Morte de animais em rodovias: problema de todos

Especialista apresenta responsabilidades em torno da preservação da fauna nas estradas e do equilíbrio entre natureza e sociedade

Entrevista / 12 de Maio de 2014 / 0 Comentários
A- A A+

Entre-Vias: Quais são os principais motivos que provocam a morte de animais nas rodovias?

Valeska Buchemi de Oliveira: Diversas são as razões. Existem as causas antrópicas (causadas pelo homem) e as naturais. Contudo, o principal fator é a falta de políticas públicas adequadas para a resolução do problema. Os motivos antrópicos são a própria rodovia, que representa uma barreira ambiental para diversos animais; e o fluxo de veículos, que pode variar desde moderado, em estradas de terra, até intenso, em rodovias. Os processos biológicos envolvem a dispersão de indivíduos ao longo dos seus habitats e ao longo de pastos, plantações ou matas alteradas. Os animais precisam procurar por alimentos, por parceiros e precisam estabelecer territórios. Por isso, precisam atravessar estradas. Muitos deles também apresentam características que os tornam mais vulneráveis a atropelamentos, como visão ruim ou lentidão ao se locomoverem. Porém, o estabelecimento de rodovias e as necessidades biológicas dos animais são características com as quais temos de lidar. Certamente, as maiores causas de atropelamentos e acidentes rodoviários com fauna silvestre são a falta de estruturas adequadas para a travessia dos animais, insuficiência de placas educativas e a pouca conscientização dos motoristas.


EV: Há um mapeamento dos pontos em que ocorrem mais acidentes?

VBO: Ainda não existe um mapeamento adequado das rodovias no Brasil, mas algumas ações começam a ser aplicadas aqui e em diversas outras nações. Em nosso país, a quantificação desses atropelamentos é difícil devido à própria magnitude de sua malha rodoviária e devido à falta de profissionais e investimentos na área. Existem alguns pontos sob monitoramento ao longo do país, tanto para empreendimentos de licenciamento ambiental quanto para pesquisas acadêmicas. Nesses trechos controlados, os locais com maiores registros de atropelamentos são a BR-101 Sul (SC e RS), SP-255 (SP) e a BR-163 (PA).

 

EV: Existem dados que mostram quais espécies são dizimadas nas rodovias?  

VBO: Os estudos realizados até o momento indicam que raposas e cachorros-do-mato são atropelados em grande número. Tatus de diferentes espécies (tatu-galinha, tatu-peba e tatu-de-rabo-mole), preguiças e tamanduás também são encontrados com frequência atropelados em nossas rodovias. Dentre as aves se destacam corujas, curiangos e bacuraus, mas diversas outras espécies desse grupo são constantemente atropeladas. Muitos anfíbios e répteis também sofrem esse impacto. Os estudos realizados e as coletas aleatórias, por motivos claros, acabam registrando com maior frequência animais de maior porte, e muitos dos dados devem ser analisados com clareza pelos órgãos gestores.

 

EV: O ruído e a movimentação dos veículos interferem no ciclo reprodutivo?                    

VBO: Certamente e de maneira intensiva. Diversos estudos apontam que os ruídos e a movimentação dos veículos causam efeitos significativos e negativos sobre diversas espécies de animais, desde os invertebrados até os mamíferos. Muitas pesquisas comprovaram que, além das altas taxas de mortalidade por atropelamento, rodovias causam impactos em ciclos reprodutivos, em estratégias de comunicação dos animais, no uso de ambiente, na dispersão em seus territórios e em trocas genéticas. Em um estudo realizado na região Sul do país, constatou-se que os roedores analisados, conhecidos como tuco-tucos, apresentavam índices maiores de quebra do DNA ações multigenéticas quando capturados mais próximos à rodovia estudada; enquanto animais que habitavam locais mais distantes apresentavam menores índices. Outras pesquisas também demonstram que metais pesados se acumulam em ninhos, em vegetais e em tecidos de animais em maiores quantidades em organismos que estão mais próximos a estradas. É importante mencionar, ainda, que estradas têm efeito, igualmente, sobre as plantas e as árvores em suas imediações. Rodovias dificultam a dispersão de sementes e aumentam a quantidade de produtos tóxicos no ambiente. O tema Ecologia de Estradas se tornou um ramo específico da ciência,e séries de pesquisas estão sendo conduzidas para entender o impacto de estradas sobre a biodiversidade. Por isso, é muito importante que ações de manejo sejam implantadas.

 

EV: As estradas brasileiras contam com estruturas para evitar acidentes com animais?

VBO: Algumas contam com passagens de fauna. Por exemplo, na estrada-parque de Itacaré (BA) existem estruturas arbóreas para a travessia de primatas: são cordas ligando as copas das árvores dos diferentes lados da rodovia. O Estado de São Paulo tem 81 passagens de fauna em 14 rodovias, e alguns estudos realizados demonstram sua eficácia não somente para a travessia dos animais, como para a redução de acidentes. Na rodovia SP-255, localizada entre os municípios de Itirapina e Jaú, foram implantadas passagens de fauna e, ao longo de dois anos,registraram-se 800 travessias de fauna, englobando 21 espécies animais. Mas o resultado principal é que o número de acidentes reduziu 87% em relação aos índices anteriores, evidenciando o aumento de segurança para o usuário. Porém, muito ainda deve ser feito, principalmente próximo e dentro das unidades de conservação. Para evitar mortes de animais, mas principalmente para garantirmos a manutenção das trocas genéticas entre populações animais e vegetais, deveríamos investir em passagens de fauna, incluindo túneis de travessia subterrânea, passagens arbóreas, pequenas travessias para anfíbios e répteis, passagens sob pontes e rios, cercas de direcionamento. Deveríamos também investir em placas de sinalização e em educação ambiental nas rodovias. Sobre o modelo ideal, ele não existe, pois cada rodovia apresenta suas próprias características. É necessário que em todos os casos haja estudos prévios (em rodovias em construção e em rodovias já prontas). As análises indicarão quais as espécies deverão ser mais focadas na área e quais os tipos de passagem de fauna que devem ser implantados.

 

EV: De quem é a responsabilidade por evitar os acidentes?

VBO: Certamente, boa parte da responsabilidade é dos órgãos gestores, sejam as rodovias públicas ou privatizadas. Esses administradores devem implantar túneis e outros tipos de passagens de fauna que assegurem a travessia dos animais, inclusive para macacos e micos através de estruturas arbóreas. Tais gestores, públicos ou privados, devem garantir o trânsito dos animais e a segurança dos usuários. Porém, é importante ressaltar que muitos motoristas são imprudentes e alguns deles, inclusive, atropelam animais propositalmente. Todos os motoristas podem contribuir dirigindo de maneira consciente, principalmente em trechos periurbanos, rurais e em área naturais ou de conservação ambiental. Devem respeitar placas de educação ambiental ou de sinalização de travessias de fauna. Em trechos privatizados, devem informar aos gestores sobre animais atropelados e, se possível, podem colaborar com o banco de dados dos pesquisadores pelo aplicativo Urubu Mobile (apresentado na página 24). Dirigindo prudentemente, cobrando atitudes dos gestores privados e públicos e contribuindo com o banco de dados, certamente, todos os motoristas poderão colaborar para o monitoramento das rodovias, para sua própria segurança e de outros usuários.

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião de Revista Entrevias. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. Revista Entrevias poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.