IA: aliada 
ou vilã?

Inteligência artificial chega com tudo ao transporte rodoviário de cargas sob a promessa de garantir eficiência e otimização de recursos. Mas vale a pena frente aos riscos?

Capa / 03 de Maio de 2024 / 0 Comentários

“No cenário atual, em que a eficiência e a otimização são essenciais para a competitividade, o setor de transporte rodoviário de cargas está se voltando cada vez mais para a inteligência artificial (IA) pra impulsionar sua eficácia operacional.

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“No cenário atual, em que a eficiência e a otimização são essenciais para a competitividade, o setor de transporte rodoviário de cargas está se voltando cada vez mais para a inteligência artificial (IA) pra impulsionar sua eficácia operacional. Com algoritmos avançados e análise de dados em tempo real, a IA está transformando fundamentalmente a maneira como as empresas gerenciam e executam suas operações logísticas. Um dos principais benefícios da IA no transporte rodoviário de cargas é a capacidade de realizar roteirização inteligente. Sistemas de IA podem analisar uma infinidade de variáveis, como condições climáticas, tráfego, restrições de peso e tamanho das cargas, para determinar as rotas mais eficientes. Isso não apenas reduz os tempos de viagem, mas também economiza combustível e diminui os custos operacionais”. A análise é da própria OpenAI, empresa responsável pelo ChaptGPT e pela popularização do uso da IA no mundo.

Como o tema desta reportagem é a aplicação da inteligência artificial no transporte rodoviário de cargas, acessamos uma das principais plataformas disponíveis para “elaborar” um texto sobre o uso da IA nesse setor. Parte da formulação do conteúdo apresentado no começo desta reportagem é uma das inúmeras aplicações da inteligência artificial na atualidade, e, no transporte rodoviário de cargas, não é diferente.

No caso da produção do texto, a linguagem desenvolvida pela OpenAI usa uma arquitetura de algoritmos de rede neural para gerar respostas a perguntas feitas por usuários, permitindo estabelecer uma conversa a partir do processamento de um imenso volume de dados. Aplicada ao transporte, a inteligência artificial pode desenvolver diversas funções mantendo os mesmos princípios: muita informação e refletindo suas percepções sobre o comportamento do usuário.

“O uso da inteligência artificial no setor de transporte rodoviário de cargas tem crescido consideravelmente devido à disponibilidade crescente de soluções e à redução dos custos de investimento associados à implementação de tecnologias de IA.ÊO impacto das aplicações nas empresas de transporte rodoviário de cargas é significativo em várias frentes. Além da redução de custos operacionais, a implementação eficaz resulta em uma considerável economia de tempo e recursos”, analisa o especialista em tecnologia e logística Cristian Grando, “apaixonado por inovação”, como se apresenta.

Ele cita como exemplo a automação de tarefas repetitivas e operacionais, permitindo que os colaboradores se concentrem em atividades mais estratégicas e de maior valor agregado. “Isso pode levar a uma redução no número de pessoas necessárias para executar certas tarefas, mas também pode resultar em uma força de trabalho mais qualificada e produtiva, capaz de lidar com desafios mais complexos e oferecer um serviço de maior qualidade aos clientes”, afirmou Cristian.

Outra vantagem se refere ao fornecimento de dados e insights em tempo real que podem prevenir problemas e melhorar a qualidade do serviço. O especialista explica que, ao analisar continuamente os dados operacionais, a IA pode identificar padrões e tendências que indicam possíveis falhas antes que elas ocorram.
No dia a dia
Cristian Grando apresenta diversas áreas em que as soluções podem ser aplicadas no setor. Na logística, a IA é utilizada para previsões de demanda, dimensionamento, roteirização e otimização de rotas, além da gestão antecipada de estoques para minimizar atrasos e custos de armazenagem.

Além do transporte em si, a IA também está desempenhando um papel crucial na gestão de inventário e armazenagem. Algoritmos de previsão analisam padrões de demanda, sazonalidade e outros fatores para otimizar os níveis de estoque e a alocação de espaço de armazenagem, garantindo que as mercadorias certas estejam nos lugares certos no momento certo.

Na gestão de frota, pode ser empregada no monitoramento em tempo real de veículos e atividades, na análise de desempenho de carros e caminhões e também dos motoristas, além da previsão de entregas atualizadas para melhorar a eficiência operacional.

