Mais peso, mais burocracia

Setor de cargas superdimensionadas é essencial para o desenvolvimento do país, mas enfrenta desafios gigantes

Capa / 19 de Dezembro de 2017 / 0 Comentários
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Elas são de parar o trânsito. Casas pré-fabricadas, monumentos, containeres, armações de ponte, geradores, equipamentos industriais, partes de foguetes, aviões, navios, locomotivas e de plataformas petrolíferas passam nas estradas em cima de caminhões e, com elas, uma logística complexa, detalhada e burocrática. O transporte de cargas superdimensionadas ou indivisíveis demanda veículos que podem atingir o comprimento equivalente a um campo de futebol, e, assim, seu deslocamento é lento: andam, em média, a 40 km/h em terrenos planos e de 5 a 10 km/h numa subida. Por isso, requerem muito profissionalismo, atenção, trabalho em equipe e precisão, pois qualquer inconformidade pode causar grandes impactos.


Cargas superdimensionadas circulam normalmente no país e exigem do transportador a responsabilidade por eventuais danos que possam causar

Para se realizar esse transporte, os custos são elevados. “A concorrência desleal tem prejudicado muito o setor. Por mais que os órgãos governamentais coíbam a realização de transportes com informações errôneas, infelizmente, ainda há casos. Paralelamente, o segmento de transportes de cargas superdimensionadas passa pelo pior momento de sua história. A paralisação e a postergação de grandes obras refletem diretamente nos resultados das empresas do setor. Há o crescente achatamento dos fretes exigidos pelos clientes, o que faz com que algumas poucas cheguem a praticar preços abaixo dos custos e outras, a maioria, deixem de operar”, explica Dasio de Souza e Silva Junior, vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Transporte e Movimentação de Cargas Pesadas e Excepcionais (Sindipesa).

Em 2015, a Entrevias mostrou os problemas enfrentados pelo setor e, agora, revela que o cenário piorou. Dasio de Souza ressalta que há um intenso trabalho dessa instituição e de suas associadas pela moralização do setor e pela realização dos serviços dentro das melhores técnicas, com utilização de equipamentos transportadores adequados, operações de qualidade e sempre em conformidade com as legislações.

Contexto

No período em que se registrou desenvolvimento econômico, esse tipo de prestação de serviço cresceu proporcionalmente à expansão dos setores industrial e de infraestrutura, e sua importância caminha ao lado da série de procedimentos a serem cumpridos durante a realização da atividade.

Acompanhar a demanda disso exige investimentos em veículos especiais, desde os convencionais até os hidropneumáticas, bem como a realização de procedimentos específicos. O transporte de carga superdimensionada necessita de obtenção prévia de Autorização Especial de Trânsito (AET) junto ao órgão com circunscrição sobre a via, que podem ser o Dnit ou os Departamentos Estaduais de Trânsito.

Inicialmente, a autorização é fornecida com prazo de 60 dias consecutivos e válida para apenas uma viagem, incluído o retorno do veículo vazio ou transportando carga, desde que esteja de acordo com as características especificadas na AET e não exceda os limites do Contran. Nos casos que ultrapassam os limites, é exigida licença especial de transporte, que deve apresentar dados como comprimento, largura, altura e peso da carga, os quais são anexados junto com o conjunto transportador.

Para o engenheiro mecânico Rubem Penteado de Melo, que é especialista em segurança no transporte de cargas, o planejamento da prestação de serviço é fundamental para a garantia da excelência e da segurança. “Planejar implica escolher um um itinerário que comporte o peso e as dimensões finais do conjunto transportador (veículo mais carga), dimensionar o veículo, obter a AET e observar os requisitos impostos para o transporte, como placa de sinalização de segurança, acompanhamento por escolta credenciada e policial quando exigido, observação dos horários de trânsito e, quando necessária, a devida programação da travessia junto às concessionárias de rodovias”, afirma o engenheiro.

Atores e suas funções

Ele ressalta que o transporte de cargas excedentes, dependendo do peso e das dimensões do conjunto transportador, requer a participação de grande número de prestadores de serviço. A transportadora envolve seus motoristas, operadores de linhas de eixo, supervisores operacionais e outros profissionais. Os parceiros nessa atividade são fornecedores para escolta, remoção de placas de sinalização e outras instalações na rodovia, concessionárias de serviços públicos de telefonia, eletricidade, TV a cabo, policiais rodoviários e ainda de equipes de engenharia responsáveis pelo trabalho de viabilização estrutural e geométrica da rodovia.

