Perigo: obra inacabada à frente!

Estrutura do viaduto próximo à Petrobras e redondezas passam por reforma. Contudo, o trabalho apesar de considerado concluído deixa rastro de descuido para a sociedade

Capa / 02 de Abril de 2014 / 0 Comentários
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Caos! Essa foi a palavra unânime mencionada entre os entrevistados desta reportagem quando perguntados sobre as obras realizadas nas redondezas e no viaduto próximo à Refinaria Gabriel Passos (Petrobras), no trecho conhecido como Fernão Dias, em Betim.

Há meses, comerciantes, profissionais do setor de transporte e população, especialmente da região, presenciam um cenário de desrespeito e de falta de atenção à mobilidade urbana. Em setembro do ano passado, Helvécio Tamm de Lima Filho, diretor-superintendente da Autopista Fernão Dias responsável pela rodovia e, consequentemente pelas obras, apresentou, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o cronograma de melhorias estruturais da BR-381, especialmente do trecho entre Betim e Igarapé, e salientou que o alargamento das pontes do viaduto da entrada da refinaria seria liberado até novembro.

Somente sinalização material não garante segurança, devido ao grande fluxo de veículos

A Autopista terminou recentemente as obras nesse local, que causaram aos motoristas problemas como congestionamentos e ausência de sinalização. O especialista em trânsito Antonio de Paula, inspetor aposentado da Polícia Rodoviária Federal (PRF), relata que passou pelo trecho diversas vezes e presenciou trânsito conturbado nos horários de pico, devido ao grande número de veículos. Ele conta que a impaciência e a imprudência dos condutores causaram diversos abalroamentos traseiros.

“Um dos fatos que me chamou a atenção foi a falta de pessoas indicando as alterações. Cones, barreiras, placas e fitas zebradas foram insuficientes. Nós, educadores de trânsito, nos preocupamos muito com a segurança dos transeuntes e, naquele trecho onde as obras forçaram o tráfego invadindo parte da pista contrária, a sinalização foi deficitária, trazendo dúvidas aos menos avisados”
Inspetor De Paula

 

Sinalização

“Um dos fatos que me chamou a atenção foi a falta de pessoas indicando as alterações. Cones, barreiras, placas e fitas zebradas foram insuficientes. Nós, educadores de trânsito, nos preocupamos muito com a segurança dos transeuntes e, naquele trecho onde as obras forçaram o tráfego invadindo parte da pista contrária, a sinalização foi deficitária, trazendo dúvidas aos menos avisados”, observa o inspetor De Paula.

Para o presidente da Cooperativa dos Transportadores de Automóveis e de Consumo do Estado de Minas Gerais (Coopercemg), José Geraldo de Farias, mais conhecido como “Zé da Padaria”, motoristas profissionais e experientes também podem ser víti-mas da falta de sinalização adequada. “Apesar de muitos caminhoneiros conhecerem o trecho, as obras mudaram o tráfego local e a rotina. O trânsito requer atenção constante. Imagine quando as alterações não são apresentadas com antecedência, sem oferecer margem de segurança?”, questiona.

Poeira, buracos e transtornos para caminhões que transportam petróleo

A sinalização é a principal fonte de informação para o motorista ao longo das rodovias. A ausência de placas de advertência, regulamentação e indicação (velocidade limite, curva fechada, trecho sinuoso, pista irregular, obras, indicação de saída/trevo, por exemplo) impede que os motoristas sejam devidamente informados a respeito das condições viárias que se aproximam e, dessa forma, tomem, apropriadamente, as medidas necessárias (mudança de faixa, redução de velocidade, entre outras) para que continuem a viagem com segurança.

“Apesar de muitos caminhoneiros conhecerem o trecho, as obras mudaram o tráfego local e a rotina. O trânsito requer atenção constante. Imagine quando as alterações não são apresentadas com antecedência, sem oferecer margem de segurança?”
José Geraldo de Farias

 

A importância da informação

Os motoristas devem ser sempre munidos de informações a respeito das principais alterações durante o seu deslocamento. Dados confiáveis e atualizados possibilitam medidas relativamente simples, como a alteração de trajeto inicialmente previsto, antecipação de parada programada ou até a espera pela resolução do problema em um local mais adequado (e não parado no congestionamento). Além de reduzir o impacto menos veículos e menos pessoas expostas a situações não apropriadas, informações contribuem para reduzir o desgaste do motorista e os riscos de acidentes provocados por cansaço ou fadiga física. 

