Em 2014, o pé ficou no freio. E no próximo ano?

Na última edição do ano, Entre-Vias convida especialistas e representantes do transporte rodoviário de cargas a apresentarem o balanço do setor e perspectivas para 2015

Capa / 14 de Janeiro de 2015 / 0 Comentários
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Estagnação. Palavra praticamente unâ-nime entre os convidados que parti­ciparam desta reportagem para de­finir as atividades deste ano do transporte rodoviário de cargas no país. A percepção de especialistas e representantes do setor é de que 2014 não apresentou crescimento.

Essa também é a impressão de em­presários. O resultado da Sondagem Ex­pectativas Econômicas do Transportador 2014 (Fase 2) – levantamento realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) – indica que 81,4% dos empresários não acreditam no aumento da taxa de cres­cimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil neste ano. Para 72,1%, haverá au­mento da inflação e 67,1% revelaram que o grau de confiança na gestão econômica do governo é baixo. Na primeira Sondagem de 2014, esses índices foram de 70,9%, 63,2% e 52,3%, respectivamente.

Neste fim de ano, 72,8% dos respon­dentes não pretendem adquirir mais veícu­los, embarcações ou material rodante. Esse percentual elevado pode estar relacionado ao fato de que, para 61,6%, a taxa de juros aumentará em 2015, o que significa eleva­ção do custo do financiamento.

“Vivemos turbulências dramáticas neste ano. A incerteza nas áreas política e econô­mica fez com que os resultados não supe­rassem as expectativas. O Brasil tem con­dições de se destacar bem mais no cenário mundial. Contudo, ainda continuamos a en­frentar problemas estruturais que deveriam ter sido resolvidos", analisa Carlos Roesel, presidente do Sindicato dos Cegonheiros do Estado de Minas Gerais (Sintrauto).

Marcio Arantes, presidente da Associa­ção Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, concorda e conta que, neste ano, ob­servou principalmente a elevação da taxa de juros: “Vivemos neste ano momentos de oscilação. Devido à incerteza, o mercado se comportou de forma apreensiva e, conse­quentemente, os empréstimos ficaram mais custosos, pois o risco torna-se maior. Nesse sentido, o transportador fica receoso em renovar a frota com alto valor e com depre­ciação do veículo elevada”.

Para o diretor executivo da CNT, Bru­no Barreto, houve uma grande perda do dinamismo no mercado, e o principal fator foi a política econômica governamental, que não proveu soluções para o setor. “A postura dos transportadores, apresentada na Sondagem, condiz com o menor ritmo de negócios em consequência da situação econômica atual. Nesse sentido, os empre­sários têm percepção do baixo crescimento neste ano”, analisa

O presidente do Sindicato das Empre­sas de Transportes de Cargas do Estado de Minas Gerais (Setcemg), Sérgio Pedrosa, corrobora e pontua que, seguindo a eco­nomia nacional, este ano para o transporte rodoviário de carga foi de crescimento zero ou negativo. Em sua avaliação, por causa da demanda e dos fretes baixos, muitas empresas estão optando por sair do mer­cado ou por diminuir sua operação, redu­zindo a frota.

“O ano de 2014 não foi muito posi­tivo para nenhum dos setores, porque a economia está estagnada. Especificamente falando do transporte rodoviário de cargas, a situação também não está boa. Enfren­tamos um ano difícil, parado, por conta de eventos como a Copa do Mundo e eleições, que, somados aos problemas enfrentados diariamente, como falta de infraestrutura, roubo de cargas, remuneração baixa do frete e falta de motoristas, fizeram deste um ano ainda mais complicado”, avalia o presidente da NTC&Logística, José Hélio Fernandes.

DIAGNÓSTICO
Esta é a sexta edição da Sondagem Expectativas Econômicas do Transportador, realizada pela CNT. Em 2014, a primeira etapa foi em março. Na Fase 2, as entrevistas foram feitas de 7 a 24 de outubro, com 445 empresários dos modais rodoviário (cargas e passageiros), aquaviário (marítimo e navegação interior) e ferroviário (cargas). O documento visa analisar a conjuntura econômica e auxiliar na definição de estratégias futuras e os próprios empresários em seus planejamentos para o ano seguinte.

