Desastre urbano em BH

Queda de viaduto em uma das principais avenidas da capital mineira levanta discussão sobre as estruturas, sua manutenção e segurança

Capa / 30 de Julho de 2014 / 0 Comentários
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A Batalha dos Guararapes ficou conhecida por dois enfrentamentos decisivos entre as forças portuguesas e holandesas pelo controle de boa parte da região Nordeste do Brasil. Ocorridos em abril de 1648 e fevereiro de 1649, os dois confrontos foram responsáveis pelo fim da ocupação holandesa e a consolidação da soberania portuguesa na área. O nome dos dois episódios faz referência ao local onde ocorreram: o morro dos Guararapes, localizado na atual Jaboatão dos Guararapes, parte do Grande Recife.

Se no Nordeste do país foi palco de batalha, em Belo Horizonte o viaduto batizado com o mesmo nome também proporcionou um cenário trágico. No dia 3 de julho, parte de sua estrutura desabou sobre um micro-ônibus, dois caminhões e um carro. Hanna Cristina dos Santos e Charles Frederico Moreira do Nascimento perderam suas vidas e mais de 20 pessoas ficaram feridas.

O desabamento de parte do viaduto em obras, que ligaria a avenida Olímpio Mourão Filho à avenida Pedro I, no bairro São João Batista, região da Pampulha, aconteceu por volta das 15h. Construída em “Y”, com um viaduto de 40m de comprimento e mais dois ramais de 77,5m cada um, a estrutura tem peso estimado em 1,8 mil toneladas, o que exigiu inteligência e precisão na operação de retirada dos veículos impactados.

 

 “Vimos ruínas nas estacas. Em toda a minha trajetória profissional, nunca tive  conhecimento de um afundamento tão rápido. Foi uma situação atípica.”
 Frederico Correia Lima Coelho, presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações  e  Perícias de Engenharia de Minas Gerais (Ibape-MG) 

 

CAUSAS

Em um primeiro momento, a causa do desabamento na alça sul foi atribuída à retirada de algumas escoras, visto que o viaduto estava prestes a ser inaugurado para utilização. Especialistas chegaram a dizer que o peso de toda a estrutura estava distribuído entre escoras e, com a retirada, ficou todo direcionado para o pilar principal.

Contudo, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) da Prefeitura de Belo Horizonte afirmou que as escoras não exerciam mais nenhuma função, que já tinham sido retiradas e somente estavam encostadas.

Frederico Correia Lima Coelho, presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Minas Gerais (Ibape-MG), acompanhou desde o início o acidente e conta o que viu: “Vimos ruínas nas estacas. Em toda a minha trajetória profissional, nunca tive conhecimento de um afundamento tão rápido. Foi uma situação atípica”.

A prefeitura designou um comitê composto por técnicos da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura, da Defesa Civil, da Cowan empresa responsável pelas obras e da Consol  responsável pelo projeto. Essas instituições estão realizando um levantamento de todos os dados que envolvem o ocorrido, devem elaborar um diagnóstico das causas do acidente e definirão as providências que serão tomadas.

Esse comitê também acompanhará de perto o trabalho de perícia e elaboração de laudo técnico por parte das autoridades competentes, fornecendo inclusive todas as informações necessárias para o esclarecimento das causas.

REGIÃO CENTRAL DE BELO HORIZONTE E LOCALIZAÇÃO DOS VIADUTOS

TRABALHO MINUCIOSO

Após o acidente e resgate às vítimas, funcionários contratados pela empresa Cowan trabalharam na remoção dos restos do elevado e reparo do asfalto danificado. Também começaram os testes com a nova máquina usada para retirada dos escombros da alça sul do viaduto que desabou. O equipamento vai fatiar os 50 mda estrutura com um fio diamantado.

O gerente operacional da Defesa Civil de Belo Horizonte, coronel Waldir Figueiredo, disse em entrevista coletiva que, com o uso da tecnologia, a expectativa é de que haja menos impacto durante os trabalhos. Isso deve contribuir para a preservação da parte do viaduto que ainda deve ser periciada para apuraçãodas causas do desabamento.