Reparos são realizados durante dias e em honorários de grande movimento

Inspetor De Paula sentiu falta dessa ação nas obras da Fernão Dias. Para ele, a concessionária não promoveu uma grande campanha educativa antes do início das obras, levando informações e conhecimentos a todos os transeuntes daquele trecho: moradores, comerciantes, proprietários de sítios e funcionários das empresas locais.

O proprietário do restaurante Porteira Velha, Rafael Diniz, corrobora. “Em nenhum momento, recebemos a atenção da Autopista. A obra foi apresentada como concluída, mas não há sinalização e a iluminação está precária. Convivemos há quatro meses com muita poeira e com o perigo constate de acidente, inclusive, recentemente, aconteceu uma batida violenta em que um carro caiu próximo à entrada do restaurante”, conta.

As atuais condições comprometem o estabelecimento, que está no local há 24 anos. Rafael ressalta que a ausência de indicação do restaurante e de outras informações, como posto de combustível e hotéis reflete-se no resultado financeiro. “Normalmente, cerca de dois mil clientes frequentam o espaço mensalmente e estávamos preparados para ampliar o atendimento, o que não aconteceu por causa da obra inacabada. A Autopista não retorna sobre os nossos questionamentos. É um desrespeito!”

"Pensar que não haverá qualquer transtorno quando uma obra em uma rodovia é executada é fora de nossa realidade. O que não pode é isso acontecer quando existem alternativas. Tal como as obras que acontecem nos trechos do Estado de São Paulo, que são executadas em horários de menor movimento de veículos, principalmente à noite e nos fins de semana, a Autopista Fernão Dias deveria seguir o mesmo exemplo. Há um prejuízo financeiro e psicológico de todos que são obrigados a passar por esses trechos. E, quando percebemos que existiria uma alternativa que pudesse minimizar os impactos, nos questionamos por que elas não foram tomadas"
Carlos Roesel, presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto)

Planejamento : o cerne da obra  

O administrador e consultor em trânsito e assuntos urbanos José Aparecido Ribeiro, que também é presidente do Conselho de Política Urbana da ACMinas, critica, ainda, a realização de obras de impacto
em horário de pico. “Deveria ser feita em período de menor fluxo de veículos. Deveria haver um regime especial de contratação, que considerasse os custos de um trabalho noturno.”

O engenheiro civil e mestre em engenharia de transportes Paulo Rogério da Silva Monteiro explica que toda e qualquer intervenção em um trecho rodoviário, urbano ou rural, deve ser sempre muito bem planejada e estruturada, prevalecendo as necessidades dos usuários e adequados desvios de tráfego de menor impacto possível para motoristas e cargas.

“Também é fundamental haver um plano de contingência, em caso de situações emergenciais não previstas, que oriente, técnica e operacionalmente, todas as pessoas envolvidas sobre o que deve ser feito e como se deve proceder. Como os riscos são significativos, as intervenções no leito rodoviário não aceitam improvisos e ações não estruturadas.”

Pedestres não são poupados da falta de planejamento

As irmãs Jennifer Souza e Jéssica Ferreira enfrentam, todos os dias, os transtornos causados pela falta de planejamento. Moradoras da região, precisam passar por trechos repletos de terra, que se tornam poeira com o trânsito local e com o trabalho das máquinas. Elas contam que as atividades de rotina como pegar o ônibus na rodovia se tornam perigosas e insalubres.

“Também é fundamental haver um plano de contingência, em caso de situações emergenciais não previstas, que oriente, técnica e operacionalmente, todas as pessoas envolvidas sobre o que deve ser feito e como se deve proceder. Como os riscos são significativos, as intervenções no leito rodoviário não aceitam improvisos e ações não estruturadas”
Paulo Monteiro

 

Fiscalização

Ao se locomover pela rodovia, é fácil deparar-se com materiais espalhados, algumas máquinas trabalhando e outras paradas. José Aparecido Ribeiro relata: “Passei recentemente pelo trecho e percebi que não há uma fiscalização mais rígida do poder público, estabelecendo regras para a obra em uma via de grande movimento. As regras não podem ser definidas nem fiscalizadas por quem executa a obra e não está preocupado com os transtornos.” 

 Falha na sinalização antes do trevo do anel viário de Betim 

 Início do anel viário    Materiais jogados na rodovia   

                   Anel viário   

O olhar do especialista levanta uma questão importante: a falta de fiscaliza-ção. O edital de concessão e exploração da BR-381 MG/SP, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), apresenta todas as diretrizes para a gestão da rodovia, incluindo o Plano de Trabalho para a Execução de Obras e Serviços e o cronograma.

