De mal a pior
Estudo revela que, em 2019, o estado das rodovias brasileiras piorou em relação ao ano passado. Em Minas, cerca de 70% das estradas foram classificadas como péssimas, ruins ou regulares.
A- A A+Para quem transita pelas estradas brasileiras, o resultado da Pesquisa de Rodovias 2019, apresentado em outubro último, não surpreendeu. Realizado e divulgado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e pelo Sest Senat, o diagnóstico rodoviário do país constatou piora nas condições das vias. O estado geral apresenta problemas em 59% da extensão dos trechos avaliados. Em 2018, eram 57%. Também está pior a situação do pavimento (52,4%), da sinalização (48,1%) e da geometria (76,3%). No ano passado, a avaliação desses três aspectos foi melhor (50,9%, 44,7% e 75,7%, respectivamente).
A crise fiscal enfrentada pelo país aciona o sinal de alerta em relação à capacidade de a União investir em manutenção e em expansão da malha. “O governo precisa repensar a gestão das rodovias. O melhor modelo de concessão é o que não tenha outorga e que seja cobrado pelo uso de acordo com o quilômetro rodado. O parlamento é fundamental para propor iniciativas alinhadas às necessidades da sociedade e para fiscalizar sua aplicação”, afirmou o presidente da CNT, Vander Costa.
“Estradas retas, seguras, com o pavimento perfeito, duas faixas para cada lado, separadas por um largo canteiro central. Esse era o sonho de todo brasileiro, mas o paraíso que existe fora do país, como nos Estados Unidos e na Europa, está a milhares de km de distância de nossas rodovias. No Brasil, a radiografia é de pavimento desgastado, placas ilegíveis, faixas apagadas e pistas simples. Desde 2004, a malha federal pavimentada cresceu apenas 12,1%”, condena o inspetor De Paula, instrutor de direção defensiva e segurança e educador de trânsito.
O número de pontos críticos identificados ao longo dos 108.863 km pesquisados pela CNT aumentou 75,6%, saltando de 454 em 2018 para 797 em 2019. No ano passado, foram registrados nas rodovias federais brasileiras 69.206 acidentes. O prejuízo gerado foi de R$ 9,73 bilhões para o país, com a perda de 5.269 vidas e 76.525 pessoas feridas. O cálculo considera os danos aos veículos e às cargas e as despesas médico-hospitalares, além da perda de produção das pessoas que morreram nas rodovias – parte delas ainda muito jovem.
O inspetor De Paula ressalta que, para os motoristas profissionais carreteiros e também os viajantes e os representantes comerciais, as rodovias mineiras são sinônimo de perigo. “Esses profissionais trabalham o ano inteiro em estradas péssimas, sem acostamentos, placas nem sinalização horizontal e com mato nas faixas de domínio. Estradas com esse perfil são mais propícias a assaltos, devido ao tráfego reduzido pelas más condições. É preciso se desdobrar nos quesitos de segurança: saber onde estacionar, não parar em qualquer lugar, usar postos de gasolina conhecidos, não dar carona em hipótese alguma etc.”, aconselha o inspetor.
Prejuízo econômico
De acordo com a CNT, o cenário atual, associado a outros fatores, como falta de investimentos e má qualidade das pistas, prejudica a competitividade dos produtos brasileiros, aumentando o custo deles em 28,5%. Em rodovias com pavimento em péssimo estado de conservação, esse acréscimo chega a ser de 91,5%.
Os pavimentos inadequados levam a um desperdício de diesel de aproximadamente 5%, pois aumentam as frenagens e as reacelerações. Também há mais emissões de gases poluentes. Estima-se que, em 2019, haja um consumo desnecessário de 931,80 bilhões de litros do combustível. Isso representa um adicional de emissão de 2,46 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), o que custará mais R$ 3,3 bilhões aos transportadores. Essa matemática reflete ainda no custo de manutenção dos veículos e no consumo de combustível, de lubrificantes, de pneus e de freios.
"Estradas ruins dificultam a circulação dos veículos, aumentam o custo Brasil e causam acidentes. Modelos sustentáveis de rodovias devem estar atentos à qualidade de vida dos caminhoneiros. Isso se consegue, em grande parte, com um gerenciamento eficaz das nossas estradas", salienta o presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto), Carlos Roesel.
Destaques
A maioria das estradas brasileiras é insegura e está em mau estado de conservação, com um traçado antigo e sem correção. Quando foram construídas, o Brasil precisava de expansão rodoviária a baixo custo e eliminou obras importantes, como pontes e aterros. Na consideração do estado geral, a malha rodoviária tem falhas que colocam os motoristas em situações de risco.
Já os Estados com maior potencial de desenvolvimento ecnomômico, naturalmente, são os que abrigam as melhores estradas. Todas as dez ligações rodoviárias nacionais com boas avaliações passam por São Paulo e estão concedidas à inciativa privada.
