Otimistas, mas com cautela
Transportadores iniciam 2018 ano com perspectivas positivas sobre a economia, mas ainda olham para o retrovisor. Em 2017, crescimento foi lento, mas empresas começaram a se recuperar da recessão econômica.
A- A A+Ano em que a economia brasileira chegou ao fundo do poço. Com essa analogia, especialistas avaliaram 2017 – que apresentou significativa queda nas taxas da inflação e política monetária mais ativa de redução nas taxas de juros. Houve estímulo à economia com a liberação para saque dos valores das contas inativas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que injetou R$ 44 bilhões no mercado de abril a julho e ajudou o consumo das famílias a voltar a crescer no segundo trimestre de 2017, após nove trimestres em queda. Esse estímulo – somado à expansão da renda real do trabalho, à queda da taxa de juros com o aumento das concessões de crédito às pessoas físicas e à redução da taxa de desemprego (inicialmente pelo aumento das ocupações informais) – impulsionou a recuperação do consumo.
Contudo, o ano fechou com baixa taxa de investimento, pois ainda há considerável capacidade ociosa na indústria nacional, e a construção civil foi muito afetada pela restrição do investimento público em infraestrutura e pelas dificuldades de financiamento em longo prazo.
Como um dos principais motores do desenvolvimento, o transporte rodoviário de cargas sentiu o impacto. “O ano de 2017 foi um período de adaptação e de sobrevivência, sem falar na enorme expectativa com a política, a economia e as decisões judiciais”, ressalta o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Setcemg), Gladstone Lobato.
A Sondagem Expectativas Econômicas do Transportador 2017, divulgada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), mostra que a maioria dos empresários de transportadoras abordados (76,3%) informou aumento no custo operacional, 32,8% revelou ter registrado queda de receita e 42,3% disse que a produtividade se manteve estável em 2017. “Sem dúvida, foi um ano difícil, com pesado impacto nas receitas devido ao alto custo operacional, especialmente com o combustível”, salienta o presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Marcio Arantes.
A consideração do representante do setor é corroborada pela pesquisa. Segundo a sondagem, os empresários perceberam aumento no preço dos principais insumos empregados na prestação de seus serviços: aquisição de combustíveis (84,4%), lubrificantes (75,8%), pneus (74,1%) e energia elétrica (74,0%).
Combustível
No que tange ao combustível, a nova política de preços da Petrobras, que entrou em vigor em julho de 2017 e permite a essa empresa realizar ajustes diários nos preços de venda dos combustíveis das refinarias às distribuidoras, não foi bem recebida pelo setor transportador. Os resultados mostram que 84,2% das empresas de transporte não concordam com essa política e que 87,5% delas não perceberam, após a vigência da nova regra, queda nos preços.
De fato, entre junho e novembro de 2017, houve um aumento de 9,6% no preço médio de revenda do óleo diesel no Brasil, passando de R$ 2,97 para R$ 3,26 por litro, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) (leia mais na matéria de economia).
Além disso, nesse contexto, é importante destacar que, também em julho do ano passado, o governo federal publicou o Decreto 9.101/2017, aumentando o PIS e a Cofins sobre combustíveis. A tributação sobre o diesel foi majorada em R$ 0,25 centavos por litro, passando de R$ 0,21 para R$ 0,46.
“A política de preço da Petrobras, juntamente com o aumento do Pis/Cofins, não dá tempo ao transportador de recompor suas tarifas porque estamos retrocedendo ao tempo da inflação indexada. Todo dia tem aumento. Nosso setor vem sofrendo muito já há alguns anos, especialmente com a crise recessiva dos anos 2015 e 2016, e 2017 não foi diferente. Como não existem barreiras de entrada no setor, ficamos fragilizados. Precisamos de controle concentrado das atividades para a entrada de novos players. Não estamos falando de controle de preços, mas de regulações mínimas da atividade. Existe muita aventura que atrapalha o negócio do transporte, e a concorrência predatória reduz drasticamente o poder de negociação com os embarcadores”, analisa o presidente do Setcemg.
Mercado
O exercício para equilibrar as contas, diante do pesado custo operacional, deixou uma lição na opinião do presidente da Associação de Prevenção de Acidentes e de Assistência aos Amigos e Cooperados da Coopercemg (Apacoop), Rogério Batista do Carmo. Ele acredita que as empresas que saíram dessa crise estão mais fortalecidas. “A gestão deve ser cada vez mais profissionalizada, com pleno controle das receitas e das despesas. No meu caso, aprendi que vou evitar dívidas de longo prazo”, diz.
