Mobilização pelos motoristas
Decisão do STF impacta setor de transporte, e parlamentares buscam estabelecer regras específicas para os profissionais por meio de uma PEC
Com a finalidade de estabelecer regras específicas para o trabalho dos motoristas profissionais que atuam no transporte rodoviário de cargas e passageiros, o deputado federal Toninho Wandscheer (PP-PR) se mobiliza para protocolar na Câmara dos Deputados u
Com a finalidade de estabelecer regras específicas para o trabalho dos motoristas profissionais que atuam no transporte rodoviário de cargas e passageiros, o deputado federal Toninho Wandscheer (PP-PR) se mobiliza para protocolar na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Motoristas Profissionais.
Essa matéria se insere em um momento oportuno. No dia 30 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, e, no dia 30 de agosto, foi publicado o acórdão corroborando o conteúdo da ata de julgamento publicada no dia 12 de julho deste ano.
O Plenário do STF declarou inconstitucionais 11 pontos da Lei dos Caminhoneiros (número 13.103/2015) referentes a jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal. Na mesma decisão, outros pontos foram validados, como a exigência de exame toxicológico.
Frente à decisão do Supremo que impacta o setor, a PEC dos Motoristas Profissionais propõe modificações no Artigo 7º e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 com o intuito de criar um ambiente mais favorável às necessidades dos motoristas profissionais.
“Entendemos que essa PEC supre exatamente o que está faltando na legislação para que o transporte tenha condições de andar na forma que sempre caminhou, ou seja, corretamente, mas com o aprimoramento das questões trabalhistas. Esta é a nossa motivação: criar um arcabouço que dê condições para que o setor trabalhe com garantia”, explica deputado Toninho, pontuando que conta com a parceria do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que é coautor da matéria.
Ele enfatiza que a proposta vai ao encontro do interesse do país, pois os motoristas profissionais do transporte de cargas e passageiros têm uma atribuição fundamental no desenvolvimento socioeconômico. “Toda iniciativa que busca mais segurança jurídica e melhores condições para nossa categoria é bem-vinda. Sem dúvida, esses profissionais são aliados de uma nação próspera e, por isso, devem ser garantidas situações que levam em conta a realidade de trabalho, as especificações do transporte e as necessidades dos clientes. É preciso equilibrar todos os envolvidos”, avalia o presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto), Carlos Roesel.
Aprimoramentos
A PEC coloca acréscimo no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Artigo 10-A, até que seja promulgada a lei a que se refere o Artigo 7º ¤2º da Constituição. Assim, o objetivo é aplicar ao motorista profissional empregado no transporte de passageiros e no transporte rodoviário de cargas as seguintes disposições: nos serviços de operação de veículos de transporte coletivo de passageiros, o intervalo para alimentação e repouso poderá ser fracionado ou reduzido após seis horas de trabalho contínuo quando for entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada. Isso no caso de haver previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, mantida a remuneração e concedidos intervalos menores para descanso ao fim de cada viagem.
A matéria também dispõe sobre o intervalo de refeição, que poderá coincidir com o tempo de parada obrigatória na condução do veículo estabelecido pela legislação de trânsito. Segundo a PEC, “dentro do período de 24 horas, são asseguradas 11 horas de descanso, sendo facultados o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo estabelecidos pela legislação de trânsito, garantidas, no mínimo, oito horas ininterruptas, no primeiro período, e o gozo do remanescente dentro das 16 horas seguintes ao fim do primeiro período”.
De acordo com a proposta, será considerado como trabalho efetivo o tempo em que o motorista empregado estiver à disposição do empregador, excluídos os intervalos para refeição, repouso e descanso e o tempo de espera, bem como os períodos em que o motorista aguarda a carga ou a descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computados como jornada de trabalho nem como horas extraordinárias.
Para tanto, a proposta define que as horas relativas ao tempo de espera serão indenizadas na proporção de 30% (trinta por cento) do salário-hora normal, e, durante o tempo de espera, o motorista poderá realizar movimentações necessárias no veículo, as quais não serão consideradas como parte da jornada de trabalho, ficando garantido, porém, o gozo do descanso de oito horas ininterruptas do intervalo inter-jornadas.
“Nas viagens de longa distância com duração superior a sete dias, o repouso semanal poderá ser usufruído no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou ao seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido repouso. A cumulatividade de descansos semanais em viagens de longa distância fica limitada ao número de três descansos consecutivos”, diz o texto.
Por fim, a PEC pontua que, nos serviços de transportes de cargas, quando o empregador adotar dois motoristas trabalhando no mesmo veículo, o tempo de repouso poderá ser feito com o veículo em movimento, assegurado o repouso mínimo de seis horas consecutivas fora do veículo em alojamento externo ou, se na cabine-leito, com o veículo estacionado a cada 72 horas.
O deputado federal Toninho enfatiza que conta com o apoio de diversos parlamentares para protocolar essa PEC, pois sabe o quanto é importante ter uma legislação que ampare com segurança os profissionais do transporte. “É muito bom trabalhar com esse setor, visto que os profissionais vestem a camisa. Também nos sentimos amparados por eles. Cada Estado da Federação tem seu deputado que representa a categoria e, assim, cria uma rede importante para a garantia de condições adequadas de trabalho. Tenho certeza de que vamos implementar as diretrizes dessa matéria. Com a base que o transporte tem no país e devido à sua relevância, os deputados federais vão aprovar, inclusive com os senadores junto”, afirma o parlamentar.