O presidente do Ibape-MG, Frederico Coelho, compara o trabalho realizado com a técnica usada na arqueologia. “Concluída a remoção, será realizada a escavação e verificação do pilar que afundou na íntegra. Serão analisados a sondagem, a execução do projeto previsto e realizado, os materiais utilizados e conferência se eles atendem às condições normativas. O solo também é objeto importante de análise.”

Paralelamente, estão trabalhando em um novo projeto para o escoramento da outra parte do viaduto, que permanece de pé. Segundo o coronel Waldir Figueiredo, o objetivo é garantir mais segurança, por meio de mais pontos de escoramento na alça norte.

ALARDE

A queda de parte do viaduto inflamou a preocupação sobre a segurança dessas estruturas na capital. Logo após o acidente, foram divulgadas diversas informações e imagens de rachaduras, inclusive na alça norte do Batalha dos Guararapes.

Fotos mostraram o deslocamento de 7cm na alça remanescente do viaduto, e o Ibape realizou uma vistoria. Segundo a análise do instituto, o relatório de monitoramento periódico de movimentação da estrutura, que é realizado desde o dia do acidente, não aponta movimentação vertical em todas as leituras, o que significa que não houve recalque.

“Existe uma movimentação horizontal ocorrida pontualmente no dia do acidente, promovida pelo atrito da alça que ruiu, com deslocamento inferior a 10cm em apenas uma lateral da alça remanescente, na região do pilar P2”, explica Frederico.

Quanto à estrutura metálica da estação São Gabriel, os especialistas do Ibape observaram que as obras de instalação e montagem estavam concluídas e que, visualmente, “não foram observadas quaisquer patologias construtivas ou vícios aparentes (tais como ausência de elementos de fixação ou deformações) que pudessem sugerir risco de colapso”.

Os viadutos que compõem o complexo ao longo da avenida Pedro I estão sendo vistoriados, e as condições dos apartamentos próximos ao local da queda também são avaliadas.

PARTES DE UM VIADUTO​
COMO ESTÃO AS ESTRUTURAS?

Estudo realizado pelo Ibape, com base em vistoria técnica, retrata as atuais condições de segurança e conservação de seis importantes viadutos da capital mineira quanto à existência de não conformidades e carência de conservação. São eles: viadutos Santa Tereza, da Floresta, Pedro Aguinaldo Fulgêncio (Francisco Sales), da Lagoinha (parte do Complexo da Lagoinha), Helena Greco (antigo Castelo Branco) e Engenheiro Andrade Pinto (Barreiro).

Segundo o relatório, “a vistoria realizada nas obras de arte citadas e as respectivas conclusões desse estudo são embasadas em inspeção unicamente visual. Ressalta-se que podem haver vícios construtivos, patologias e outras condições mais ou menos graves que devem ser constatadas e sopesadas a partir de análises e testes laboratoriais”.

ESTRUTURA EXPOSTA NO VIADUTO CASTELO BRANCO​

Contudo, todos os elevados sofrem com a falta de manutenção, o que diminui a vida útil das estruturas e aumenta o custo de reformas. Uma possibilidade séria e perigosa: parte do concreto pode soltar e cair sobre pessoas e carros que estiverem embaixo.

Os viadutos Santa Tereza e Engenheiro Andrade Pinto apresentam a maior quantidade de tipos diferentes de anomalias. Como a obra do viaduto Santa Tereza foi iniciada, o viaduto a que se deve ter atenção especial é o do Barreiro.

O Helena Greco apresenta anomalias mais preocupantes relacionadas à drenagem e a contenções ao lado do passeio de acesso dos pedestres.

Os viadutos da Lagoinha apresentam um menor risco e as anomalias estão concentradas em dois dos viadutos que compõem o complexo. A solução não é onerosa, se comparada com os outros viadutos.

O viaduto da Floresta, embora seja antigo, apresenta em grande parte dos pilaretes dos guarda-corpos um desprendimento do cobrimento.