“Com as obras, que em minha opinião não terminaram, demoro cerca de 40 minutos somente para retornar o viaduto. Como faço essa rota duas vezes ao dia, o trabalho fica prejudicado, pois temos compromisso com o prazo e com a qualidade. É preciso muita paciência e atenção, pois veículos grandes, com carga perigosa, necessitam ainda mais de prudência e experiência”
Carlos Ribeiro

 

Em princípio, todos os itens de segurança e orientação exigidos para a execução de obra devem ser monitorados. “Contudo, fica a sensação de que não há fiscalização. Se há, ela não está sendo eficaz. Não se trata de uma via qualquer, mas da principal entrada de Betim, Contagem e Belo Horizonte. Por aquele local, chegam veículos de passeio, caminhões e ônibus de várias partes do Brasil, além de ser uma das regiões mais ocupadas por indústrias do país”, enfatiza José Ribeiro.

Impacto direto

Devido à importância da rodovia visto que é um corredor de circulação da economia, o impacto é sentido diretamente pelos transportadores, principalmente do ramo de combustíveis. Carlos André Junior de Souza Ribeiro, da transportadora Veronese, atua no setor há dez anos e, nos últimos meses, seu trabalho está mais difícil por causa dos problemas estruturais da via.

“Com as obras, que em minha opinião não terminaram, demoro cerca de 40 minutos somente para retornar o viaduto. Como faço essa rota duas vezes ao dia, o trabalho fica prejudicado, porque temos compromisso com o prazo e com a qualidade. É preciso muita paciência e atenção, pois veículos grandes, com carga perigosa, necessitam ainda mais de prudência e experiência.”

O gerente administrativo da Santana Freios, Marcel Moraes, levanta outra questão: uma passarela que acaba na marginal da rodovia. “Além do prejuízo no negócio, pois atendemos principalmente caminhões e o local da nossa loja foi impactado pela obra, há uma passagem de pedestre que cai exatamente na lateral da estrada. Buscamos contatos com a Autopista para apresentar as diversas situações e não fomos atendidos.”

Segundo Talise Martins, da Comunicação da Autopista, a concessionária compreende os transtornos ocasionados pela obra. “As obras de alargamento do viaduto no KM 484, com interdição de faixas que ocasionavam congestionamentos no local, foram concluídas, porém, nesta semana estão sendo implantadas barreiras de concreto no sentido São Paulo com interdição da faixa 1. Os veículos seguem pela faixa 2. A previsão de conclusão final da obra era até 21 de março. Existe um projeto de implantação de terceira faixa do km 477 ao km 490 nos dois sentidos (Norte e Sul), para melhorar a fluidez do tráfego, onde a sinalização será refeita.

O projeto já foi aprovado, porém a concessionária aguarda liberação de licenciamento para iniciar a obra.” 

Falta de sinalização confunde motoristas

A concessionária Autopista já enfrentou problemas pela falta de gestão de outras obras que realizou. Foi o caso do trecho que liga as BRs 262 e 381. Quando liberado, havia grande risco no local, porque não foi feita a faixa de aceleração e, em razão disso, o motorista caía direto na pista de alta velocidade. Para resolver o problema, foi preciso realizar posteriormente nova obra, o que gerou novos custos.

O vereador de Igarapé Micharlis Stanio da Fonseca falou, durante audiência na Assembleia Legislativa, da rotatória próxima ao KM 512, na entrada do município. Segundo ele, a construção ficou muito íngreme, o que causa o tombamento frequente de carretas. Ele também pediu uma placa que sinalize a entrada da cidade para quem chega de São Paulo.

Para o especialista José Ribeiro, a alternativa mais eficaz para chamar a atenção das autoridades Ouvidoria do Estado e Ministério Público Federal sobre a gravidade do problema é usando a imprensa para denunciar abusos, fotografando ou filmando condutas que revelem negligência na execução da obra. “Hoje, isso pode ser feito por meio de uma câmera de celular. Os prejuízos com os atrasos, gastos de combustíveis, perda de compromissos e, sobretudo, com a própria morosidade e erros da obra, em uma região com grandes indústrias e alto fluxo de veículos, são incalculáveis. Sem contar os impactos para o meio ambiente, em virtude da poluição e queima de combustível.”

“Além do prejuízo no negócio, pois atendemos principalmente caminhões e o local da nossa loja foi impactado pela obra, há uma passagem de pedestre que cai exatamente na lateral da estrada. Buscamos contatos com a Autopista para apresentar as diversas situações e não fomos atendidos”
Marcel Moraes

 

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