NOVO MANDATO, DESAFIOS DE SEMPRE

Presidente da República do Brasil eleito, Jair Bolsonaro encontrará questões estruturais a ser resolvidas do tamanho da malha rodoviária do país

Capa / 17 de Dezembro de 2018 / 0 Comentários
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Eleito presidente da República em 28 de outubro, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PSL) tem desafios nos âmbitos da infraestrutura e da mobilidade em seu mandato. Tudo indica que o novo Ministério de Infraestrutura englobará a pasta dos Transportes, Portos e Aviação Civil – além de cuidar de temas como recursos hídricos e desenvolvimento regional – e contará com um dos orçamentos do governo federal mais vultuosos: em 2018, o recurso foi de R$ 20,2 bilhões (esse valor destinado somente a transportes, portos e aviação civil).

Diretamente proporcional ao montante está a complexidade das questões a ser enfrentadas. Talvez uma das maiores seja a deficiência de investimentos em infraestrutura, que prejudica toda a cadeia produtiva brasileira. Segundo cálculos da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), são necessários R$ 1,7 trilhão para a adequação e a expansão da malha viária nacional.

A confederação elaborou o documento “O transporte move o Brasil: proposta da CNT aos candidatos”, que apresenta as principais demandas do setor. Segundo o material, “(...) o próximo presidente do Brasil precisará aprimorar a política pública de transportes e infraestrutura brasileira, além de garantir a segurança jurídica para os investidores privados. É primordial que se entendam o transporte e a logística como indutores da economia e promotores do crescimento do setor produtivo. Além disso, o presidente eleito deverá valer-se de uma visão sistêmica sobre o setor transportador. Temas como legislação tributária, reforma da Previdência, política de preços dos combustíveis, segurança pública e investimentos deverão ser pautas constantes nos próximos quatro anos”.

O novo presidente sinalizou, em seu plano de governo, que deverá conferir status de agenda prioritária ao segmento de transporte e infraestrutura. Para isso, pretende investir decisivamente na desburocratização e na simplificação de processos. A premissa fundamental do programa é que o baixo risco regulatório possa atrair investimentos e, por consequência, aplacar o desemprego e reduzir custos. 

Em publicação no Twitter, Bolsonaro defendeu a integração de rodovias e ferrovias para aprimorar o transporte de cargas no país. “A melhoria nesse setor vai além das estruturas portuárias e deve ter integração com uma vasta malha ferroviária e rodoviária, ligando as principais regiões, assim como é feito em outros países”, disse.

O presidente da Associação de Prevenção de Acidentes e de Assistência aos Amigos e Cooperados da Coopercemg (Apacoop), Rogério Batista do Carmo, define o atual momento como “incógnita”: “Não sabemos o que poderá acontecer. No plano de governo do presidente eleito, não há propostas para o transporte rodoviário de cargas. Além disso, ele não tem experiência administrativa que sinalize as políticas públicas. É preciso aguardar”. 

Pleitos legítimos

O transporte rodoviário apresenta vantagens em relação aos outros modais e gera maior riqueza entre os segmentos. Dados da Pesquisa Anual de Serviços (PAS), publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que as empresas de transporte rodoviário de passageiros e de cargas respondem por 55,5%5 da receita operacional líquida e por 52,6%6 do Produto Interno Bruto (PIB) do setor.

Essa preponderância na matriz de transporte e na geração de riquezas é um dos fatores que explicam o porquê de o transporte rodoviário ser elemento fundamental para todas as cadeias produtivas, seja de forma direta, seja indireta.

Apesar de sua importância para a sociedade e para a economia brasileira, o transportador rodoviário enfrenta diversos problemas para ofertar seus serviços. Elemento fundamental para a viabilidade da atividade transportadora, a infraestrutura rodoviária brasileira é escassa, pouco densa e de má qualidade.

