Curandeirismo nas estradas
Estabelecimentos localizados em rodovias comercializam livremente produtos classificados como medicinais, sob a chancela de naturais e sem contraindicação. Cuidado! Esses medicamentos oferecem perigo.
Produtos e medicamentos classificados como naturais, encontrados em estabelecimentos comerciais localizados em estradas brasileiras, podem causar sérios efeitos colaterais, além de terem sua efetividade questionada
Gripes e resfriados podem ser tratados com a inalação de eucalipto ou por medicamento que conta com esse elemento da natureza. Mas você sabia que não deve ser utilizado por pessoas com inflamação gastrointestinal e biliar, doença hepática grave, gravidez, lactação e menores de 12 anos? Quem se encaixa em uma das situações citadas acima e faz a inalação pode ter náusea, vômito e diarreia. Além disso, deve-se evitar o uso do eucalipto associado a sedativos, anestésicos e analgésicos, pois ele pode potencializar suas ações. O famoso chá de cavalinha, usado em inchaços e retenções, pode causar uma alergia em pessoas sensíveis à nicotina. O uso permanente também pode provocar dor de cabeça e anorexia; altas doses causam irritação gástrica, reduzem níveis da vitamina B1 e promovem irritação no sistema urinário.
Exemplos de reações causadas pelo uso de elementos da natureza utilizados para fins medicinais são mais comuns do que muitos imaginam. A máxima “O que é natural não faz mal” é perigosa e merece atenção dos profissionais que atuam nas estradas brasileiras. Afinal, muitos estabelecimentos comerciais e pessoas – que costumam atender em suas casas ou em tendas – oferecem nas rodovias produtos naturais – em forma de chás, xaropes, cápsulas ou a erva in natura.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entende os benefícios de produtos fitoterápicos, visto que o uso de plantas como remédio é tradição em vários Estados brasileiros. Atualmente, o órgão reconhece cerca de 400 fitoterápicos, transformados pelas indústrias em cápsulas ou xaropes. A agência criou também uma nova categoria: a dos fitoterápicos tradicionais. São produtos feitos com arnica e maracujá, por exemplo. Eles foram reconhecidos sem a necessidade da realização de pesquisas porque os efeitos medicinais já são consagrados pela população.
CONTRAINDICAÇÃO
O clínico geral Jorge Rodrigues, que atende no Hospital Municipal Odilon Behrens, ressalta que os cuidados que as pessoas devem ter são os mesmos destinados aos outros medicamentos. “As principais orientações são buscar informações com os profissionais de saúde; informar ao médico qualquer reação desagradável durante o uso das plantas medicinais ou dos fitoterápicos e, em caso de cirurgia, comunicar a utilização dos mesmos; observar cuidados especiais com gestantes, lactantes, crianças e idosos; adquirir fitoterápicos apenas em farmácias e drogarias autorizadas pela Vigilância Sanitária”.
Ele ressalta a importância de as pessoas seguirem as orientações da bula e da rotulagem, de observarem a data de validade, de atentarem para o armazenamento e de terem cuidado ao associarem a substância a outros medicamentos, o que pode promover a diminuição dos efeitos ou provocar reações indesejadas. “Desconfiem de produtos que prometem curas milagrosas. Especialmente aos profissionais das estradas, recomendo ainda mais atenção no uso da fitoterapia. Os motoristas desenvolvem atividade que requer muita atenção e destreza. Nesse sentido, procurem um médico especializado caso queiram iniciar essa forma de tratamento”, alerta.
Como ocorre com qualquer medicamento, o mau uso de fitoterápicos pode ocasionar problemas à saúde, a exemplo de alterações na pressão arterial, no sistema nervoso central, no fígado e nos rins, o que pode levar a internações hospitalares e, dependendo da forma de uso, até mesmo, à morte.
DIFERENÇAS
No conceito da Anvisa, fitoterápicos são medicamentos obtidos empregando-se como princípio ativo exclusivamente derivados de drogas vegetais. “São caracterizados pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, como também pela constância de sua qualidade. São regulamentados como medicamentos convencionais e devem apresentar critérios similares de qualidade, segurança e eficácia, os quais são requeridos pela agência para todos os medicamentos”, informa a Anvisa.
Essa instituição classifica a fitoterapia em duas categorias: os medicamentos fitoterápicos, que devem seguir as mesmas regras das drogas sintéticas, com a exigência da realização de testes clínicos de segurança e eficácia; e os produtos clássicos fitoterápicos, que precisam apenas comprovar seu caráter tradicional e sua segurança com base na literatura médica. Nesse sentido, o medicamento fitoterápico tem indicação terapêutica e bula dizendo para que serve, sendo vendido somente com receita ou como medicamento fitoterápico isento de prescrição médica; já o produto fitoterápico não pode ter indicação terapêutica e apresenta plantas medicinais na fórmula.
