Aventura com sotaque mineiro
Circuito Uai interliga 42 municípios e distritos próximos a Belo Horizonte em um desafio de ciclismo repleto de cultura e belezas naturais
A- A A+Ciclistas, corredores, caminhantes e trilheiros que percorrem o Circuito Uai vivenciam uma experiência inesquecível. O percurso de 1.041 km de trilhas e estradas compõe uma rota que interliga 42 municípios e distritos do entorno de Belo Horizonte. O trajeto é marcado por planaltos, depressões, vales, serras, picos e muitos atrativos como lagos, lagoas, grutas, museus, cavernas, rios, cachoeiras, campos ondulados, florestas, afloramentos minerais, diversas coberturas vegetais, belas paisagens e terras férteis e generosas habitadas por um povo muito hospitaleiro.
A iniciativa teve início em Sabará, na região metropolitana da capital mineira – cidade escolhida para ser o marco zero –, em 5 de junho último. A ideia embrionária, contudo, surgiu em 2015. “Foi quando eu recebi o convite para percorrer o caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Fiquei pensando se não podíamos fazer algo por aqui, na Grande BH. O pessoal fala que nossas trilhas e serras são uns dos melhores locais para a prática do mountain bike. Então, por que tínhamos que ir para tão longe para encontrarmos lugares legais, com alto investimento financeiro, logística complexa e durante um longo período de tempo? Eu já conhecia muitas trilhas, mas faltavam outras. Tinha 70% da rota na minha cabeça. Aí, chamei os amigos para me ajudarem na elaboração do circuito. Assim nasceu o projeto”, relembra o idealizador do Circuito Uai, o empresário e advogado Anderson Cordeiro.
Um dos que contribuíram com a elaboração do desafio foi o engenheiro Annibal Theotonio Baptista Neto, ciclista desde o início dos anos 2000. “Minha participação foi muito compromissada com a diversão: pedalei bastante tentando descobrir as melhores estradas e sugeri alterações quando percebia qualquer tipo de monotonia no percurso. Eu escutava e tentava colocar em prática as orientações dos ‘embaixadores’ e, de alguma maneira, sempre consegui corrigir o percurso a partir das sugestões dessas pessoas. Confesso que nossas reuniões não eram muito produtivas, mas, quando saíamos para a estrada, a diversão era garantida”, diz.
Para Baptista Neto, o ponto forte do projeto é que ele foi idealizado por ciclistas, corredores e caminhantes para caminhantes, corredores e ciclistas com o único propósito de conduzi-los pelos caminhos mais interessantes. “Além disso, os nativos que conheciam cada palmo da região sugeriam sempre os melhores traçados e os diversos desvios que, obviamente, davam acesso aos locais mais interessantes. Outro diferencial do circuito é ter um traçado quase exclusivo por estradinhas de terra. Os idealizadores tentaram evitar o asfalto ao máximo”, afirma o engenheiro.
O servidor público Israel Tomaz Ferreira, que há 22 anos treina e compete na modalidade mountain bike, também ajudou a traçar parte do circuito. “Sem dúvida, o diferencial dele é a riqueza das paisagens características da região do entorno de Belo Horizonte: formações montanhosas admiráveis e repletas de histórias, cachoeiras bem-conservadas, bioma diversificado, uma vegetação de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, trilhas agradáveis e um clima muito favorável à prática de esportes ao ar livre. Outro ponto positivo é poder percorrer os mais de 1.000 km do circuito mantendo-se a uma distância máxima de 100 km da capital, sendo esse um facilitador para quem deseja concluí-lo em diversas etapas, seja por opção ou por não se dispor de 10 a 15 dias consecutivos para completá-lo de uma única vez”, ressalta Ferreira.
Experiência única
O Circuito Uai promove o turismo de aventura ao mesmo tempo em que proporciona aos participantes a oportunidade de se conectarem com a natureza, a comunidade local, a cultura regional, a gastronomia e o patrimônio artístico-cultural. Atualmente, dois grupos participam do desafio: um está na quarta etapa, e o outro, na segunda.
“A maioria das rotas de cicloturismo tenta ressuscitar algum tipo de caminho, seja ele religioso, seja histórico, ou um local que une cidades com o intuito de fomentar o turismo e o comércio, por exemplo. Já o Circuito Uai estimula amizades e a satisfação em pedalar, além de possibilitar que seja feito algo que pode influenciar outras pessoas positivamente. Uma coisa que aprendi com essa experiência é que, por mais lindos que sejam os lugares por onde passamos em qualquer região do mundo, sempre podemos ter uma surpresa agradável ao fazer uma curva, ao chegar ao topo de uma montanha ou ao entrar em uma cachoeira ao lado de casa. Toda a rota fica em um raio inferior a 100 km da capital mineira e, sinceramente, nunca imaginei encontrar tanta coisa legal tão próxima. Tenho certeza de que será uma surpresa para outros também”, garante Baptista Neto.
A administradora Gleisiele Henriques, que pratica mountain bike há um ano e meio, concorda com o engenheiro. “Além da nota 10 na organização do pessoal da Tour Bike e dos idealizadores do Circuito Uai, a jornada está sendo uma das melhores experiências que estou vivendo neste meu curto tempo de pedal. Uma experiência indescritível e cheia de surpresas. Não tem como saber o que nos espera na próxima etapa porque cada uma tem as suas características, belezas, dificuldades e particularidades. Enfim, cada etapa é única”, afirma.