No atendimento ao cliente, assistentes virtuais e sistemas de chatbot são usados para fornecer suporte automatizado e rastreamento de mercadorias, melhorando a experiência do cliente e reduzindo a carga de trabalho do pessoal de atendimento.
Como a manutenção de veículos é uma parte crítica da gestão de frotas, a IA permite a prevenção de danos. Sensores instalados nos veículos são capazes de coletar dados em tempo real sobre o desempenho dos componentes, permitindo que algoritmos preditivos identifiquem potenciais falhas antes mesmo que ocorram. Isso não apenas reduz o tempo de inatividade dos veículos, mas também evita interrupções nas entregas de carga.

Segurança
A instalação de câmeras com IA nas cabines dos caminhões também é uma realidade. Monitorado 24 horas por uma central integrada, o sistema acompanha o comportamento do motorista e o auxilia com alertas sonoros ao detectar eventuais sinais de cansaço, sonolência e quaisquer outros desvios de atenção. Em casos de fadiga mais forte, motoristas são orientados por especialistas a pararem o caminhão em local seguro para descansarem. O sistema também identifica uso de celulares ao dirigir, frenagens bruscas e distrações Ð comportamentos que podem comprometer a segurança nas estradas.

Uma transportadora que implementou as câmeras e iniciou a utilização de IA em 2020, quando possuía 158 veículos na frota, observou redução de 22% no número de acidentes após três anos de uso em mais de 300 veículos da empresa.
Além de auxiliar os motoristas, a inteligência artificial está sendo usada para combater o roubo de carga por meio da identificação de infiltrantes nas transportadoras Ð uma das táticas das quadrilhas Ð que buscam entrar nos sistemas, acompanhar os fretes e participar dessas contratações. A IA consegue cruzar informações e identificar perfis suspeitos.

Faca de dois gumes
Se a IA colabora para a segurança, ela também expõe riscos do mundo cibernético. Exposição de dados e potenciais impactos no trabalho, como redução de pessoal, questões éticas e direitos autorais, são alguns dos principais pontos a serem verificados para que não se torne vilã.

“Para garantir que a IA seja uma aliada, e não uma vilã no setor de transporte rodoviário de cargas, é essencial implementar políticas e regulamentações adequadas que assegurem a transparência, a ética e a responsabilidade no uso dessas tecnologias e dos dados. Além disso, investir em treinamento e capacitação para os profissionais do setor, garantindo que eles compreendam e saibam como utilizar essas ferramentas de forma segura e eficaz, é fundamental”, considera o presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto/MG), Carlos Roesel.

Nesse sentido, tramita atualmente no Senado o Projeto de Lei 2.338/2023, que regula o uso da inteligência artificial no Brasil. Com previsão de votação no próximo mês, a regulamentação é esperada à medida que a tecnologia vem avançando, o que impõe uma necessidade de supervisão humana em aplicações de risco e transparência para o usuário final.

“A proteção dos dados pessoais é uma das principais preocupações da regulamentação. Disposições como o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais, a não discriminação com base em dados sensíveis e a categorização do risco de sistemas de IA baseados em dados pessoais refletem a importância de alinhar a regulamentação com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”, enfatiza o especialista em IA e Cibersegurança, Gabriel Pancia.

Para ele, a rápida evolução exige uma legislação flexível, que priorize a prevenção de danos e não se torne obsoleta rapidamente.ÊÊ“A IA é uma ferramenta neutra, mas sua regulamentação excessiva pode retardar avanços importantes e dificultar a pesquisa contra aplicações danosas. A proposta brasileira parece adotar medidas equilibradas, que não comprometem significativamente a capacidade de inovação do setor privado. Embora não seja possível uma comparação direta com outras legislações internacionais, a regulamentação no Brasil parece estar alinhada com as melhores práticas sugeridas pela comunidade científica”, analisa o especialista.

Como começar?
Se a regulamentação for aprovada, a expectativa é que ela garanta mais segurança jurídica e institucional para as transportadoras e, quem sabe, fomente a aplicação e torne o investimento em IA mais acessível. “A implementação de soluções enfrenta uma série de desafios significativos. Um dos principais obstáculos é o custo inicial associado à aquisição e à integração das tecnologias, que pode ser particularmente proibitivo para empresas menores ou com recursos limitados. Esses custos incluem não apenas a compra de hardware e software especializados, mas também a necessidade de treinamento da equipe e adaptação dos processos operacionais existentes”, contextualiza Cristian Grando.