INFRAESTRUTURA

Algumas adversidades enfrentadas em 2014 não são exclusivas deste ano, e infraestrutura é uma delas. Ainda o Brasil não avançou nesse quesito que é fundamental para o desenvolvimento do transporte. “Estrutura adequada é um problema que se arrasta há muitos anos e está localizado. Diversos mapeamentos mostram as estradas em piores condições e nada é feito, e uma malha rodoviária deficitária é extremamente prejudicial ao transporte”, critica o presidente da Fede­ração Nacional das Associações de Ca­minhoneiros e Transportadores (Fenacat), Luiz Carlos Neves.

A Sondagem revelou que, quando ques­tionados sobre o investimento público em infraestrutura de transporte, o percentual é pessimista entre os transportadores: so­mente 16,4% acreditam em ampliação dos dispêndios em obras. Esse resultado segue a tendência de redução da expectativa de in­vestimentos voltados para o setor observada no levantamento desde março de 2012.

“Dadas as expectativas cautelosas em relação aos investimentos a serem apli­cados na infraestrutura de transporte, é

razoável que os empresários dos segmen­tos rodoviários não esperem melhorias relevantes nas infraestruturas utilizadas na prestação do serviço. Somente 21% dos transportadores apostam em melho­rias, enquanto 52,9% deles acreditam em manutenção e 14% aguardam uma piora nas condições das rodovias”, demonstra a Sondagem 2014 (Fase 2).

Para Sérgio Pedrosa, a infraestrutura não teve melhora, mas o setor tem espe­rança de que as prometidas obras da BR-040 e outras no Triângulo Mineiro saiam do papel por meio de recursos das parce­rias público-privadas. “Os maiores anseios do setor, como a duplicação da BR-381, a implantação do Rodoanel e a revitalização anel, não têm perspectivas.”

Segundo dados do sistema Siga Bra­sil, em 2014, o governo federal autorizou R$ 17,72 bilhões para investimento em infraestrutura de transporte, dos quais R$ 10,92 bilhões, o equivalente a 61,6%, já haviam sido pagos até o final de setem­bro. Contudo, 91,2% dos transportadores entrevistados pela Sondagem afirmam des­conhecer o montante do valor autorizado para investimento neste ano.

Ainda que os recursos disponibilizados para intervenções em infraestrutura tenham apresentado um aumento de 15,11% em relação aos R$ 15,39 bilhões autorizados em 2013, 61,8% dos transportadores não acreditam que sejam suficientes para solu­cionar os problemas de logística no Brasil. O volume destinado a investimento encon­tra-se aquémdo que o setor avalia como necessário para adequar a infraestrutura às demandas do país.

“O Brasil não priorizou as estradas, como também não deu preferência à in­fraestrutura como um todo. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que o país tem um déficit de investimento nas rodovias federais que ultrapassa os R$ 180 bilhões. O principal problema desse cenário são os entraves logísticos que agravam o que chamamos de Custo Brasil. Por conta dos problemas de infraestrutura e das altas taxas de ju­ros, por exemplo, um pneu vendido no Brasil chega a custar até 130% mais do que nos Estados Unidos. O transportador precisa, ao determinar o valor do frete, se

remunerar pelos danos ao caminhão, cau­sados pelas más condições das estradas, o que encarece o valor cobrado e muitas vezes não é feito”, contextualiza o presi­dente da NTC&Logística.

MOBILIDADE

Se a infraestrutura não avançou, consequentemente a mobilidade ficou prejudicada. No caso de transporte de cargas, especificamente, as restrições à circulação de caminhões nas grandes cidades, lo­comoção, entre outras, são desafios fre­quentes e causam uma grande perda de

produtividade. “Isso é um problema sério que as empresas de transporte vêm en­frentando. Para se ter uma ideia de como é grave essa situação, veja o caso de um veículo de coleta e entrega que atua em uma cidade como São Paulo ou Rio de Janeiro. Há 10 ou 15 anos, ele conseguia executar, em um dia, por volta de 40 co­letas e entregas, hoje, esse mesmo veículo faz em média 16, resultado do aumen­to do tráfego nos grandes centros e das restrições impostas pelo poder público à circulação dos caminhões”, compara José Hélio Fernandes.

De acordo com a pesquisa realizada pela NTC&Logística, mais de 100 muni­cípios brasileiros possuem algum tipo de restrição, entre eles, capitais como: São Paulo, São Luiz, Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, Natal, Manaus, Ma­ceió, Macapá, Goiânia, Fortaleza, Florianó­polis, Curitiba, Cuiabá, Campo Grande, Boa Vista, Belo Horizonte, Belém e Aracaju. As principais medidas adotadas são: áreas ou vias de restrição de circulação e de carga e descarga; horários de restrição de circu­lação/carga e descarga; rodízio de placas, tamanho e peso dos veículos e impacto sobre os custos.

