PARA O BEM, PARA O MAL
Bloqueadores de sinal, criados para impedir a comunicação em presídios brasileiros, são usados em roubos de cargas e comercializados livremente no país. Eles impedem que transportadoras e donos de caminhões façam o rastreamento do veículo.
A- A A+Um equipamento voltado para o bloqueio de sinais em presídios brasileiros traz sérios prejuízos para o setor de transporte rodoviário de cargas e para a sociedade. Conhecido como Jammer, “chupa-cabra” ou “capetinha”, o instrumento recebeu mau uso na mão de assaltantes e tornou-se meio para o roubo de cargas e de veículos, uma vez que impede o rastreamento do caminhão.
“A literatura diz que seu uso começou nos Estados Unidos e que ele era utilizado pelo FBI (Federal Bureau of Investigation) para o desarmamento de bombas. Os policiais federais levavam o equipamento para impedir que o criminoso acionasse a bomba no momento do desarmamento. Contudo, não comercializavam. O Jammer entrou no mercado de venda por meio de outros países”, conta o assessor de segurança da NTC&Logística, coronel Paulo Roberto de Souza.
Ele explica que no Brasil seu uso é regulamentado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatael) por meio de portarias e pela Lei Geral de Telecomunicações (9.472/1997). Essa legislação diz, em seu artigo 162-A, que são “vedadas fabricação, comércio, utilização, posse, porte, guarda, detenção, importação e aquisição de aparelhos ou equipamentos bloqueadores de sinais de radiofrequência, telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico, sem autorização legal ou em desconformidade com a regulamentação do órgão competente”.
Comércio livre
Na prática, porém, esse aparelho pode ser facilmente encontrado e comprado, inclusive pela internet e com tributação da Receita Federal. Com preços que variam entre R$ 400 e R$ 8.000, os bloqueadores de sinais impossibilitam que o GPS ou qualquer outra forma de rastreamento do veículo envie sua localização, fazendo com que as cargas não sejam encontradas e a criminalidade fique impune.
O uso equivocado do bloqueador traz impactos: coloca em risco a vida do motorista e, já que contribui para o aumento dos assaltos, ajuda a encarecer os custos do transporte para a sociedade. Em 2016, o roubo de cargas causou um prejuízo superior a R$ 1,4 bilhão no Brasil – se forem somados os últimos cinco anos, essa conta passará para R$ 6,1 bilhões – valor 5,1 vezes maior do que o investimento anunciado pelo governo federal em dezembro de 2016 para a modernização e a ampliação do sistema penitenciário brasileiro.
Em uma lista com 57 países, o Brasil é o oitavo mais perigoso no transporte de cargas. Em 44 dias, o Brasil registrou o número total de roubos de cargas nos Estados Unidos e na Europa juntos em um ano inteiro. Em 2016, foram 4.056 casos acima do registrado em 2015. Um roubo de caminhão acontece a cada 23 minutos em todo o território nacional, e o crescimento foi puxado por Rio de Janeiro, com 2.637 registros, e São Paulo, com 1.453 casos a mais que no ano anterior. Juntos, esses Estados representam 87,8% dos registros de 2016.
Insegurança permanente
Associações, cooperativas e empresas de gerenciamento de risco e seguradoras vêm trabalhando intensamente em novos equipamentos com o intuito de frear a ação de ladrões, cada vez mais preparados tecnologicamente. Apesar de terem evoluído bastante nesses últimos anos, os rastreadores de carga mais modernos continuam sendo desligados por Jammers.
O presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais, Carlos Roesel, pontua a importância do gerenciamento de risco: “Nossa instituição acredita nessa forma de prevenção e busca sempre melhorar os processos, investigando novas tecnologias”.
O presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Marcio Arantes, ressalta que a instituição tem investido, cada vez mais, em meios para evitar a eficiência dos equipamentos. “Estamos aprimorando o sistema de rastreamento e já conseguimos evitar o roubo, fazendo com que o caminhão parasse. Contudo, também tivemos situações em que não conseguimos impedir a ação dos criminosos”, relata.
Anderson Cordeiro, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Centro-Oeste Mineiro (Setcom), ressalta que apesar de todo o trabalho desenvolvido pela segurança da carga, infelizmente as quadrilhas são ágeis e tecnologicamente avançadas. “O transporte tem sofrido muito nos últimos anos. Além do aumento no combustível, custos elevados de operação, redução da atividade econômica, empresas em crise, ainda temos que conviver com a insegurança diária”, afirmou.
Em 19 de julho deste ano, a JAF Transportes Rodoviários foi uma das vítimas. De acordo com o procurador da empresa, André Vagner, ladrões abordaram o motorista de um caminhão na rodovia Imigrantes, próximo a São Bernardo do Campo, em São Paulo, e levaram o veículo. Desde então, o rastreador instalado no caminhão passou a não emitir sinal algum.
