ESG: sigla que vai revolucionar o transporte

Atuar com sustentabilidade, em todas as suas dimensões, é um caminho sem volta e que traz benefícios para os negócios, a sociedade e o meio ambiente

Capa / 26 de Agosto de 2022 / 0 Comentários
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Mais do que uma sigla que está na moda, ESG é uma nova e urgente forma de gerenciar as organizações. A sigla vem do inglês Environmental (Ambiental, E), Social (Social, S) e Governance (Governança, G) e se refere às práticas da empresa ou entidade voltadas à sustentabilidade, mas de forma mais ampla. E, sim, as ações por trás da sigla impactam diretamente as empresas do transporte rodoviário de carga.

O termo ESG surgiu em 2004, em um relatório feito pelo Pacto Global, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) que tem o objetivo de engajar empresas e organizações na adoção de princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção. Nesse documento, foi solicitado um esforço por parte da ONU para que organizações integrem os fatores sociais, ambientais e de gestão/governança. Nesse contexto, ESG se relaciona com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) – agenda também da ONU – que convoca todas as nações para solucionar 17 desafios macroestratégicos até 2030.

Nesta reportagem especial, escutamos especialistas e representantes do setor de transporte e trazemos conteúdo com o objetivo de fomentar essa pauta nas transportadoras para a implantação de ações efetivas com segurança jurídica e institucional.

 

Um bom negócio

Segundo uma pesquisa feita em 2017, pela consultoria The Boston Consulting Group (BCG), empresas com desempenho superior em áreas ambientais, sociais e de governança (ESG) apresentam margens de valorização mais altas do que as que não se preocupam muito em incorporar questões ESG em seus negócios.

Outra pesquisa realizada pelo Global Network of Direct Institutes (GNDI) revela que 85% dos quase 2.000 conselheiros consultados acreditam que, no longo prazo, o foco será maior  em questões ESG, de sustentabilidade e de geração de valor para as partes interessadas (os chamados stakeholders).

“ESG não é abraçar árvore. É uma política organizacional que visa mitigar impactos da operação da empresa e aproveitar as oportunidades. Os investidores têm pedido a aplicação de ações em ESG porque geram valor para a empresa: começa a ser percebida pelos clientes, pela sociedade e pelos bancos e agências internacionais por suas atividades socioambientais. A imagem/marca de uma empresa é um ativo, e ter seu nome atrelado à pauta ESG é uma vantagem competitiva”, afirma Lincoln Camarini, head de research da Resultante: empresa que atua nas áreas de consultoria, treinamento e risco ambiental.

Lucca Barros, head de marketing e novos negócios do Grupo Ambiensys – que trabalha com minimização de impactos socioambientais – enfatiza que o mercado financeiro está atento à pauta ESG. “Atualmente, as linhas de crédito para organizações que trabalham com essa questão são diferenciadas, não tenha dúvidas. Antes, as frentes em sustentabilidade eram trabalhadas separadamente, e a agenda ESG traz a centralidade e a integração. A galera do dinheiro percebeu o valor dessa pauta e está disposta a investir”, diz ele.

Além disso, a implementação de ações em ESG gera impactos diretos na gestão administrativo-financeira, pois o investimento em energia limpa, eficiência de recursos e mitigação de riscos (trabalhistas, operacionais e de imagem) otimiza os custos e beneficia o resultado final.

ESG no TRC

Walter Rocha de Cerqueira, assessor jurídico ambiental da Federação das Empresas de Transporte de Carga de Minas Gerais (Fetcemg) e do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de Minas Gerais (Setcemg), observa a sensibilidade das empresas de transporte para a implementação de ações em ESG. “Isso é um reflexo do que acontece em diversos ramos econômicos e um caminho para as adversidades do transporte rodoviário de cargas. O setor trabalha com pressão sobre o frete, lucratividade e eficiência, tendo que atuar com infraestrutura rodoviária precária e alto custo operacional. Então, a sustentabilidade passa a ser um diferencial competitivo percebido pelos clientes e pela sociedade”, salienta.

Outro ponto é a capacidade que o transporte rodoviário de cargas tem de incentivar sua cadeia, gerando um círculo virtuoso. Lauro Marins, head of ESG Consulting & Climate Change da Resultante, diz que é a oportunidade para integrar todos os atores. “Por exemplo, a logística em centros urbanos é um desafio. Assim, é possível envolver bikes. Do outro lado, grandes empresas exigem que as transportadoras tenham práticas de ESG para fazerem parte de seu portfólio de entregadores”, exemplifica.

Na prática

Fácil de falar, difícil de fazer? Não! Com planejamento e patrocínio da alta direção das empresas do transporte, é viável e possível ter uma jornada ESG, segundo os especialistas ouvidos pela Entrevias. “O primeiro e mais importante ponto é o comprometimento da diretoria. Depois, é estruturar um projeto, que começa com o diagnóstico de riscos e oportunidades nas áreas ambiental, social e de governança. Muitas transportadoras têm ações nessas frentes, e a agenda ESG é um meio para integrá-las. Contudo, é essencial que tenham fundamento e propósito e que façam sentido para a rede de relacionamento da empresa e onde ela impacta. Não adianta desenvolver iniciativas desconectadas com o negócio, bem como ficar somente em discurso e fazer propaganda enganosa. Chamamos isso de greenwashing: é maquiar, criar uma falsa aparência em sustentabilidade”, explica Lucca Barros, do Grupo Ambiensys.