A cultura organizacional das empresas, de acordo com o especialista, muitas vezes é resistente à mudança. A implementação de novas tecnologias, como a IA, requer uma alteração significativa na forma como as operações são conduzidas, o que pode ser de difícil aceitação por colaboradores e gestores acostumados com métodos de trabalho tradicionais. “Outro desafio é o medo de demissões em massa devido à automação de tarefas anteriormente realizadas por pessoas. Embora a IA possa aumentar a eficiência e reduzir a necessidade de mão de obra em algumas áreas, também pode criar novas oportunidades de emprego em outras. No entanto, essa transição pode ser assustadora para os colaboradores que temem perder seus empregos ou serem substituídos por tecnologia”, afirma Grando.

Esse cenário pode ser trabalhado por meio da disseminação da cultura da inovação, da capacitação e do treinamento em inteligência analítica, políticas de governança e segurança dos dados. Outra dica importante: as empresas do setor que pretendem iniciar a jornada de aplicação de inteligência artificial devem iniciar por projetos-piloto, segundo os especialistas, em áreas onde há dados e indicadores mensuráveis. “Não há uma solução única que funcione para todas as transportadoras. Portanto, é crucial realizar uma análise detalhada da empresa. Esse estudo permite identificar os pontos fracos e as áreas onde a IA pode ser aplicada de forma mais eficaz para melhorar a eficiência e a competitividade da transportadora. Uma vez identificadas as áreas de oportunidade, é importante selecionar as soluções de IA mais adequadas às necessidades específicas da empresa”, diz Grando.

“O uso da inteligência artificial no transporte de cargas rodoviárias promete revolucionar o setor, tornando processos e controles mais confiáveis, rápidos e seguros. Desde que implementada de forma responsável e ética, a IA tem o potencial de melhorar significativamente a eficiência operacional e a segurança viária, beneficiando não apenas as empresas do setor, os motoristas e os usuários das rodovias, mas também a sociedade como um todo”, avalia o presidente do Sintrauto/MG.
Sérgio Pedrosa, presidente da Federação das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Fetcemg), conta que a instituição acompanha de perto o avanço da IA no transporte rodoviário de cargas. “Estamos promovendo, participando e apoiando inúmeras ações e discussões sobre o tema. No Sistema Transporte Ð que engloba a Confederação Nacional do Transporte, o Sest/Senat e o Instituto de Transporte e Logística Ð é constante a realização de debates sobre a IA no âmbito do setor com especialistas de renome mundial. Além disso, a federação tem entre suas premissas fomentar parcerias com universidades e instituições de pesquisa que trabalham por soluções específicas para as necessidades do transporte de cargas, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a modernização do setor”, afirma Pedrosa.


Inteligência para salvar a fauna

Não é somente a sociedade que se beneficia do uso da inteligência artificial aplicada no transporte. Além da segurança viária, pesquisadores avaliaram o desempenho de sistemas de detecção de objetos com a finalidade de identificar animais da fauna brasileira em rodovias. A ideia é que, no futuro, a tecnologia possa ser utilizada para alertar os motoristas e evitar acidentes nas estradas.

A pesquisaÊdo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP) testou dispositivos acoplados em pistas para realizar a classificação e a detecção do animal e, assim, repassar via aplicativo móvel algum sinal que indique que algum animal passou em determinado trecho.
Os pesquisadores, em entrevista à Agência Brasil, explicaram que “ainda existem barreiras técnicas relacionadas aos algoritmos desses modelos quando o ambiente possui algum desafio, como oclusão de ambiente - alta vegetação, neblina, chuva -, imagens de baixa qualidade, cenários noturnos. Todos esses problemas impactam negativamente o entendimento das características - cores, bordas, texturas dos bichos - para serem interpretados pela máquina”.

Segundo o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), com sede na Universidade Federal de Lavras (Ufla), em 2022, mais de 20 mil animais de pequeno, médio e grande porte foram atropelados - média de 2,3 por hora. No Brasil, a cada segundo, 17 animais silvestres morrem atropelados.

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