“É lamentável a situação: uma pessoa séria e lutadora passar por essa dificuldade”, diz Vagner. Segundo ele, o cenário é desolador na região. “É só ficar naquele trecho que toda hora tem novidade de mais uma vítima”, lamenta. Ele calcula que o episódio tenha causado uma perda de, aproximadamente, R$ 260 mil à empresa.
Sócio-proprietário da Transmaia Transportes Rodoviários, Heleno Maia Oliveira vive um problema semelhante. Um dos caminhões da frota dele foi roubado em Barretos, em 2 de agosto, mesma data em que o rastreador parou de emitir sinal. Nesse caso, porém, os ladrões abandonaram a carreta e seguiram no cavalo no sentido de São Paulo. Ainda assim, o empresário calcula um prejuízo de cerca de R$ 280 mil. “Eles passaram por um pedágio com um ‘sem parar’ meu. Depois, perdemos todo o sinal”, conta. A exemplo do que aconteceu na JAF, Oliveira não conseguiu encontrar o caminhão.
Mudança legislativa
A reivindicação por medidas que ajudam a conter a venda e o uso indiscriminado dos bloqueadores chegou à Câmara dos Deputados, em Brasília. Representantes do TRC e de associações de auxílio mútuo para transportadores de carga, por meio da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores (Fenacat), pedem a criação de uma lei que torne crime o porte e o uso dos aparelhos. Desde agosto, um Projeto de Lei (PL) tramita na Casa e aguarda apreciação em plenário.
Para o presidente da Fenacat, Luiz Carlos Neves, é uma situação que precisa ser resolvida com agilidade. “O número de assaltos está aumentando cada dia mais no país. Precisamos impedir o uso desses aparelhos e buscar formas de proteger os transportadores”, afirmou.
De autoria do deputado federal Major Olímpio (SD-SP), o PL 8315/2017 propõe uma alteração na Lei 9.472/97 e “proíbe e criminaliza fabricação, comércio, utilização, posse, guarda, detenção, importação e aquisição de aparelhos bloqueadores de sinais de radiofrequência, telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico, sem autorização legal ou em desconformidade com a regulamentação do órgão competente”.
A pena prevista em caso de descumprimento é de dois a quatro anos de prisão e multa ou, se comprovado o uso na prática de crimes, de quatro a 12 anos de reclusão e multa.
“Estou pedindo celeridade e regime de urgência (na votação do PL). De nada adianta as transportadoras colocarem equipamentos de GPS para rastreamento – às vezes até três no mesmo veículo – e o bandido comprar pela internet e ainda recolher taxa. O governo federal cobra tributo por um produto que só serve para o crime. É uma situação absurda, que está inviabilizando o setor. Somente no Estado de São Paulo estão 70% da carga roubada no Brasil. Tenho esperança de levar o PL a plenário e de vê-lo aprovado ainda neste ano. Esse aparelho, atualmente, tem utilização exclusiva na prática de crimes”, afirma o deputado autor do projeto.
O assessor de segurança da NTC&Logística, coronel Souza, enfatiza a importância de regulamentar e fiscalizar o uso de bloqueadores. Ele conta que, enquanto essas ações não são implementadas, começam a ser desenvolvidos equipamentos para identificar o uso de Jammer e bloqueadores desses instrumentos. “A Polícia Rodoviária Federal está testando aparelhos que estão instalados em estradas e identificam o bloqueador, e o mercado começa a oferecer uma espécie de anti-Jammer”, afirma.
Posicionamento
A reportagem da Entrevias procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Por meio da assessoria de imprensa, a pasta informou que não existe um recorte estatístico com dados de roubos de caminhões mediante o uso de bloqueadores de sinais.
A secretaria não comentou as queixas frequentes dos transportadores nem a tramitação do PL 8.315/2017. A pasta solicitou informações sobre os casos mostrados na matéria, mas, até o fechamento desta edição, ainda não havia retornado o contato.
Segurança nas estradas
A Entrevias conversou com o Inspetor de Paula, policial rodoviário federal que é especialista em dirigibilidade segura. Ele ressalta que palestras de prevenção contra roubos e assaltos são de fundamental importância. “O motorista é a peça principal na ação de sucesso do delinquente e, por isso, tem que estar imbuído dos conhecimentos dos modos de operação desses bandidos para não perder a vida prematuramente”, diz.
Ele também enfatiza que, quando a empresa contrata um motorista, cabe ao setor responsável checar todos os dados possíveis nos órgãos de segurança e, se o condutor for aprovado, deve passar por um treinamento com instrutor qualificado no mínimo uma semana a fim de se preparar para uma direção segura, para saber como agir em casos de acidentes e de roubos e assaltos.
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