As polícias rodoviárias e os agentes de trânsito têm uma formação específica em seus treinamentos de como supervisionar, conduzir e orientar os motoristas batedores e carreteiros. Já os condutores de escoltas são especializados em dar toda a segurança à carga transportada, bem como em orientar e sinalizar todo o percurso. Eles têm a obrigação de fazer o curso de carga indivisível que abrange direção defensiva, segurança no trânsito e transporte de produtos perigosos.

As atribuições da Policia Rodoviária Federal (PRF) no transporte de cargas excedentes são credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e transporte, além de assegurar a livre circulação nas rodovias federais. “Quando falamos em cargas superdimensionadas, temos que pensar em todos os envolvidos na operação. Para isso, é preciso estar atento às documentações dos veículos, dos condutores e da carga. Também deverão ser observadas as regras de trânsito e circulação dos veículos cujo descumprimento prevê sanções descritas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e nas legislações complementares”, ressalta a assessoria de imprensa da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O órgão completa que a eficiência e a segurança nessa modalidade de transporte são garantidas quando todos os atores são conscientes e comprometidos a realizarem seus trabalhos de forma responsável. Nesse sentido, a PRF orienta todos a, antes de iniciarem suas atividades, verificarem se toda a documentação está regularizada e a respeitarem as regras de trânsito e circulação durante o transporte.

Legislação

A Resolução 1/2016, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), regulamenta o uso de rodovias federais por veículos, ou combinações de veículos e equipamentos, destinados ao transporte de cargas indivisíveis e excedentes em peso e/ou dimensões ao limite estabelecido nas legislações vigentes para o conjunto veículo e carga transportada.

Essa norma conceitua que a carga indivisível é representada por uma única peça estrutural ou um conjunto de peças fixadas por rebitagem, solda ou qualquer outro processo. As cargas superdimensionadas não são produtos perigosos devido a seu dimensionamento, mas podem ser cargas consideradas transporte perigoso. Elas não são inflamáveis, oxidantes, tóxicas, radioativas e corrosivas. No entanto, exigem cuidados especiais por apresentarem peso e dimensão superiores aos determinados pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Prevê ainda que o transporte de carga indivisível somente pode ser efetuado em veículos adequados, que apresentem estruturas, estado de conservação e potência motora compatíveis com a força de tração a ser desenvolvida, assim como uma configuração de eixos de forma que a distribuição de pesos brutos por eixo não exceda os limites máximos permitidos nessa norma. Essa diretriz deve ser cumprida à risca, pois o Dnit poderá exigir a comprovação de potência e a Capacidade Máxima de Tração do veículo e fazer vistoria prévia. Além disso, os conjuntos transportadores são obrigatoriamente avaliados tecnicamente mediante inspeção veicular na forma e na periodicidade estabelecidas pelo Contran.

Para o vice-presidente do sindicato, apesar de necessitar de ajustes, a norma é moderna e atende, atualmente, às necessidades do setor. “Alguns Departamentos de Estradas de Rodagem Estaduais adotaram essa resolução para reger suas portarias. Alguns Estados têm portarias ou instruções normativas muito diferentes da resolução do Dnit, o que faz, por exemplo, que trens-tipos admitidos em rodovias federais não o sejam em alguns Estados. Assim, pode ocorrer que um transporte que vá do sul ao tenha que ser realizado em equipamentos que atendam à portaria mais solicitante, o que traz custos adicionais. Há a premente necessidade de os Estados da Federação adequarem suas normas à resolução do Dnit”.

Desafios

Um dos principais desafios na realização da prestação de serviço é a disponibilidade de profissionais para a atividade. UTambém são adversidades enfrentadas as deficiências na infraestrutura e na logística do país, com rodovias em péssimas condições e centenas de pontes com limitação de capacidade, insuficiência de policiamento rodoviário federal para a escolta das cargas, burocracia, taxas muito elevadas para a obtenção das AETs e uso das rodovias concessionadas”, enfatiza o vice-presidente do Sindipesa.

Os principais clientes desse tipo de transporte são empresas que atuam em setores como os de óleo e gás, energia elétrica e eólica, mineração e siderurgia, papel e celulose, construção civil e setores industriais de um modo geral. Atualmente, a maioria das transportadoras passa por dificuldade. A concorrência é muito grande, e o baixo crescimento da economia ao longo dos últimos anos reduz o ritmo de desenvolvimento dos projetos e dos investimentos que geram demanda para o segmento.

“Convivemos com baixa demanda, custos elevados, dificuldade de renovar a frota devido às atuais condições de mercado, incerteza da real retomada do crescimento econômico, não existência de corredores para o escoamento de cargas com grandes dimensões, praças de pedágio não dimensionadas para transposições de cargas superdimensionadas, baixo efetivo de pessoal das polícias rodoviárias para o atendimento às escoltas oficiais quando necessárias, uma vez que a velocidade de contratações é menor do que aquela com que ocorrem aposentadorias”, critica.

