Motoristas no divã
COMPORTAMENTO
A- A A+Pesquisa realizada com condutores aponta que 67,2% desse público admite ter agredido outras pessoas, ainda que verbalmente, no trânsito
Era madrugada do dia 31 de maio. A violência no trânsito brasileiro fez mais uma vítima fatal. Após uma colisão entre dois veículos, o motorista do ônibus, Arlindo Ventura, 38 anos, desceu do coletivo e conversou com o condutor do outro automóvel. Em princípio, eles teriam resolvido o problema, e cada um, seguido viagem. No entanto, a vítima não percebeu que estava sendo seguida e, quando chegou ao cruzamento da avenida Amazonas com a rua Olinda, no bairro Nova Suíssa, na região Oeste de Belo Horizonte, o motorista do carro de passeio parou e pediu que Ventura, condutor do ônibus, abrisse a porta do ônibus. O suspeito subiu e, segundo a Polícia Militar, teria esfaqueado a vítima no peito. Ventura não resistiu aos ferimentos e morreu no local. O relato descrito acima confirma uma triste realidade dos dias atuais: a violência no trânsito se tornou um fenômeno mundial. Recentemente, uma pesquisa de doutorado realizada com 923 condutores, pela Universidade de Brasília, em parceria com as Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros, apontou que 67,2% dos motoristas admitem ter agredido outras pessoas, ainda que verbalmente, no caos do tráfego. Outros 84% assumem ter cometido os mais variados erros ao volante. Mas por que tanta agressividade?
Segundo o psicólogo e psicoterapeuta Leonardo Araujo, o trânsito é um reflexo das pessoas. Portanto, se, coletivamente, os nervos andam à flor da pele, no tráfego de veículos não será diferente. “Por exemplo, no momento, estamos vivendo uma crise econômica. Há pessoas com prejuízos financeiros, perdendo seus empregos. Toda essa instabilidade pode se refletir no comportamento ao volante”, explica. O problema, completa, é que algumas pessoas também têm o pavio curto e não conseguem levar desaforo para casa. “Quando isso ocorre, muitas fazem do veículo uma verdadeira arma. A esse tipo de pessoa, eu aconselharia uma ajuda profissional. Para as outras, que ficam agressivas e percebem que não poderiam agir dessa forma, a sugestão é ocupar sua mente com coisas mais agradáveis. Uma boa música ao se dirigir, por exemplo, é algo que pode ser relaxante e fazer o tempo passar de maneira mais leve”, garante o especialista. MEIO COMUM
Mestre em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), o consultor para o Brasil do Global Road Safety Partnership (GRSP), Eduardo Biavati, afirma que muitas pessoas se tornam especialmente agressivas no trânsito porque pertencem a uma sociedade que entende pouco ou mal que transitar é necessariamente compartilhar um mesmo espaço público, regulado por normas coletivas e que valem igualmente a cada um. “Não somos uma sociedade igualitária, e a agressividade no trânsito é uma maneira de mostrar que o indivíduo está acima da regra e dos demais”, reforça Biavati, que também é escritor e especialista em educação para o trânsito e segurança viária.
Ao realizarem uma manobra arriscada, ao fecharem outro motorista, ao deixarem de dar atenção ao volante para digitar uma mensagem no celular, ao andarem em alta velocidade, não cumprindo, assim, as leis de trânsito, ao beberem e dirigirem ou, até mesmo, ao sentirem raiva ao volante, os motoristas colocam a própria vida e a de terceiros em risco. “Todas são formas arriscadas e ilegais de se conduzir um veículo, e, em se tratando de uma pessoa capaz e maior de idade, tudo leva a crer que ela assumiu o risco. Muitas mortes no trânsito são fruto da irresponsabilidade e da impunidade. A morosidade da Justiça aumenta ainda mais o problema”, critica Leonardo Araujo.
TODOS SÃO CULPADOS
Quando o assunto é comportamento agressivo ao volante, não há um culpado. O comportamento agressivo é uma escolha do condutor do veículo. “Se ele não suporta negociar as múltiplas interações que temos que manter quando transitamos pela cidade com todos os demais usuários, se é insuportável para ele dividir o espaço com os outros, se qualquer situação é estopim para a explosão da agressividade, ele sequer deveria entrar no veículo e assumir a direção”, afirma Eduardo Biavati.
FRUSTRAÇÃO VERSUS RAIVA
O psicólogo explica ainda que a agressividade é uma característica de personalidade, moldada desde a infância, e a maneira pela qual lidamos com a frustração tem uma íntima ligação com a raiva. “Se tivermos uma frustração muito tênue, rasa, a chance de lidarmos negativamente com as situações será muito maior. A fila do banco não está andando como gostaria, o carro da frente não dá passagem. É preciso repensar: vale a pena se mobilizar tanto assim e encarar o mundo com tanta raiva e agressividade?”, questiona.
Para reduzir esse comportamento agressivo, o importante, de acordo com Araujo, é pensar no mecanismo da raiva e da agressividade. “Quando estamos agressivos, nosso corpo produz hormônios que nos deixam mais alerta. Se utilizarmos essa agressividade para algo positivo, como, por exemplo, reagir bem a uma situação de perigo, lidaremos bem com a questão. Agora, se estamos agressivos e começamos a ficar com raiva ao volante, é importante respirar fundo e se perguntar se vale ou não a pena sentir tudo isso. Viver em constante estado de agressividade não é bom para nosso corpo. Os mesmos hormônios que nos deixam em alerta (a adrenalina e o cortisol) também são os do estresse, e toda essa mobilização pode propiciar o desenvolvimento de diversas doenças, como as cardíacas”, orienta.
Para o mestre em sociologia Eduardo Biavati, é preciso que o motorista crie a consciência da responsabilidade real de cada condutor pela sua vida e pela de todos os outros no trânsito. “Essa é uma consciência frágil, atualmente. Ninguém se sente responsável pelo outro, e não é raro um motorista que dirigia em velocidade, completamente distraído com seu Smartphone, atropelar um pedestre ou derrubar um ciclista e ainda culpar a vítima por não ter tomado cuidado na hora de atravessar a rua”, aponta o especialista ao ressaltar ainda que caberia ao longo processo de formação da cidadania - que passa pela escola - controlar, fiscalizar e punir o comportamento agressivo que perpassa o trânsito. “Acontece que não existe educação sem a repressão eficiente das condutas agressivas. A agressividade no trânsito vive da impunidade, da certeza de que a vigilância sobre a conduta é fraca, de que há falta de radares e ausência de policiais”, finaliza.
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