O risco de uma tradição acabar
Artesãos que comercializam produtos às margens da BR-381 estão ameaçados de perder os postos de trabalho devido a pedido de liminar feito pela Autopista Fernão Dias para retirada imediata
Famílias inteiras se mantêm com a renda gerada pelo artesanato
Eles trabalham das 6h às 18h produzindo e vendendo colchas, tapetes, cobertores e outros produtos que são fruto de uma tradição de mais de 50 anos. Passada de pai para filho, a arte da tecelagem feita por artesãos da comunidade de Pedras, no município de Itatiaiuçu, há aproximadamente 75 km de Belo Horizonte, sustenta dezenas de famílias da região. O trabalho é exposto e vendido às margens da BR-381 e agora está ameaçado de não existir mais. Isso porque a Autopista Fernão Dias ajuizou ações na Justiça para retirar os artesãos das margens da rodovia, alegando que a ocupação é irregular.
Segundo a concessionária, a retirada dos artesãos das margens da rodovia é responsabilidade prevista no contrato de concessão, que estabelece a obrigatoriedade de desocupações da faixa de domínio. Ainda, de acordo com a concessionária que administra a BR-381, a determinação obrigatória tem como finalidade a segurança dos usuários da rodovia e dos artesãos. A Autopista também informou que, desde que assumiu a administração da via, vem tentando, amigavelmente, a desocupação da faixa de domínio.
Com pesar e lágrimas nos olhos, Margarida Maria Andrade, 55, recebe a reportagem de Entre-Vias em sua residência humilde e sustentada pelo dinheiro do artesanato. “O dinheiro da nossa sobrevivência vem disso, não tem como eles nos tirarem das margens da BR. Essa é a nossa única renda, não temos outra. Se pararmos de vender o artesanato, vamos viver de quê? E, enquanto o processo está correndo, como vamos sobreviver? Meu sentimento é de revolta, porque somos trabalhadores e honestos. Graças a Deus, nunca sofremos nenhum acidente enquanto estávamos vendendo os produtos nas margens da BR”, conta.
O marido de Margarida, Custódio de Andrade, 60, também se emociona e lamenta por ter sido obrigado a parar de comercializar o artesanato em seu posto de trabalho, que ficava às margens da BR-381. “Estamos há quase dois meses parados por não poder vender nosso artesanato lá. Tenho diabetes há quase 15 anos e falaram que essa doença não é motivo para me aposentar, vou ter de esperar mais cinco anos para receber o benefício. Nesse último mês, ficamos desamparados, porque não temos onde vender o artesanato”, lamenta.
Há 20 anos, José Geraldo da Silva, mais conhecido como Zequinha, vende as mercadorias às margens da BR e alega nunca ter sofrido nenhum acidente. Em fevereiro, o vendedor que tinha barraca nos dois sentidos da BR-381 recebeu uma notificação para retirar suas mercadorias do posto de trabalho no sentido de Belo Horizonte e desocupar o lugar. Três dias depois, um caminhão com alguns homens retirou todo o material. “Vendo meus produtos há duas décadas e só sei fazer isso. Como vou sustentar minha família se não continuar vendendo o artesanato?”, questiona. O vendedor ainda continua comercializando os produtos no sentido São Paulo, mas teme que a qualquer momento tenha de sair do local.
Segundo Farid Júnior, advogado que representa cinco dos oito artesãos que receberam as notificações, a Autopista Fernão Dias entrou com pedido de reintegração de posse com demolição de construção e pedido de liminar para retirada imediata. O advogado ressalta que a maioria dos pedidos foi negada e apenas dois, o caso do senhor José Geraldo e o de Custódio, foram julgados e aprovados. “Não significa que perdemos a causa, já entrei com recursos, e os processos ainda estão em julgamento”, revela o advogado.
A família de Aparecida Custódio de Oliveira Silva e Ademir Manoel da Silva é sustentada pela renda advinda do artesanato. “Dependo disso aqui, meu marido, meus dois filhos, além de várias famílias da comunidade. Desde nossos avôs, o artesanato é feito e vendido aqui. Se proibirem nosso trabalho, vão acabar com nossa única fonte de renda”, ressalta Aparecida. A artesã afirma que a família consegue uma renda de até dois salários em meses de férias, como janeiro, e em época em que as vendas são menores o artesanato rende cerca de um salário mínimo para a família. “Aprendemos a trabalhar com o tear muito cedo e só tivemos a oportunidade de fazer isso até hoje. Acho que é muita injustiça o que estão fazendo com a gente”, revela a artesã.
Vladimir Silva, 18, filho de Aparecida e Ademir, aprendeu com a mãe o ofício do artesanato. “Esse trabalho foi passado de geração em geração. Meus bisavós iniciaram o ofício, meu pais ensinaram a mim e a minha irmã. É uma tradição da comunidade de Pedras, aqui em Itatiaiuçu. Como as famílias vão se sustentar se esse trabalho acabar? A Autopista alega que é para nossa segurança, mas nunca aconteceu nenhum acidente com os artesãos durante o trabalho às margens da BR”, revela.
Segundo o prefeito de Itatiaiuçu, Matarazo José da Silva, a prefeitura apoia os artesãos. “As pessoas já estão desenvolvendo esse trabalho há mais de 50 anos, e o órgão está empenhado em dar uma solução paliativa para o caso”, afirma o gestor municipal.
Vladimir e a mãe, Aparecida, tecendo. O trabalho é totalmente manual
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