Para ela, o encantamento vem da união do apoio e da empatia dos participantes com o cenário de beleza e riqueza únicas do Estado. “A receptividade da galera é fenomenal, uma energia e uma sintonia sem igual”, avalia Gleisiele.
Beleza natural que desafia
O experiente atleta Carlos Leônidas da Silva, que soma 28 anos de estrada na modalidade mountain bike, também enfatiza a originalidade do projeto. Educador físico, ele conta que nunca havia feito uma cicloviagem (rota percorrida durante dias seguidos) por um percurso tão especial. “Recebi o convite do Anderson para fazer o circuito em menos de 11 dias. Como estava sem participar de competições por causa da pandemia, topei pela oportunidade de fazer algo diferente”, revela.
Até o fechamento desta edição, Silva havia percorrido 570 km em cinco dias. “Eu tinha planejado percorrer 200 km por dia, mas subestimei o trajeto e as condições climáticas. É um desafio pessoal difícil, pois pegamos muita serra, vento, poeira e frio. Nesta época do ano, a temperatura é muito baixa. No começo, estava muito exigente comigo mesmo, mas notei que estava perdendo a oportunidade de aproveitar os lugares, que possuem muita riqueza histórica e cultural e me trazem lembranças das competições de mountain bike”, recorda o educador físico.
Gleisiele faz coro. Segundo ela, cada percurso tem as suas particularidades, e cabe aos participantes superá-las e enfrentá-las com maestria, respeitando sempre as próprias limitações. “Devemos ter cuidado para não exigirmos além do que o nosso organismo nos oferece. Na terceira etapa, enfrentei um desafio que realmente superou os meus limites: o conhecido e temido Morro Caboclo, localizando entre Santo Antônio do Alto e Lavras Novas. Quem conhece a região sabe que a inclinação é de tirar totalmente o fôlego. O morro mais parecia uma parede. Quando cheguei ao topo de Lavras Novas, nem acreditei. Olhei para mim e disse: ‘É, eu consegui, eu subi, eu superei!’. Essa sensação é boa demais!”, confidencia a administradora.
Baptista Neto reforça que algumas subidas são, de fato, extremamente desafiadoras. “Entretanto, se o turista não estiver de mau humor, levantar a cabeça e observar ao redor, o ganho de altimetria será menos perceptível e até mesmo agradável”, aconselha.
O idealizador da aventura, Anderson Cordeiro, sublinha que alguns trechos do Circuito Uai cruzam percursos de provas estaduais, nacionais e até mundiais de ciclismo. Além disso, o trajeto é dinâmico e sofre pequenas mudanças ao longo do caminho para se tornar cada vez mais off-road. Em Pará de Minas, por exemplo, os participantes agora vão passar por uma linha férrea recentemente inaugurada. “É importante ressaltar que se trata de uma rota pública, aberta a todos. Nesse sentido, qualquer pessoa pode fazer o Circuito Uai”, esclarece o empresário.
Gente acolhedora
A população local é um destaque à parte no Circuito Uai. Conforme salientado pelos organizadores, os moradores dos municípios e distritos abrangidos pelo projeto contribuíram muito com a orientação do percurso e também desempenharam outro papel fundamental: a recepção calorosa aos participantes. “Recordo-me bem da primeira etapa, que, para mim, foi até agora uma das que mais me encantaram. No fim da rota, fizemos uma parada em uma pousada na linda Catas Altas e fomos muito bem-recepcionados. Em cada caminho percorrido, seja nos vilarejos e/ou cidadezinhas, somos recebidos com gestos de cortesia e até mesmo frases de incentivo como ‘vai lá, galera’ ou ‘eita povo animado’”, encanta-se Gleisiele.
Em Minas Gerais, a acolhida normalmente vem acompanhada da culinária tradicional, e, durante o circuito, não é diferente. Os participantes podem desfrutar do sabor e da riqueza da gastronomia local, como o bife com casca de banana, o tropeiro, o frango caipira, o pequi, a carne seca e o famoso pão de queijo. “É sempre muito cordial e calorosa a recepção. A boa prosa, o cafezinho e a esperança em dias melhores nos tornam mais humanos e espiritualizados ao término dessa espetacular jornada”, avalia Ferreira.
Segurança: pilar fundamental
É importante pontuar que todas as atividades do Circuito Uai contam com o apoio da organização para garantir que a experiência seja segura. Os participantes são acompanhados por profissionais e veículos de suporte e também contam com aplicativos de orientação sobre o trajeto. O percurso dialoga muito com a natureza em espaços abertos que minimizam o risco de contaminação pelo novo coronavírus. “O uso de máscaras e a assepsia frequente, além do distanciamento social, são regras mínimas a serem observadas e em nada comprometem as atividades no circuito”, assegura o servidor público.
Baptista Neto conta que pedalou fortemente pelo Circuito Uai durante a pandemia da Covid-19 e fez cinco testes em momentos em que não se sentiu 100%. “Os resultados garantem que não fui contaminado nem passei a doença para ninguém. Felizmente, tomei a primeira dose da vacina e me sinto ainda mais seguro neste momento. Vale ressaltar que o distanciamento social foi – e ainda é – uma constante nesses pedais”, conclui.
Garantidos a segurança sanitária e o bem-estar, Cordeiro já tem em mente um novo projeto. “Tenho a ideia de elaborar um contorno a partir das extremidades de Minas Gerais, que dá cerca de 5.300 km, para contemplar todos os extremos por estradas de terra. Contudo, vamos curtir o agora, vamos curtir muito o Circuito Uai”, finaliza.
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