Os dados da sondagem indicam que a atividade começou a se recuperar em 2017. Apesar disso, 31,9% dos participantes revelaram que o desempenho de suas empresas foi inferior ao estimado, e, questionados sobre a receita bruta, 50,1% dos entrevistados afirmaram que apenas mantiveram o nível de faturamento. Contudo, 19,7% deles já registraram crescimento em relação a 2016. Isso foi possível dado o aumento do número de viagens - que cresceu para 31,2% das empresas participantes -, fortalecendo a percepção do início de uma lenta e gradual retomada da atividade econômica brasileira.
No que se refere à utilização dos veículos, os entrevistados declararam uma redução da ociosidade. Do total, 54,3% dos transportadores rodoviários de cargas participantes da sondagem afirmaram que, em mais de 20,0% das viagens de 2016, seus veículos circulavam vazios. Já em 2017, esse percentual caiu para 41,4%. Questionados diretamente sobre o percentual de viagens vazias, 14,7% dos transportadores revelaram que perceberam queda em relação a 2016.
“houve um ganho de eficiência da operação do transporte entre 2016 e 2017. Também se pôde observar um equilíbrio do mercado, em que resistiram à crise as empresas que mantiveram gestão profissionalizada e excelência na prestação de serviço”, avalia o presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais, Carlos Roesel.
Infraestrutura
Fundamentais para a realização das atividades, as rodovias continuam na berlinda na opinião dos transportadores. De acordo com eles, as rodovias concedidas apenas mantiveram sua condição (56,5%), enquanto para 49,0% dos participantes as vias públicas pioraram em 2017. De uma forma geral, 84,9% dos transportadores rodoviários entrevistados acreditam que as rodovias utilizadas em seus deslocamentos têm qualidade regular, ruim ou péssima. Além disso, para 59,5% deles, a quantidade de rodovias no país é insuficiente.
A percepção dos transportadores é confirmada pela pesquisa CNT de Rodovias 2017, que revelou piora no estado geral das estradas entre 2016 e 2017. Assim, em 2017, 61,8% das rodovias pesquisadas pela CNT foram consideradas inadequadas, recebendo classificação regular, ruim ou péssima. No que se refere à quantidade de estradas, a pesquisa CNT de Rodovias 2017 apresentou dados do Sistema Nacional de Viação (SNV) que destacam que somente 12,3% da malha rodoviária nacional é pavimentada.
“Em Minas Gerais, temos a maior malha rodoviária do país, e podemos contar nos dedos de uma mão as vias que têm condições de atender aos usuários. Cito como exemplo a BR-381, no trecho de Belo Horizonte a Governador Valadares. Não podemos falar que ali temos estrada, temos um caminho. As obras, em um pequeno trecho, seguem a passos lentos. Na BR-040, da divisa de Goiás até Juiz de Fora (MG), até agora só pagamos pedágio. Não houve nenhum benefício para os usuários. A MG-424, para atravessar os municípios de Matozinhos e Prudente de Morais, dois trechos de 5 km e 2 km, respectivamente, uma carreta tem de superar 37 quebra-molas num trecho total de mais ou menos 55 km”, afirma Lobato.
Ele completa: “veja a situação urbana de nossa capital. Temos um único Anel Rodoviário que atende à integração de BRs de todo o país que cruzam o Estado de norte a sul e de leste a oeste, além de avenidas e ruas de BH que se confundem com BRs. O que uma política deveria fazer? Trabalhar no sentido de tentar reduzir ao máximo os acidentes no Anel com a construção do rodoanel, pelo qual esperamos há 40 anos. Mas não é o que estamos vendo. Para piorar, estão transferindo a conta para o setor com a proibição de tráfego de caminhões, como se houvesse outra via para passar, esquecendo-se que a atividade do transporte é fundamental para a economia”.
As concessionárias de rodovias, notadamente aquelas da terceira etapa do Programa de Concessão de Rodovias Federais, têm enfrentado problemas na gestão de sua malha. Tais dificuldades são reflexos de diversos fatores, entre eles: queda significativa da demanda nas rodovias em decorrência da crise econômica; erros de avaliação da produtividade futura; dificuldades em acessar crédito subsidiado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); problemas de modelagem da concessão, como a concentração das duplicações nos primeiros cinco anos de contrato, e escolha dos vencedores pela menor tarifa cobrada.
Para solucionar esse entrave, o governo federal disponibilizou duas alternativas às empresas: devolver as concessões para que sejam relicitadas ou repactuar o prazo de realização dos investimentos. A Medida Provisória 800/2017, em tramitação no Congresso Nacional, estabelece as diretrizes para a reprogramação de investimentos em concessões rodoviárias federais, que têm, em seus contratos, previsão de concentração de intervenções para adequação da capacidade e melhorias em seu período inicial. Os procedimentos para a reprogramação foram disciplinados pela Portaria 945, de 16 de novembro de 2017, do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.
