coloca um filtro, os profissionais submetidos a ele dificilmente continuarão a fazer uso dessas substâncias.
EV: Como tem sido a experiência com o exame toxicológico no Brasil em outros setores?
MS: Aqui, 95% das polícias usam exame de larga janela para detecção de profissionais usuários de drogas, e não existe nenhuma lei que as obrigue a fazerem isso. Polícias Militar, Civil, Federal, Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Exército, Aeronáutica, todos já comprovaram a eficiência desse crivo na mitigação do uso de drogas. Essa experiência positiva foi sendo passada de corporação para corporação, e todas são entusiastas em relação ao uso do exame na admissão de profissionais. Elas sempre se posicionaram a favor da exigência do teste para motoristas. O setor aéreo utiliza os exames por força de regulamentação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) há uns cinco ou seis, anos e a experiência também foi excelente. Profissionais do setor já se posicionaram publicamente, baseados na experiência deles, alegando que o controle exerce, sim, uma função preventiva.
EV: A proposta brasileira de fazer a coleta da amostra do motorista no momento em que ele vai solicitar ou renovar a CNH é utilizada em outros países?
MS: Existem vários países que têm controle do uso de substâncias psicoativas por profissionais, como alguns da Europa, o Canadá e os Estados Unidos. O uso (de drogas) é mais intenso onde existem distâncias continentais a serem percorridas, a exemplo da Rússia. Cada país tem uma estratégia diferente. A do exame toxicológico de larga janela especificamente para motoristas profissionais é empregada somente no Brasil por ora. Em outros países, utilizam-se blitzen e outras estratégias que podem ser complementares. Aqui, optou-se pelo modelo já bem estabelecido em outras áreas. A Organização das Nações Unidas (ONU) elogiou a medida brasileira, e os Estados Unidos regulamentaram uma lei adicionando o exame feito com cabelo em situação análoga à nossa.
EV: O exame não seria mais eficiente se fosse realizado no momento da fiscalização?
MS: As duas medidas não são excludentes. Pode haver, sim, mensuração do histórico de um proponente, e, com base nele, prevermos o futuro. Nada melhor para prever o comportamento futuro do que rever o comportamento pregresso. Se o indivíduo faz uso de drogas com certa frequência – e o exame mostra a frequência –, isso é um indicativo de que ele vai sentir vontade de usar drogas no futuro, durante o trabalho. Se houver fiscalização em número suficiente nas estradas, isso ajudará também. Sugiro que as pessoas e as entidades que não enxergam a eficiência desse tipo de teste primeiramente façam uma reflexão de lógica de consciência. Depois, conversem com setores que fazem uso de exames há muitos anos e têm dados apurados. São 72 polícias no Brasil que praticam isso e as companhias aéreas também. Meu convite é para que os observem.
EV: Há quem defenda que a não exigência do exame em taxistas, por exemplo, é uma discrepância da legislação. O senhor concorda?
MS: Vamos pegar o que tem funcionado. Hoje, para se adquirir habilitação nas categorias C, D e E, existem exigências que não são aplicadas em outras categorias, como testes psicotécnicos mais rigorosos e exames físicos, que não são feitos para as CNHs A e B. Acho que a exigência do exame toxicológico vem na mesma linha. Os problemas nas estradas são maiores, pela distância maior percorrida e pela grande oferta de drogas nas paradas dos motoristas. Isso foi mensurado durante anos pela Polícia Rodoviária Federal, por universidades e por setores de pesquisa. Dentro de cerca de dois anos ou coisa assim, o efeito do exame nos motoristas de caminhões também poderá ser estudado, e, com base nisso, a sociedade poderá decidir se é conveniente ou não a extensão desse tipo de crivo para outras categorias. Por ora, acho que já temos um setor suficientemente importante para ser controlado.
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