O Sistema Nacional de Viação (SNV) registra a existência de 1.735.621 km de rodovias no país, e somente 212.886 km (12,3%) são pavimentados, sendo muitos deles com baixa qualidade para a realização do transporte de forma segura e eficiente. Uma infraestrutura deficitária eleva custos para o segmento e, consequentemente, para a nação. Apenas as inadequações relacionadas à qualidade do pavimento aumentam o custo operacional do transporte rodoviário de cargas em 27%. Essa condição se deve ao aumento do consumo de combustíveis, pneus e lubrificantes, bem como à necessidade de manutenções mais frequentes e mais onerosas nos caminhões.

Alternativas precisam ser pensadas para as ferrovias

Além do incremento nos custos operacionais, as deficiências nas rodovias reduzem a segurança viária e evidenciam a correlação entre a qualidade da infraestrutura e a ocorrência de acidentes rodoviários. 

Vitória no Marco Regulatório

Segurança e regulamentação das atividades do setor são premissas em uma conquista importante instituída em 2018. O Marco Regulatório do Transporte Rodoviário de Cargas no Brasil foi aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados no dia 20 de junho. O novo texto é um substitutivo do deputado federal Nelson Marquezelli (PTB-SP) ao Projeto de Lei 4.860/16, da deputada federal Christiane de Souza Yared (PR-PR), e está apensado ao PL 1.428/99. Na época da votação no Plenário da Câmara, o deputado federal Jair Bolsonaro se posicionou a favor da matéria.

A matéria segue para o Senado e vai tramitar como PLC 75/2018, que será analisado primeiramente pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e, depois, pelas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Infraestrutura (CI).

Sem dúvida, a implementação do marco é um dos pleitos mais legítimos da categoria, pois estabelece novas diretrizes do setor de forma mais moderna e justa, oferecendo melhores condições de atuação de todos os envolvidos.

Com 91 artigos, o Marco Regulatório estabelece regras de segurança nas estradas, infrações e condições de contratação de transportadores, como pagamento, seguros e vale-pedágio. As determinações valem para caminhoneiros autônomos, empresas de operação logística, transportadores de carga própria, cooperativas e empresas transportadoras de cargas e de valores, que ficam divididos de acordo com o número de veículos de carga e a capacidade de transporte em toneladas.

Para o deputado federal Nelson Marquezelli, é um marco jurídico que abrange as esferas econômica e social, oferecendo segurança. “Contemplamos os verdadeiros atores da área e eliminamos aqueles que não são do setor, como, por exemplo, os que cobram comissões e sublocam fretes. Foram contempladas ações para oferecer segurança aos transportadores, às empresas, às cargas e à sociedade. Estão regulados os eixos suspensos, o exame toxicológico para todos os motoristas, entre outros aspectos”, disse o parlamentar à Entrevias em junho deste ano.

O presidente da Apacoop, Rogério Batista do Carmo, pontua que o marco é uma das principais conquistas do segmento. “Um dos principais avanços do marco é estabelecer atribuições claras para os verdadeiros atores da cadeia produtiva do transporte rodoviário de cargas. A definição de funções deixou claro o papel de cada um e trouxe um entendimento de que todos são importantes e serão beneficiados”, afirma. Contudo, ele ressalta a importância de implementá-lo. 

Parâmetro no frete

Outra conquista importante neste ano foi a implementação da Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas. Os plenários do Senado e da Câmara dos Deputados aprovaram, no dia 11 de julho, a matéria, que tem como objetivo promover condições razoáveis à realização de fretes no território nacional, de forma a proporcionar a adequada retribuição ao serviço prestado.

Para a execução dessa política, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deverá publicar a tabela com os preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, consideradas as especificidades das cargas.

No dia 22 de novembro, a ANTT publicou no “Diário Oficial da União” (“DOU”) resolução com novos preços mínimos para o frete rodoviário. O documento diminui os valores em relação à última atualização da tabela, realizada em setembro deste ano. “A redução varia de 1,2% a 5,32%, dependendo do tipo de carga e da distância percorrida”, informou a ANTT por meio de nota à imprensa.