Impactos
Mais do que nunca, é essencial a aprovação da PEC dos Motoristas Profissionais, pois o setor sente o impacto da decisão do Supremo. Segundo cálculo do Departamento de Custos Operacionais e Pesquisas Técnicas e Econômicas (Decope) da NTC&Logística, o aumento de custo para o transporte rodoviário de carga decorrente de modificações na Lei do Descanso (13.103) gira em torno de 12% nas viagens de longa distância. Já as operações que eram realizadas por duplas de motoristas podem custar até 70% mais.
Antes, o profissional (autônomo ou empregado) podia repousar oito horas, e as outras três horas podiam coincidir com os intervalos de meia hora que ele é obrigado a fazer depois de cinco horas e meia ao volante. Com a decisão do STF, agora o motorista é obrigado a descansar 11 horas ininterruptas.
Os motoristas também não poderão mais acumular descansos semanais remunerados em viagens de longa distância. A lei permitia que eles trabalhassem três semanas sem parar e, depois, ficassem três dias em casa, com a família. Agora, não podem mais. Estejam onde estiverem, terão de descansar um dia por semana.
Até o momento, a análise do setor é que a mudança mais significativa é o fim do tempo de espera. Pela Lei 13.103, os motoristas podiam ser remunerados em 30% do valor da hora normal enquanto esperavam para carregar e descarregar. E a jornada só começava a contar no momento em que eles saíam de viagem. Agora, as horas na fila são consideradas horas de trabalho, assim como o tempo que eles passam dirigindo.
Na análise do presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Marcio Arantes, é urgente conciliar as necessidades dos transportadores com a real estrutura disponível nas rodovias brasileiras. “Jamais vou discordar da decisão do STF ou de outra norma do Judiciário. Não sou contra lei. Contudo, é fundamental compreender o dia a dia do setor e seus desafios. Recentemente, fiz uma viagem ao Tocantins (saindo da região metropolitana de BH) e estou assustado com a situação. Não encontrei sanitários em condições adequadas, chuveiros não funcionam, a alimentação é de alto custo e não há segurança”, relata Arantes.
Ele conta que a Lei do Motorista tem o mérito de oferecer diretrizes para o trabalho, mas que sempre há oportunidade de melhorias. “Para isso, é preciso oferecer um período para nos ajustarmos às novas normas. Também é essencial que as estruturas de apoio aos motoristas sejam ajustadas para garantir condições. Por exemplo, postos estão fechando quando a noite chega por causa da violência e da insegurança nas estradas. Como e onde os motoristas vão descansar? Qual a contrapartida que as estruturas oferecem para cobrar pelo uso?”, questiona.
Essas situações, de acordo com o representante da associação, desanimam a categoria. “Infelizmente, vejo muitos profissionais desistindo da atividade, estão desmotivados. É muito triste, pois temos muito orgulho e vontade de trabalhar, mas está muito difícil”, pontua.
Custos
Apesar dos desafios, é preciso cumprir a decisão do STF. Jeferson Costa de Oliveira, assessor jurídico da Federação das Empresas de Transporte de Carga de Minas Gerais (Fetcemg) e do Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de Minas Gerais (Setcemg), recomenda a adaptação urgente frente ao acórdão do STF. “As transportadoras devem se preparar para reorganizar toda a sua operação, a logística, o comercial e os recursos humanos, assim como promover o diálogo com os setores produtivo e comercial. Nesse contexto, também são necessárias uma revisão imediata nos custos da empresa e uma negociação com os clientes”, afirmou Jeferson.
Outro ponto de cuidado é a utilização de hora-extra de motoristas. Muitas empresas aboliram o tempo de espera e pagam o excedente da jornada, mas essa política custa, normalmente, sete vezes mais que o tempo de espera. Um caminho é o investimento em tecnologia, como em roteirizadores, para otimizar o uso dos veículos e o tempo de trabalho dos motoristas.
O controle da jornada dos agregados deve ser analisado. Especialistas não recomendam essa atividade, pois poderá configurar subordinação (e até gerar uma ação de vínculo empregatício no futuro). A indicação é que, depois de cada viagem, a empresa pegue uma declaração do agregado na qual ele ateste que descansou 11 horas.
Paralelamente ao cumprimento, entidades representativas do setor se mobilizam. A Confederação Nacional do Transportes (CNT), em parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), recorreu ao STF por meio de embargos de declaração na ADI 5322. As duas entidades solicitam que os efeitos dessa decisão sejam aplicados somente após a publicação do acórdão.
A petição requer ainda esclarecimentos e ajustes na decisão, especialmente em relação à possibilidade de os temas tratados no acórdão serem negociados em acordos ou convenções coletivas. “A iniciativa conjunta das duas entidades ressalta a necessidade e a urgência de haver, por parte do Supremo, uma análise mais aprofundada dos impactos financeiros que a decisão pode provocar no transporte rodoviário brasileiro, a fim de assegurar tanto a sua clareza quanto a sua aplicabilidade prática”, diz nota da CNT.
O especialista jurídico Jeferson Costa de Oliveira explica que os ministros do Supremo avaliam a situação como um todo e, certamente, vão analisar as manifestações de instituições que representam a categoria. O Judiciário vai ouvir, mas vai julgar de acordo com a Constituição Federal. “O que é importante neste momento, além de cumprir as normas definidas pelo Supremo, é modular os efeitos. O STF pode, por exemplo, atribuir um efeito posterior para que as empresas possam se adaptar”, conclui.
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