As plantas medicinais são aquelas capazes de aliviar ou curar enfermidades e têm tradição de uso como remédio em determinada população ou comunidade. Contudo, pontua a Anvisa: “para usá-la, é preciso conhecer a planta e saber onde colhê-la e como prepará-la. Quando a planta medicinal é industrializada para se obter um medicamento, tem-se como resultado o fitoterápico. O processo de industrialização evita contaminações por micro-organismos, agrotóxicos e substâncias estranhas, além de padronizar a quantidade e a forma em que devem ser usadas, permitindo uma maior segurança de uso”.
CRITÉRIOS PARA COMERCIALIZAÇÃO
Os medicamentos fitoterápicos industrializados devem ser registrados na Avisa/Ministério da Saúde antes de serem comercializados. Há cinco resoluções específicas para o registro de fitoterápicos no Brasil: a RDC 48, em que são estabelecidos todos os requisitos necessários para a sua concessão, os quais se baseiam na garantia de qualidade. As avaliações abrangem a matéria-prima vegetal, os derivados de droga vegetal e o produto final, o medicamento fitoterápico.
Essa legislação é acompanhada por outras resoluções: 88, 89, 90 e 91, e o objetivo principal é minimizar a exposição a produtos passíveis de contaminação e garantir a quantidade e a forma certa em que deve ser usada, permitindo uma maior segurança de uso.
A Anvisa avalia todos os aspectos referentes ao produto em termos de qualidade, segurança e eficácia. O registro tem validade de cinco anos, devendo ser renovado por períodos sucessivos, conforme determinado na Lei nº 6.360/76, que dispõe sobre os produtos submetidos ao controle da Vigilância Sanitária. Para a obtenção do registro e sua renovação, a empresa deve peticionar junto à agência um dossiê técnico-administrativo com informações sobre o produto, de acordo com os regulamentos específicos. Durante a análise de um processo de registro, verificam-se os principais aspectos referentes ao processo produtivo: controle de qualidade, ensaios de segurança e eficácia, dados legais da empresa, rotulagem e bula.
FISCALIZAÇÃO
A agência também tem o papel de acompanhar a comercialização dos medicamentos, podendo retirá-los do mercado caso seu consumo apresente risco para a população. No entanto, a dimensão territorial do país e a escassez de profissionais comprometem a efetividade da fiscalização. A instituição reconhece que monitorar os produtos encontra desafios estruturais. No caso das estradas, a adversidade é ainda maior, considerando-se a quantidade de comércios formais e informais.
Os profissionais das estradas e todos os cidadãos podem verificar se os produtos comercializados são legitimados pela Anvisa pelo endereço http://www7.anvisa.gov.br/datavisa/consulta_produto/Medicamentos/frmConsultaMedicamentos.asp
Ao encontrar um produto sendo vendido como fitoterápico sem registro, denuncie. Envie mensagem para o e-mail gmefh@anvisa.gov.br.
Também é possível identificar, pelas embalagens e pelos rótulos, se o medicamento é registrado. Eles precisam apresentar o seu número de registro na embalagem, e esse número deve estar em uma das seguintes formas: “Reg. MS: 1.XXXX.XXXX-XXXX ou Reg. MS: 1.XXXX.XXXX”, sempre começando com o algarismo 1. A empresa pode escolher incluir 9 ou 13 dígitos do número de registro na embalagem, mas o formato em que virá será sempre esse iniciado pelo número 1, pois esse é o algarismo que identifica os medicamentos na Anvisa.
Se, na embalagem de algum produto, for observado um número de registro que comece com os algarismos 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou 8, o produto pode ter registro na Anvisa, mas em outras classes (por exemplo, cosméticos ou alimentos), não como medicamento.
Medicamentos notificados não terão em sua embalagem número de registro, mas, sim, uma frase que indica que ele foi notificado. Se for um fitoterápico, a frase será: "Produto notificado na Anvisa nos termos da RDC nº 26/2014".
A proibição legal de industrializar, vender ou consumir substâncias de interesse à saúde sem prévio registro nos órgãos de controle sanitário é prevista por lei. De acordo com o Código Penal e a Lei 9.677/98, a adulteração e a falsificação de produtos com fins terapêuticos ou medicinais, bem como a importação, a venda e a armazenagem são considerados crimes hediondos contra a saúde pública. Conforme as normas em vigor (leis 5.991/73, 6.437/77 e 9.294/96, além das resoluções 102/00 e 833/97 da Anvisa, que tratam do comércio e da propaganda de medicamentos e de produtos para a saúde), os fabricantes e os distribuidores em situação irregular terão as atividades paralisadas e não poderão fabricar nem comercializar qualquer produto. Os comerciantes ainda poderão ser penalizados com multa que varia entre R$ 2.000 e R$ 1,5 milhão, definida segundo a avaliação da gravidade do fato e possíveis antecedentes ou irregularidades sanitárias.
Sob a chancela de “Cura Tudo”, um medicamento encontrado em estradas brasileiras se autodeclara como “suplemento alimentar”. Em seu verso, há indicação para melhoria de gastrite, pedras nos rins etc. Além disso, o produto oferece a opção para emagrecimento, orientando como é o seu uso voltado para esse objetivo. A embalagem não apresenta registro da Anvisa, somente o nome da farmacêutica responsável.