Segurança
Outro ponto na infraestrutura está relacionado à segurança. Conforme pontuado por 89,8% dos representantes de transportadoras rodoviárias de cargas participantes da sondagem, algum mecanismo para evitar roubos de cargas foi utilizado em suas empresas: rastreamento de veículos via satélite (70,0%), monitoramento de cargas (36,4%) e utilização de sistemas de gerenciamento de riscos (23,1%).
Esse investimento em tecnologia e nos sistemas de gestão é uma estratégia dos transportadores para garantir a integridade de seus empregados, das cargas e dos equipamentos. A necessidade surgiu do aumento de casos de roubos de cargas no país, que, entre 1998 e 2016, teveram incremento de 124,3%. Entre 2015 e 2016, a variação foi de 27,6%, passando de 19.250 casos registrados para 24.563. Estima-se que os roubos geraram prejuízos de R$ 1,36 bilhão para as transportadoras apenas em 2016.
O aumento das ocorrências e, consequentemente, dos prejuízos proporcionados por elas fez com que o preço dos contratos de seguro para a atividade de transporte rodoviário de cargas tivesse aumento nos últimos cinco anos para 83,8% dos entrevistados. Esse acréscimo do valor com seguros tem impacto direto no custo total da atividade, em sua rentabilidade e no preço final do frete.
Destaque do ano
Além do desafio de continuar as atividades no setor, destaque ressaltado por nossos entrevistados em 2017 foi a aprovação do marco regulatório do transporte rodoviário de cargas pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, destinada a proferir parecer do relator, deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), ao Projeto de Lei 4.860/2016, de autoria da deputada Christiane Yared (PR-PR).
“Estamos diante de um marco regulatório do transporte e que pode contribuir significativamente para mudá-lo. Todo transportador deve ficar atento, pois vamos ter regras que nunca foram vistas anteriormente em nossa atividade e que vão exigir de todos nós um longo período de adaptação e aprendizado, além de novas práticas na atividade. Como o empreendedorismo está na alma do segmento, vamos continuar lutando e defendendo nossas empresas, acreditando que o próximo dia será melhor”, destaca o presidente do Setcemg.
Perspectivas
Lobato tem a expectativa de um novo ano muito melhor: “Está mais demandado, e, por esse motivo, temos que pensar mais positivamente. É hora de ter responsabilidade dobrada, recompor nossos fretes, analisar serviços que atendam a nossos objetivos e verificar a viabilidade de cada um, sem não ter receio de descartar os inviáveis”.
Transportadores ouvidos pela sondagem disseram ainda que começaram a se recuperar da recessão econômica que afetou o país nos últimos quatro anos. No entanto, com a retomada da economia em ritmo mais lento do que o esperado, demonstraram baixa confiança na gestão econômica do país e um otimismo cauteloso em relação a 2018. A maioria (86,9%) considerou que a crise política pela qual passa o país afetou negativamente o desempenho do segmento transportador.
A maior partye dos entrevistados (85,4%) não acredita que as ações adotadas pelo governo sejam suficientes para recuperar e adequar a infraestrutura brasileira de transporte. Os motivos mais citados para o atraso das obras de infraestrutura nessa área foram interferência política nas agências do governo (65,2%), excesso de burocracia para o início de obras (54,8%) e dificuldade na obtenção de licenças ambientais (31,3%).
Os representantes das empresas (54,8%) esperam também aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em relação a 2017. Contudo, 38,9% estimam que a retomada do crescimento econômico somente deverá ser percebida em 2019.
As preocupações das empresas transportadoras expressam a necessidade de fortalecimento das políticas públicas de incentivo ao investimento em infraestrutura. A reforma trabalhista foi bem recebida por 66,1% dos entrevistados, e a tributária, apontada como outro passo importante da modernização do Estado brasileiro. Entre os participantes da sondagem, 46,5% disseram que é preciso reduzir a carga tributária, e 20,5% defenderam a simplificação do sistema de cobrança de tributos.
“Os resultados ainda são frágeis, mas os indicadores econômicos asseguram que o Brasil superou a pior recessão econômica de sua história recente. No entanto, para que a retomada do crescimento seja consolidada, em 2018, o governo federal precisa realizar fortes investimentos em infraestrutura de transporte”, diz o presidente da CNT, Clésio Andrade.
Para o presidente do Sintrauto, Carlos Roesel, o aumento da produtividade do setor de transporte gera cada vez mais empregos e renda para a população, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país. Nesse sentido, o presidente da Apacoop, Rogério Batista do Carmo, enfatiza a importância de se continuar trabalhando firme. “Nós atuamos independentemente de ações governamentais. Somos um segmento forte, e tenho boas expectativas com a implementação do marco regulatório”, salienta.
A sondagem da CNT ouviu representantes de 823 empresas de transporte rodoviário de cargas e passageiros, ferroviário de cargas, aquaviário (navegação marítima e interior), aéreo de passageiros e de serviços de transporte urbano de passageiros por ônibus e metroferroviário.
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