Na contramão do transporte
Enquanto empresários do setor atuam com afinco em busca de sustentabilidade financeira, concessionárias de rodovias faturam valores recordes e lideram ranking de arrecadação
A- A A+Quantia vultosa – R$14.508.553.000,00 –, com diversas casas decimais, revela a arrecadação de pedágio no ano passado. Dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) mostram o crescimento favorável nos últimos anos: em 2012, o montante obtido por meio da cobrança da taxa foi de R$ 13.401.867,00 e, no ano anterior, R$ 12.105.804.000,00.A título de comparação, o montante de pedágio arrecadado em 2013 ultrapassa os faturamentos anuais de instituições bancárias como Bradesco, Santander e Caixa.
“Os números são estarrecedores. Sem dúvida, ser concessionária de pedágio é um dos melhores negócios atualmente, pois se cobram taxas abusivas, utiliza-se pouca mão de obra e a prestação de serviço não corresponde ao valor cobrado, ficando muito aquém do que deveria”, critica o deputado federal Nelson Marquezelli (PTB/ SP).
A opinião é de quem conhece. Durante seus quatro primeiros mandatos, Marquezelli envidou esforços para a agricultura brasileira. Agora, nesta legislatura, o transporte rodoviário é seu o foco de atuação. Nesse sentido, realiza diversos estudos sobre o tema e reuniões com representantes do setor, buscando conhecer as adversidades. “Durante encontros com os profissionais da área, especialmente do agronegócio, escuto reclamações sobre o impacto do pedágio nos custos, sendo as taxas cobradas no Brasil as mais caras do mundo.”
Na rodovia Florida’s Turnpike, nos Estados Unidos, o preço por quilômetro rodado é de R$ 0,076, enquanto a média nas estradas paulistas é de R$ 0,111, ou 46% superior ao da rodovia americana.Além disso, na Florida’s Turnpike, há o SunPass, que é um dispositivo colocado no automóvel que garante a passagem direta pelo pedágio. É como o Sem Parar, mas o SunPass garante desconto médio de 20% para o usuário. Assim, o pedágio fica bem mais barato para quem o utiliza.
No caso das rodovias italianas (R$0,134), elas são mais baratas do que as rodovias Anchieta (R$0,159), Imigrantes (R$ 0,152) e Castello Branco (R$ 0,145), enquanto a Bandeirantes (R$ 0,135) e a Anhanguera (R$ 0,132) têm valores próximos aos da Itália.
GRANDE SÃO PAULO, ALTO VALOR
A partir das comparações, o Estado de São Paulo, com 19 praças de pedágio, ocupa lugar de destaque na lista das taxas mais caras e, consequentemente, de lucratividade. Segundo a ferramenta “Pedagiômetro”, que estima em tempo real a arrecadação nos pedágios paulistas, o faturamento é de R$ 168,09 por segundo, ou seja, R$ 605.124,00 por hora, R$ 14.522.976,00 por dia e R$ 435.689.280,00 por mês.
No Brasil, os modelos de concessão adotados pelos governos federal e estaduais diferem entre si. O Programa de Concessões de Rodovias Federais, desde o seu início, em 1994, tem adotado como critério de decisão o valor do pedágio, vencendo aquele que oferecer a menor tarifa para a prestação do serviço. Esse modelo prioriza basicamente a aplicação de recursos na conservação, na recuperação e na operação das rodovias, sem a exigência de grandes investimentos em melhorias ou ampliações dos trechos concedidos.
No caso das concessões estaduais, principalmente as realizadas pelo governo do Estado de São Paulo, na primeira fase do programa, em 1997, adotou-se a concessão com pagamento de outorga, tendo o valor do pedágio sido fixado com base na tarifa quilométrica praticada até então pela Dersa, considerando o trecho de cobertura de cada praça (TCP). Já na segunda fase, licitada em 2008, os vencedores foram aqueles que, além de desembolsarem um valor de outorga fixado, ofereceram a menor tarifa.
Contudo, estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) concluiu ganho indevido das empresas que exploram o pedágio em São Paulo de R$ 2 bilhões até 2012. A Artesp solicitou a revisão de aditivos contratuais relativos a 12 concessionárias de rodovias, por meio da atualização de índices e de procedimentos na gestão. “A partir do resultado, a Artesp abriu processos administrativos de invalidação de termos aditivos desses contratos em análise. Eles estão resultando agora em ações judiciais, formalizadas por meio de ações da Procuradoria Geral do Estado. Por questões de sigilo judicial e segurança jurídica, a Artesp não comenta fatos relativos à supervisão permanente do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de rodovias”, explica Rafaela Pires, da Assessoria de Imprensa da Agência.
Nesses 15 anos de concessão, análise realizada pelos assessores do deputado Marquezelli revelam que o aumento da arrecadação foi de 1.498% – R$ 907.720.000,00 em 1998 e R$ 14.508.533.000,00 em 2013. Nesse mesmo período, o tráfego pedagiado teve variação de 606%, ou seja, no primeiro ano, foi de 230.103.812 e em 2013 chegou a 1.625.546.897. O crescimento da movimentação do fluxo de veículos somado ao índice de correção que rege os contratos de concessão gera o percentual de 855%,
valor inferior ao 1.498% apurado.