O presidente do Setcemg ressalta que é preciso incluir a circulação de pessoas e o transporte de carga, além da implanta­ção de modais que favoreçam a utilização do transporte público e coletivo quando a mobilidade urbana é analisada. “Por isso,o planejamento logístico é um fator impor­tante na construção de planos de mobili­dade inteligentes. O problema é que faltam recursos, iniciativa política e conhecimento técnico para que os municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem até 2015 projetos para se adequarem às diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012 ).”

SEGURANÇA

Outra diretriz deficitária – na visão dos entrevistados – para a atividade de trans­porte é a ausência de segurança. Além da vulnerabilidade dos motoristas por causa da infraestrutura inadequada, sinalização pre­cária e políticas de restrição de circulação, são vítimas potenciais da violência retratada por meio de furtos e roubos de cargas. Junto ao aumento do número de crimes, as quadri­lhas estão cada vez mais profissionalizadas, e as políticas públicas em torno da preven­ção e do combate precisam acompanhar o dinamismo dessa atividade.

O setor vem trabalhando na questão da legislação para combater problemas como roubo de cargas. São Paulo, Goiás e Paraná lançaram lei que pune o receptador e é pro­vável que outros Estados estruturem suas próprias leis a esse respeito. Mais uma importante conquista deste ano foi finalmente a regulamentação fede­ral da fiscalização das atividades dos des­manches pelo Senado. O Projeto de Lei 23, de 2011, criou regras para o funcionamen­to das empresas de desmontagem de veí­culos e ajudou a coibir crimes como furto e roubo de motos, carros e caminhões. Neste ano, foram fechados 400 desmanches e 1000 postos de gasolina.

Ainda não há dados fechados deste ano quanto ao roubo de cargas. Contu­do, segundo o Departamento de Segu­rança da NTC&Logística, 2013 registrou em todo o país 15,2 mil ocorrências nas rodovias brasileiras, o que acarretou um prejuízo de R$1 bilhão.

O PESO DA CARGA TRIBUTÁRIA

A tributação do setor transporte tam­bém apresenta impacto expressivo na sus­tentabilidade financeira das empresas. As políticas governamentais deste ano reduzi­ram alíquotas de alguns impostos e regula­mentaram outros, como a desoneração da folha de pagamento (Ver matéria na pági­na 38). Em relação aos tributos em Minas Gerais, as contribuições foram mantidas em 2014 nos patamares do ano passado sem onerar mais o setor.

Porém, outros Estados brasileiros não apresentaram esse comportamento, o que dá margem para a retomada de novas diretrizes fiscais diante da necessidade de ajuste fiscal na economia brasileira. Esse cenário se torna um fator de risco para a gestão das empre­sas. De acordo com a Sondagem 2014 (Fase 2), para 83,4% das transportadores, a carga tributária tem um impacto elevado em sua atividade, influenciando a determinação dos valores de prestação do serviço de transporte.

Além do peso da carga tributária, José Geraldo de Farias, presidente da Cooperati­va dos Transportadores de Automóveis e de Consumo do Estado de Minas Gerais (Coo­percemg), enfatiza a falta de transparência na aplicação dos recursos: “O impacto dos impostos na gestão do transporte é assus­tador e não sabemos seu destino, pois não temos infraestrutura adequada e seguran­ça. É um absurdo!”.

AÇÕES EMERGENCIAIS

Foram apontadas pelos empresários como prioritárias a redução da carga tribu­tária (37,1%), as melhorias na qualidade das rodovias (31,2%) e a desoneração do combustível (15,9%). Além disso, 83,4% afirmaram ter dificuldades na contratação de mão de obra, em razão da escassez de profissionais qualificados (67,5%) e dos elevados encargos sociais (40,9%).

A renovação da frota também é um desafio imposto. “A prorrogação dos im­postos para a compra de caminhões incen­tivou, mas a economia precisa voltar a an­dar para estimular os negócios. Além disso, quando se adquire um novo, o veículo anti­go é revendido para transportadoras meno­res ou autônomas, por isso, é difícil renovar totalmente a frota em curto ou médio pra zo. Tendo em vista esse cenário, o ideal é um projeto real de renovação de frota, em que o caminhão antigo seja encaminhado à reciclagem, assim não estaremos colo­cando mais caminhões nas estradas, mas substituindo os antigos, que hoje no Brasil chegam a ter mais de 30 anos”, analisa o presidente da NTC&Logística.