João Batista Dominici, um dos principais especialistas no transporte de cargas superdimensionadas, pontua que oito em cada dez empresários atuantes no setor vão dizer que a sobrevivência da empresa é até 2021, quando se espera que haja uma possível retomada para esse segmento. “O mercado sofre com a concorrência desleal, que, obviamente, é consequência da redução de demanda, em parte, da crise da Petrobras e das grandes empreiteiras, com altas taxas e tarifas cobradas, em especial no Estado de São Paulo, por concessionárias de rodovias, e o setor reclama muito do tempo para o agendamento de escolta policial, sobretudo, da PRF.”

Peças gigantes são transportadas pelas rodovias a, em média, 40 km/h e podem ter o comprimento de um campo de futebol

Amarrando as arestas

Enquanto as soluções estruturais não chegam, os profissionais do transporte podem continuar exercendo o serviço orientados por qualidade, segurança e responsabilidade. E uma ação baseada nessas premissas é a amarração da carga. “Nessa atividade, devem ser observados o peso e as dimensões da carga, que tipo de atrito vai existir entre a carga e o piso da carroceria, posição/ângulos e capacidade dos dispositivos de amarração e dos pontos de ancoragem”, conta Rubem Penteado de Melo.

Tudo começa com o Plano de Amarração de Carga – o projeto do sistema de fixação realizado por técnicos ou engenheiros. A partir dessa diretriz, a equipe de expedição ou “peação”e o próprio caminhoneiro podem efetuar a amarração, supervisionados pelo responsável técnico do transporte. Durante a viagem, o condutor tem a responsabilidade de examinar e retensionar periodicamente o sistema de amarração.

O especialista Rubem diz que no Brasil são precários os estudos estatísticos que relacionam amarração de cargas com acidentes em rodovias. Porém, ressalta que uma amarração eficaz é fundamental não somente para evitar que a carga caia do veículo, mas também para impedir que ela se movimente sobre a carroceria, participando decisivamente de muitos tombamentos nas rodovias. “Infelizmente, o Brasil não tem bons estudos sobre acidentes causados por amarração inadequada. Mas sempre são acidentes graves, como o último que ocorreu no Espírito Santo, no mês de setembro deste ano, quando placas de granito caíram na via, provocando 11 óbitos”, afirma.

Ele diz que, como esse tipo de transporte é muito especializado e cada carga é um caso, não existem normas para amarração das cargas superdimensionadas. Há boas práticas, que requerem sempre mão de obra especializada para cálculos e especificações do sistema de amarração.

Em entrevista à Entrevias, o educador e consultor de trânsito Inspetor De Paula enfatiza a importância de as embarcadoras exigirem das empresas transportadoras que seus motoristas, tanto carreteiros quanto de escoltas, passem por cursos de aperfeiçoamento, instrução, qualificação. “O condutor deve estar sempre atento às situações que oferecem risco a ele, aos usuários e ao meio ambiente antes e durante a realização da viagem. O transportador tem a responsabilidade por eventuais danos que o veículo ou a combinação de veículos possam causar à via ou a terceiros. Além disso, em todas as situações, o veículo de carga deverá estar devidamente equipado para transitar, de modo a evitar o derramamento ou o desabamento da carga sobre a via e  seu condutor estar com seus treinamentos e reciclagem em dia”, orienta.

Benefícios para todos

O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Centro-Oeste Mineiro (Setcom), Anderson Cordeiro, corrobora a importância de implementar aprimoramentos na prestação de serviços com o objetivo de oferecer segurança a todos os usuários. “Ao se planejarem e se implantarem ações direcionadas à segurança e à adequada trafegabilidade de veículos de transporte de cargas, incluindo as superdimensionadas, a sociedade e os profissionais das estradas são positivamente impactados. Atividades conjuntas – empresas, instituições de classe e governo – tornam-se o caminho para a benéfica prestação de serviço e, consequentemente, o desenvolvimento da economia nacional”, analisa Anderson.

O presidente do Sindipesa completa: “Quando encontrar um veículo transportando uma carga excedente, lembre-se de que se trata de atividade essencial para o país, pois sem ela não há construção de hidrelétricas, de refinarias, de exploração de petróleo e gás, não há construção nem ampliação de rodovias, não há a implantação de novas indústrias, não há crescimento, geração de renda, emprego e bem-estar para todos. Aguente uma possível morosidade no trânsito com paciência e saibam que, quanto mais há cargas dessas nas estradas, melhor para o país.”

 

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