A mudança foi necessária por causa da variação no preço do óleo diesel no fim de outubro. A lei que criou a Política dos Pisos Mínimos do Frete prevê alteração na tabela sempre que houver oscilação superior a 10% no preço do combustível no mercado nacional, para mais ou para menos.

A ANTT passou a poder multar neste mês as empresas que contratam o serviço de frete rodoviário ou os motoristas prestadores de serviço por descumprimento da tabela de valores com o piso mínimo. A partir de agora, a multa passa a variar de R$ 550 a R$ 10,5 mil. Se a empresa contratar o serviço de transporte rodoviário de cargas abaixo do piso mínimo, terá punição específica, de duas vezes a diferença entre a soma paga e o piso devido ao motorista, dentro da faixa de valor mínimo e máximo. O transportador que fizer o serviço abaixo do que prevê a tabela também poderá pagar uma multa de R$ 550. (leia mais na página 28).

Quem anunciar ofertas de contratação de transporte rodoviário por um valor abaixo do piso também poderá ser multado em R$ 4.975. Impedir ou obstruir o acesso a informações e a documentos solicitados pela ANTT para a fiscalização pode render a contratantes, transportadoras, agentes de mercado ou recrutadores uma punição de R$ 5.000. 

Impacto do diesel

A diretriz da política é fazer com que o frete definido reflita de fato os custos operacionais totais do transporte, com prioridade para o impacto do óleo diesel e dos pedágios. O diesel representa em torno de 30% da planilha que forma o preço do frete.

Segundo o plano de governo do novo presidente, “os preços praticados pela Petrobras deverão seguir os mercados internacionais, mas as flutuações de curto prazo deverão ser suavizadas com mecanismos de hedge apropriados (transações que visam proteger contra um possível prejuízo da oscilação de preços). Ao mesmo tempo, deveremos promover a competição nos setores de óleo e gás, beneficiando os consumidores. Para tanto, a Petrobras deve vender parcela substancial de sua capacidade de refino, varejo, transporte e outras atividades onde tenha poder de mercado. (...) Na formulação do preço da energia, inclusive dos combustíveis, há uma forte influência dos tributos estaduais, que precisarão ser rediscutidos entre todos os entes federativos, com o objetivo de não sobrecarregar o consumidor brasileiro”.

Contudo, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) sinalizou uma nova oportunidade para antecipar o fim do programa de subsídio ao diesel, do governo federal, na virada de novembro para dezembro. A política negociada com a categoria na época da paralisação dos caminhoneiros já foi praticamente zerada na maior parte do país devido a regras do programa que calculam a subvenção diariamente, de acordo com preços externos. Apenas nas regiões Norte e Nordeste permanecem alguns centavos por litro de subsídios.

Em relatório, a ANP pontua que o valor de referência do combustível fóssil apresenta neste mês redução de R$ 0,2732 por litro, bem próximo ao subsídio de 30 centavos que o governo se dispôs a oferecer até o fim do ano. De outro modo, há o risco de o preço do diesel subir após o fim do programa. 

Autônomos têm baixa capacidade de aquisição de veículos novos

Carga pesada

No Brasil, o segmento de transportes enfrenta, basicamente, dois tipos de problemas ligados à tributação de imposto, os quais podem comprometer a saúde financeira de qualquer empresa. O primeiro deles é a alta carga tributária – hoje o país é um dos líderes mundiais em tributação no setor. O segundo é a complexa legislação tributária, que gera dificuldades de manter as obrigações em dia.

Segundo o Banco Mundial, a burocracia tributária coloca o Brasil no topo dos países que mais desperdiçam tempo calculando e pagando impostos: são 1.958 horas de trabalho de uma empresa de médio porte desperdiçadas anualmente.