Outro ponto é entender que não existe receita de bolo. Cada transportadora é um cenário, que tem sua cultura, suas prioridades organizacionais, e tudo isso precisa ser levado em conta. Assim, o primeiro passo é realizar um diagnóstico da empresa, por meio de estudo do negócio e conversa com funcionários de todas as áreas, para entender os riscos e as oportunidades.

Há 13 anos, a Patrus Transportes se preocupa em trabalhar com os princípios de inclusão social, preservação ambiental e respeito com seus colaboradores. “Tinha um comitê, na época, que discutia e definia ações a serem implementadas a partir dessas diretrizes. Em 2018, foi formalizado o setor de sustentabilidade, e, desde então, a agenda ESG é guia nos negócios”, explica Vinícius Morreli Braga, gerente de Sesmt, ESG e Farma da transportadora.

Frente ambiental

Nesse pilar, devem ser implementadas práticas da empresa ou entidade voltadas ao meio ambiente. Entram aqui temas como aquecimento global; emissão de gases poluentes, entre eles o carbono e o metano; poluição do ar e da água; desmatamento; gestão de resíduos; eficiência energética; biodiversidade, entre outros.

Em transportadoras, por exemplo, o monitoramento da emissão de gás carbônico e um plano de neutralização são algumas das ações. Veículos elétricos ou que utilizam biocombustível também podem ser ações implementadas. E tem mais: uso de energia fotovoltaica, gestão de resíduos, estímulo para abastecer com GNV.

“Temos todas essas ações e também realizamos o reuso da água para lavar, de forma ecológica, os caminhões, por meio da captação da chuva. Internamente, são realizadas ainda campanhas para o uso consciente desse recurso. No caso da gestão de resíduos, 100% têm a destinação adequada, 80% são reciclados, e uma parte (medicamentos), incinerada, a pedido das indústrias farmacêuticas, para se evitar qualquer contratempo. Fazemos ainda o monitoramento da emissão de gás carbônico em tempo real e estabelecemos metas para neutralização”, conta Vinícius.

As ações ambientais da Patrus, segundo o gestor, estão alinhadas ao negócio e ao propósito da empresa, dialogando com seu cenário de atuação. Dá para perceber, por exemplo, que o investimento maciço em uma frota de caminhões elétricos neste momento não faz sentido, visto que o Brasil não conta com postos de abastecimento (eletropostos) em rodovias, fato que impede o exercício da atividade transportadora.

 

Frente Social

A responsabilidade das transportadoras com seus funcionários e com a comunidade está contemplada na frente “S”. Essencialmente, refere-se a temas como respeito aos direitos humanos e às leis trabalhistas; segurança do trabalho; salário justo; diversidade de gênero, raça, etnia, credo etc.; proteção de dados e privacidade; satisfação dos clientes; investimento social; e relacionamento com a sociedade.

“É o braço social da empresa. Esclarecendo que não é filantropia. Devem ser ações que promovam impacto na vida das pessoas, sejam colaboradores ou representantes da sociedade. Observo que muitas transportadoras têm papel fundamental em catástrofes naturais, por meio do transporte de insumos; realizam campanha para evitar a violência sexual contra crianças e adolescentes em estradas, bem como estimulam o trabalho voluntário em seus funcionários”, contextualiza Lucca.

Segundo o especialista, além de permitir que haja um ambiente interno que incentive o bem ao próximo, é fundamental realizar capacitações e formações para o trabalho e para a vida e praticar políticas justas de gestão de pessoas.

 

Frente Governança

É a última, mas não menos importante. Sem o “G”, não têm o “E” nem o “S”, pois tudo começa a partir do momento em que a empresa, incentivada e praticada pela alta direção, tem uma conduta corporativa transparente, com práticas anticorrupção e canais de ouvidoria (preferencialmente externos, para oferecer isenção e segurança institucional aos colaboradores).

Também compõem essa frente a realização de auditorias internas e externas, o respeito aos direitos de consumidores, fornecedores e investidores e uma estrutura de governança que conte com membros independentes.

“A boa governança atrai investidores. Por isso, é fundamental mostrar de forma transparente e responsável para o mercado os números da empresa e suas práticas de gestão, bem como ter compliance (conjunto de regras corporativas que precisam estar em conformidade)”, pontua o assessor jurídico ambiental Walter Cerqueira.

 

Ajuda especializada

Atualmente, diversas instituições especializadas em ESG e do setor de transporte rodoviário de cargas (como Fetcemg, Setcemg e CNT) oferecem cursos e formações para ajudar as empresas nessas mudanças. Também há iniciativas para auditar as ações feitas na pauta ESG. São certificações, selos, prêmios e até a Bolsa de Valores, que conta com uma frente específica para sustentabilidade.

O importante, de acordo com todas as fontes ouvidas nesta reportagem, é ter um planejamento e priorizar as ações. Normalmente, segundo os especialistas, as instituições que começam com diversas frentes tendem a perder o foco e o controle das atividades.

Também existem caminhos mais simples para introduzir a agenda ESG nas transportadoras. Realizar o inventário de emissões de gases de efeito estufa e utilizar a tecnologia são boas ações iniciais. A organização do terceiro setor Iniciativa Verde tem uma “Calculadora de CO2” disponível em seu site: https://www.iniciativaverde.org.br/calculadora. Outra ferramenta é a http://www.neutralizecarbono.com.br/calculadoradecarbono/, que calcula a “pegada de carbono”, ou seja, a emissão de gases de efeito estufa. Refere-se ao rastro deixado pela atividade.

Essas informações facilitam o inventário de emissões e, assim, podem contribuir para a elaboração de um plano pra neutralizar as pegadas de carbono.

 

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