MERCADO
A fitoterapia é reconhecida como método terapêutico pelo Conselho Federal de Medicina desde 1992. E, das 250 mil plantas catalogadas em todo o mundo, 55 mil estão em território brasileiro, o que comprova a grande biodiversidade nacional.
Embora não se saiba ao certo o tamanho do mercado de fitoterápicos no Brasil – calcula-se que movimente cerca de 10% do setor de fármacos –, é consenso que seu consumo vem aumentando no país e no mundo. De acordo com a Associação Brasileira de Fitoterapia (Abrafit), em 2011, o segmento mundial de medicamentos derivados de plantas foi estimado em cerca de US$ 26 bilhões, valor que representa apenas 3% do setor global de medicamentos.
A OMS fez um levantamento mundial entre seus Estados-membros, publicado em 2005, questionando-os sobre suas políticas relacionadas às medicinas tradicionais e ao uso de plantas medicinais e de fitoterápicos. Do total de 191 Estados-membros, 141 responderam aos questionamentos: 32% dos respondentes afirmaram possuir políticas regulamentando a medicina tradicional ou complementar, e, com relação ao uso de plantas medicinais, a maioria (92 países – 65%) informou ter regulamentos sobre o tema.
No Brasil, em 2006, duas políticas foram estabelecidas nesse sentido. A primeira foi a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS), aprovada pela Portaria Ministerial MS/GM 971/2006. A segunda foi a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, também publicada nesse ano. Ambas apresentam em suas diretrizes o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento com relação ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos que possam ser disponibilizados com qualidade, segurança e eficácia à população, priorizando-se a biodiversidade do país.
Entretanto, segundo o artigo “Aspectos da legislação no controle dos medicamentos fitoterápicos”, ainda há várias dificuldades para o controle de qualidade e a comprovação de segurança e de eficácia dos medicamentos fitoterápicos, devido à complexidade química dos derivados de drogas vegetais. “Faltam investimentos em pesquisa com plantas nativas por parte das indústrias, que preferem o registro de produtos baseados em plantas exóticas por haver vasta literatura científica publicada. O processo de caracterização química e farmacológica dos derivados de drogas vegetais exige tempo e recursos apreciáveis, além de investimento em equipes multidisciplinares”.
A Abrafit corrobora e pontua que o número de registro de fitoterápicos vem sofrendo queda nos últimos anos. Para a associação, há um excesso de exigências para os fitoterápicos e os métodos de avaliação desses produtos não podem ser iguais aos aplicados aos medicamentos convencionais.
EXPERIÊNCIA
A contadora Patrícia de Cássia Rocha Guimarães, 33 anos, sempre foi adepta de dieta e já usou diversos produtos naturais com o objetivo de emagrecimento. “Até hoje não vi milagre para emagrecer. A perda de gordura vem por meio da reeducação alimentar e da prática de exercício físico. Ainda assim tomo chás – feitos de gengibre e canela, por exemplo –, pois sinto bem-estar e observo que eles aceleram o metabolismo”, diz.
Esses elementos possuem componentes que ajudam na quebra da gordura, pois são termogênicos, ou seja, colaboram com o processo. A Associação Médica de Minas Gerais alerta para efeitos adversos e recomenda que o consumo adequado deve ser orientado por um profissional da área de saúde.
DICAS
Para proteger sua saúde, confira as dicas da Anvisa sobre como evitar a compra de medicamentos irregulares:
- Somente adquira medicamentos registrados em farmácias autorizadas. É obrigatório que a Licença Sanitária esteja exposta ao público. Nunca compre medicamentos em feiras, camelôs, academias etc.;
- Na internet, obtenha medicamentos somente em sites de farmácias e drogarias abertas ao público, com farmacêutico responsável
- Dê preferência aos sites de farmácias localizadas próximas de sua casa. Em caso de dúvidas ou problemas, você terá a quem recorrer;
- Exija sempre a nota fiscal dos produtos;
- Não compre medicamentos com embalagens amassadas, rótulos que se soltam facilmente ou que estejam apagados ou borrados;
- Os rótulos devem estar em língua portuguesa. Desconfie de medicamentos que apresentem erros ortográficos no rótulo;
- Verifique a data de validade e de fabricação, o número do lote e o do registro do medicamento no Ministério da Saúde/Anvisa, além dos dados da empresa fabricante, incluindo nome, CNPJ e endereço;
- Verifique se a embalagem do medicamento possui a tinta reativa (raspadinha) e o lacre ou o selo de segurança. Não compre medicamentos com lacre rompido;
- Cuidado com os medicamentos ditos “naturais”, com indicações milagrosas ou sugeridos para o tratamento de muitas doenças;
- Somente os medicamentos têm indicações terapêuticas. Nenhum alimento ou suplemento alimentar possui tais propriedades;
- Desconfie de promoções e liquidações.
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