Nesse sentido, é urgente a necessidade de simplificação do sistema tributário nacional sem elevação da carga tributária nacional e que proporcione tratamento diferenciado aos serviços de transporte, uma vez que eles são essenciais para a promoção do desenvolvimento nacional. 

Renovação da frota

Outra medida que contribui para a redução do custo do transporte rodoviário de cargas é a condição do caminhão. Veículos mais novos e modernos são mais econômicos em relação ao consumo energético e, por sua vez, emitem menos gases de efeito estufa e poluentes. A renovação da frota com a utilização de caminhões que dispõem de tecnologias embarcadas assistidas pode aumentar ainda a segurança na direção veicular, evitando, assim, acidentes e possíveis fatalidades.

A situação da frota nacional de transporte rodoviário de cargas acaba gerando prejuízos socioambientais e econômicos significativos. Hoje, o transporte de carga contempla 1.078.67344 veículos pesados, com média de idade significativamente elevada. A situação é particularmente grave no transporte realizado por caminhoneiros autônomos, em que os veículos de peso bruto total (PBT) de 8 a 29 toneladas apresentam média de 23,4 anos.

O agravante dessa situação está na reduzida capacidade de investimento dos caminhoneiros autônomos na aquisição de veículos novos. Nesse sentido, é imprescindível que uma eventual nova fase do Proconve P8, que antevê veículos menos poluentes e mais seguros, seja conciliada com preços atrativos, que possibilitem a efetiva compra desses veículos. É fundamental a criação de um programa nacional de renovação de frota de veículos pesados, com taxa de financiamento diferenciada, que retire de circulação veículos antigos. 

Segurança

Outra frente referente à segurança dos transportadores são a prevenção e o combate ao roubo de cargas. A cada 23 minutos, um caminhão de carga é roubado no país. A violência leva a aumentos em cascata: dos seguros, dos custos das transportadoras e dos preços cobrados pelos produtores. Estudo sobre o impacto econômico do roubo de cargas, divulgado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), mostra que essas ocorrências podem elevar os preços dos produtos em até 35%. Os roubos acontecem, principalmente, nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, detendo essas regiões 81% de todas as ocorrências. Na lista dos dez países com o maior índice de roubo de cargas, o Brasil ocupa a sexta posição como o mais perigoso.

Segundo especialistas, o problema mais preocupante é a fragilidade das leis brasileiras. O arcabouço jurídico tem penas muito brandas para aqueles que participam desse tipo de crime. Os praticantes do ato têm a sensação de impunidade, e os receptadores de cargas não são atingidos.

Com a sanção do Marco Regulatório do Transporte Rodoviário de Cargas no Brasil e sua implementação, renova-se a esperança de prevenção e combate a esse tipo de crime, visto que estão previstas penalidades nos casos de desvio e receptação de mercadorias e roubadas. A nova regulamentação do setor também prevê políticas de monitoramento e renovação de frota, inspeção veicular e outras diretrizes fundamentais para a atuação mais moderna e justa dos profissionais do transporte.

Em seu artigo 13, o projeto de lei do marco autoriza as associações e as cooperativas de transporte rodoviário de cargas a operarem o auxílio mútuo por meio de autogestão e rateio dos prejuízos nos casos de roubo, furto, colisão e incêndio de veículos dos transportadores, proporcionando a seus respectivos associados e cooperados a prevenção e a reparação dos danos sofridos ou provocados por eventos ocorridos.

A diretoria da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores (Fenacat) participou ativamente da construção do projeto desde 2016 com o objetivo de mostrar a atuação e esclarecer o papel dessas instituições. “Tive a oportunidade de conversar com o deputado federal Jair Bolsonaro, que apoia a causa dos caminhoneiros e, certamente, a da Fenacat, que está contemplada no novo marco”, ressalta a assessora jurídica da federação, Virginia Laira.

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