A Pesquisa de Rodovias 2019 mostra o ranking de 109 ligações rodoviárias, e a pior avaliada é a de Natividade (TO)-Barreiras (BA), que inclui as rodovias BA-460, BR-242, TO-040 e TO-280. Essa ligação também foi a mais problemática em 2018.
“Temos a noção real da situação das rodovias do país, e, infelizmente, o cenário das vias está se degradando, inclusive o das pedagiadas. São cobrados valores que não refletem benefícios para os usuários. O que observamos é o excesso de radares e rodovias com ausência de sinalização adequada e pavimentação ruim”, analisa o presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Márcio Arantes.
Maior malha rodoviária
Minas Gerais tem 10.847 km de rodovias em estado geral de conservação péssimo, ruim ou regular. Esse número equivale a 70,6% dos 15.363 km percorridos pelos técnicos da CNT para a elaboração da pesquisa. Os outros 29,4%, correspondentes a 4.516 km, foram enquadrados como ótimos ou bons. Em relação ao restante do Brasil, o Estado é o que está em pior situação.
Houve uma piora considerável em relação ao ano passado, quando a quilometragem avaliada chegou a 15.236 km, apenas 127 km a menos, e os resultados apontaram que 61,3% do trecho, naquela época, era péssimo, ruim ou regular, contra 38,7% ótimo ou bom.
Quando avaliadas as condições específicas, a pior situação dentro do território mineiro se refere à geometria, que só é considerada ótima ou boa em 2.803 km, ou em 18,2% do total pesquisado no Estado. Mais de 12,5 mil km são tidos como péssimos, ruins ou regulares para esse critério, o que equivale a 81,8% do total avaliado.
Para o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Setcemg), Gladstone Lobato, a presença de viadutos e pontes mais estreitos do que a rodovia é um problema geométrico sério.
“É comum você encontrar uma estrada larga com pontes estreitas, o que cria um gargalo para a circulação e aumenta o risco de acidentes. Há também grande quantidade de curvas perigosas, que é outra característica analisada no fator geometria e que prejudica demais a circulação nas rodovias mineiras. Nossas estradas foram construídas com uma tecnologia de muitos anos atrás, quando não existia uma tecnologia para a eliminação de curvas. Hoje, isso já é possível, mas nós não temos grandes investimentos em novas construções de estradas aqui, no Estado. O governo coloca uma placa dizendo que a curva é perigosa em vez de eliminá-la”, exemplifica Lobato.
Entre os três tipos de condições verificados na área mineira, a sinalização pode ser considerada a menos pior, porque ela também tem a maioria das rodovias pesquisadas como péssima, ruim ou regular (com 9.057 km nesse enquadramento, ou 58,9%, enquanto outros 6.306 km foram vistos como ótimos ou bons, o equivalente a 41,1%).
Altos e baixos
A pesquisa da CNT mostra diferentes realidades dentro de Minas Gerais. Uma rodovia que sintetiza essa discrepância é a BR-381, que tem 474 km concedidos à iniciativa privada – entre Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, e a divisa com São Paulo –, e outros 310 km administrados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) – entre a capital mineira e Governador Valadares, no Vale do Rio Doce.
No primeiro caso, o corredor viário que liga as metrópoles mineira e paulista é considerado um dos melhores do Brasil. Segundo o diagnóstico, dos 28 corredores rodoviários avaliados em todo o país, a conexão BH-SP é tida como ótima. Já a ligação com Vitória (ES), que abrange o trecho mais crítico da BR-381 e ainda um segmento importante da BR-262, é considerada regular.
“A BR-381 é o retrato do Estado, que possui muitas rodovias deterioradas e poucas em condições adequadas para se transitar. É importante pontuar que as vias devem garantir segurança em todas as situações que os motoristas passam. Por exemplo, em Montes Claros [no Norte de Minas], a estrada tem boa trafegabilidade. Contudo, na serra, quando chove, o caminhão não traciona e desce esquiando. Essa é uma situação que precisa ser melhorada”, ressalta Márcio Arantes.
Investimentos
Para recuperar as rodovias que cortam o Estado com ações emergenciais, de manutenção e de reconstrução, a CNT estima que seriam necessários R$ 6,67 bilhões em investimentos. Em todo o Brasil, o montante calculado chega a R$ 38,6 bilhões.
Até setembro último, o governo federal havia executado R$ 4,78 bilhões dos R$ 6,20 bilhões autorizados para o país neste ano. Mantido esse ritmo, o valor tende a ser inferior ao total do ano passado (R$ 7,48 bilhões), com consequências indesejadas para a qualidade das rodovias.
Frente à lentidão de investimentos, o inspetor De Paula aponta a educação como um caminho para a segurança. “Ela deve ser complementar às políticas públicas de trânsito. Cabe a todos, mas, especialmente, aos motoristas a responsabilidade pela harmonia nas vias, afinal, não é só ter boas estradas, tem que ter também educação no trânsito”, conclui o instrutor.
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