O diretor executivo da CNT acredita que uma nova proposta de renovação da frota apresentada por um grupo de traba­lho ao Governo Federal será mais viável. “Mostramos uma sugestão mais lapidada e tivemos o retorno positivo. Aguardamos a formalização para implementação de uma política mais ampla. Também será uma oportunidade para reestruturação geren­cial, visando otimizar e oferecer eficiência na alocação de recursos públicos. Isso é ne­cessário para trazer confiança ao setor de transporte”, contextualiza Bruno Barreto.

MUDANÇAS ESTRUTURAIS

Dados e percepções dos entrevistados mostram que o transportador está pessi­mista com o futuro econômico do país, de­sacreditado no que se refere ao aumento do crescimento e à solução para a infraes­trutura do transporte nos próximos anos.

Para 2015, o presidente da NTC&Logística prevê, no plano macro, um ano difícil, pois são necessárias medidas corretivas. Contudo, es­pera que, a partir do segundo semestre, a eco­nomia retome um nível de crescimento maior e, consequentemente, o segmento de trans­porte também tenha condições de melhorar.

“Neste ano, enfrentamos a estagnação. Para o próximo, esperamos começar com boas notícias, como a regularização das associações – por meio da aprovação do Projeto de Lei 356/12 – e a implementação de uma bancada específica no Legislativo Nacional para tratar assuntos específicos do transporte”, planeja o presidente da Fenacat.

O presidente do Setcemg se diz ansioso pela revisão da Lei 12.619/2012 (Descanso do Motorista). “Esperamos que essa maté­ria retorne à pauta no Congresso Nacional tão logo o impasse por causa das questões fiscais e do orçamento seja resolvido. A revisão dessa lei é necessária, pois ajudará na sua aplicação, conciliando o ponto de vista legal e o operacional.”

Ainda sobre a regularização dessa legislação, o deputado federal Nelson Marquezelli (PTB/ SP) espera que a lei seja votada com as devidas modificações ainda este ano. “Se aprovarmos este projeto, teremos um direcionamento mais adequado da profissão e do setor de transporte.”

Outra situação apresentada por José Geraldo de Farias é garantia das condições para implementação da lei. Ele ressalta que os motoristas para realizarem o devido descanso precisam de locais confortáveis, higienizados e seguros. “Os legisladores devem ter em mente que, ao sugerirem uma lei, é necessário pensar em sua viabilidade.”

PERSPECTIVAS RENOVADAS

Os desafios não retiram o otimismo do presidente da Associação de Prevenção de Acidentes e de Assistência aos Amigos e Cooperados da Coopercemg (Apacoop), Rogério Batista do Carmo. “O ano de 2014 foi atípico, pois estávamos em ritmo de crescimento. Vivemos uma estagnação, mas acredito que o próximo será melhor. Os governantes têm a responsabilidade de incentivar o desenvolvimento e de oferecer condições para o transporte rodoviário de cargas exercer seu importante papel na economia.”

Jesus Gontijo de Andrade, presidente da Associação de Proteção e Ajuda ao Colega (Apac) Norte, reforça a responsabilidade de todos na construção de um novo ano com melhores resultados. Para ele, “cada um deve fazer a sua parte: os governantes implementarem condições adequadas para as atividades do transporte e os legisladores serem mais sensíveis com o setor. Os transportado­res estão acostumados a trabalharem muito e esperamos um novo ano melhor.”

Neste ano, Carlos Roesel destaca assuntos como a Lei do Motorista, que trouxeram incerteza para os transportadores. Ele avalia que o trabalho em torno dessa legislação foi positivo e que sua alteração será brevemente votada. “Apesar de tudo, não podemos viver em uma perspectiva pessimista. Trabalhamos com risco. Se formos negativos, não saímos do lugar. Contudo, recai sobre o transportador uma carga tributária excessiva. Além disso, colocamos nossos equipamentos em estradas em péssimas condições. Tudo vai se juntando para que nosso trabalho fique mais comprometido. Mas a luta continua e o trabalho conjunto é a essência para fazer a diferença. Como representante do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais, tenho um longo trabalho pela frente. Acredito que ótimas mudanças estão por vir.”

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