O Pedro A. Fulgêncio tem um menor número de anomalias diferentes, mas as que existem se apresentam de forma repetitiva em diversos pontos. Devido ao risco à saúde originado pelo desplacamento do cobrimento do lado externo do guarda-corpo e ao comprometimento do cobrimento e da armadura nas bases de praticamente todos os pilares, a manutenção/recuperação desse viaduto tem urgência similar ao do Barreiro.

Vista de trincas diversas na defesa do viaduto da Floresta, que com o tempo acarretará o desplacamento. Além do comprometimento da estrutura, poderá causar riscos aos transeuntes que passam debaixo desse ponto

CENÁRIO NACIONAL

Os viadutos de Belo Horizonte são amostra do cenário nacional. Pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) revela que 77,6% das pontes e viadutos de todo o país possuem problemas. Segundo a análise, os mais comuns são trechos sem acostamento ou sem muretas de proteção.

As pontes foram feitas nos anos 1940, 1950, 1960, numa época em que os veículos de carga eram muito mais leves. Atualmente, temos caminhões de 60, 70 toneladas, bitrens, treminhões, que consistem em três reboques articulados. À medida que esse peso integral entra na ponte, as antigas não têm estrutura para suportar esse peso.

ENTREVISTA

Acompanhe entrevista exclusiva do coordenador municipal de Defesa Civil de Belo Horizonte, coronel Alexandre Lucas Alves, sobre o status das atividades no viaduto Batalha dos Guararapes.

Entre-Vias: Por gentileza, apresente o trabalho que está sendo realizado pela Defesa Civil no viaduto.

AA: A instituição tem por objetivos a prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação dos desastres ocorridos na cidade. Como o desastre na avenida Pedro I já aconteceu, estamos coordenando as ações de resposta, com vista à prevenção de desastres secundários e assistência aos afetados pela tragédia.

EV: Quais são os objetivos desse trabalho?

A: O trabalho da Defesa Civil pós-desastres é sempre socorrer as pessoas afetadas, assisti-las em suas necessidades, evitar os desastres secundários e desenvolver ações para diminuir os prejuízos econômicos, sociais e ambientais decorrentes do fato. Além disso, deve garantir o trabalho da perícia da Polícia Civil, de modo a preservar as provas para identificação das causas e das responsabilidades.

EV: Que instituições são parceiras da Defesa Civil nessa atividade?

AA: Todos os órgãos da prefeitura constituem o Sistema Municipal de Defesa Civil. Assim, no âmbito da vocação de cada um, todos são chamados a colaborar nas ações de prevenção e resposta, quando necessário. Além disso, o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, a Polícia Militar de Minas Gerais, a Polícia Civil, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil são órgãos parceiros com grande atuação. A Associação Brasileira de Mecânica de Solos (ABMS), a Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (ABECE), o Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias (Ibape) são exemplo de entidades civis parceiras e que têm nos ajudado muito. A comunidade do entorno também tem sido parceira nas ações da Defesa Civil.

EV: Quais são os principais desafios?

AA: Garantir a segurança dos afetados sem impor-lhes mais prejuízos sociais, econômicos e ambientais. Esse é o maior desafio. Tomar decisões que assegurem a integridade de todos sem apelar para o conforto institucional que estabelece coeficientes de segurança exacerbados a ponto de retirar pessoas de suas casas, manter locais fechados etc.

EV: Qual a perspectiva de término?

AA: Não há previsão de término. Somente quando o cenário for restabelecido em sua normalidade é que termina o trabalho da Defesa Civil.


 

DOR E MOBILIZAÇÃO

Familiares e amigos da motorista Hanna Cristina dos Santos, uma das vítimas do desabamento do viaduto Batalha de Guararapes, realizaram uma manifestação no dia 9 de julho, após missa de sétimo dia em memória à motorista. O objetivo foi homenagear a jovem e protestar contra o acidente.

Com velas e balões brancos, cerca de 100 pessoas fizeram uma mobilização pacífica, mas marcada por dor e indignação. Os participantes rezaram no local.

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