Diante de tamanha incoerência, o parlamentar publicou uma carta aberta ao governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin Filho, apelando para vetar todo e qualquer aumento de pedágios em rodovias estaduais privatizadas. “(...) E o faço, Senhor Governador, por entender que os contratos acertados entre o governo do Estado e as empresas concessionárias de exploração das rodovias paulistas não previam o grande aumento de fluxo nos últimos cinco anos, resultando num superfaturamento das empresas concessionárias. O caminhoneiro, o comerciante, o industrial e os paulistanos não suportam pagar qualquer aumento de pedágio. Ao contrário, Vossa Excelência deveria propor uma redução dos valores cobrados atualmente. Os contratos de concessão de rodovias contêm cláusulas que prejudicam a população paulista, pois, repito, o aumento de fluxo de veículos transitando pelas estradas pedagiadas no Estado de São Paulo fez a arrecadação aumentar em números não condizentes com o espírito do processo de privatização. Os pedágios no Brasil são os mais caros do mundo, e as obras de melhoria dos 6.400 km da malha paulista concedida à iniciativa privada não foram realizadas a contento. Nem o crime organizado tem uma taxa de retorno igual em tão pouco tempo! Revisão já dos contratos de concessão das rodovias paulistanas!”
PESO-PESADO
Atualmente, mais de 15 mil km estão sob responsabilidade da iniciativa privada. As empresas, em troca do pedágio, devem cuidar da conservação e sinalização das rodovias, além de fornecerem serviços adicionais como atendimento mecânico, socorro médico, instalação de cabines telefônicas a cada quilômetro, reaparelhamento da Polícia Rodoviária, previstos no contrato de concessão.
Segundo levantamento do portal www.estradas.com.br, 5 mil usuários avaliaram o valor do pedágio e 92% acham caro, 6% justo e apenas 2% barato. Se os serviços fossem realmente prestados, talvez o valor da cobrança se justificasse. Além disso, a fiscalização das concessionárias de rodovias deixa a desejar.
O Projeto de Lei 7.547/10, proposto pelo deputado Marquezelli, prevê a redução de 50% do pedágio cobrado de veículos de carga como caminhões em rodovias federais. “São um verdadeiro absurdo as taxas cobradas, causando um aumento de preço de todos os produtos transportados por vias rodoviárias, e esse custo adicional sempre é repassado para o consumidor final. Além de aumentar os ônus dos transportadores de carga do país, esse corte de 50% dos pedágios vai aliviar as contas dos transportadores e diminuir os preços.
COBRANÇA INDEVIDA
Outra adversidade enfrentada pelos transportadores refere-se à cobrança de pedágio de caminhões com eixo suspenso. O veículo que trafega vazio – com um ou dois eixos erguidos e, consequentemente, sem tocar o asfalto da rodovia – efetua o pagamento integral do pedágio. Se o caminhão não tem o peso suficiente para justificar o uso de todos os eixos, certamente deveria pagar apenas sobre os utilizados, enquanto, na realidade, os pedágios são cobrados integralmente.
Entre-Vias contatou a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) para apurar os critérios de cobrança e outras informações. Contudo, não obteve retorno. Em pesquisa, verificou-se que existem decisões, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinam a cobrança por eixos suspensos pela categoria de veículo.
O advogado especialista em direito no trânsito Marcelo José Araújo produziu um artigo que subsidiou um projeto de lei para o Estado de São Paulo proibindo a cobrança de pedágio com eixo suspenso. “A argumentação das concessionárias seria de que os caminhoneiros iriam até um pouco antes da praça de pedágio com todos os eixos baixados, quando, num toque de botão, elevariam o eixo para se beneficiar, numa atitude maliciosa. Aqui fazemos uma análise sobre o momento em que o valor é cobrado, nos critérios da espécie do veículo e da quantidade de eixos, e concluímos que isso se dá no momento da passagem pela praça de pedágio, independentemente do que aconteceu antes dessa passagem ou acontecerá depois. Se um veículo transitar pela rodovia, mas efetuar o retorno antes do pedágio, terá usufruído e nada pagará.”
Aqueles que se sentirem lesados podem entrar na Justiça contra as concessionárias para reverter a cobrança. “Em cada situação individualizada, deverão demonstrar que no momento da passagem o eixo
estava elevado e que não havia carga que motivasse estar em contato com o piso”, orienta o advogado.
O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou a emenda, sugerida pelo PTB, à proposta que reformula a lei de descanso dos caminhoneiros (projetos de lei 4246/12 e 5943/13) e incorporou ao texto a isenção de pedágio para reboques e semirreboques. O deputado Nelson Marquezelli ressalta que essas
pautas são prioritárias, e os profissionais do transporte podem se sentir representados por ele.
FISCALIZAÇÃO
Não são de agora os desafios de transportadores e da sociedade quanto aos pedágios. Em 2011, foi protocolado um pedido de implementação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de São Paulo para investigar a gestão das concessionárias e as denúncias sobre a prestação de serviço e os valores praticados. Finalmente, em abril deste ano, foi aprovado o requerimento para a instalação de CPI do tema.
No Sul do país, a apuração está mais avançada. No dia 3 de junho, a CPI do Pedágio, instalada em julho do ano passado na Assembleia Legislativa do Paraná, votou e aprovou o relatório final que faz uma série de recomendações ao governo do Estado. Entre elas, que o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) cumpra seu papel e passe a fiscalizar com rigor a execução das obras que deverão ser feitas pelas concessionárias de pedágio até o final do contrato assinado em 1997. Outra indicação é que o DER publique, num prazo de 45 dias, todos os atos que fizeram modificações no Programa de Exploração de Rodovias (PER).
O relatório da CPI pede ainda que seja feita uma investigação profunda da existência de fraude ou lavagem de dinheiro operacional por meio de superfaturamento de obras ou terceirização de serviços. A investigação poderá ser feita pelo Ministério Público Federal (MPF), que instituiu uma força-tarefa para analisar o pedágio no Paraná.
Cabe, neste momento, torcer para a regularização de um sistema nacional de concessão justo na prestação do serviço e na cobrança do valor.
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