POLÍTICAS PÚBLICAS DESENCONTRADAS
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*POR JOSÉ APARECIDO RIBEIRO
A pesquisa da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) divulgada durante o Salão do Automóvel em São Paulo, no início de novembro, é um documento que deveria servir para balizar as ações de governos responsáveis, comprometidos com a qualidade de vida da população. Neste material histórico, o futuro das cidades brasileiras pode ser previsto e devidamente planejado. É fato incontestável que na pior das hipóteses o Brasil terá 85 milhões de veículos. Se a indústria, no entanto, crescer como se espera, esse número pode ultrapassar 106 milhões de veículos nas ruas. Ou seja, o que está ruim em termos de mobilidade urbana pode piorar, se obras de infraestrutura não forem feitas urgentemente. É certo que a frota aumentará pelo menos 140%, atingindo 95 milhões.
Estamos falando de obras, e não de puxadinhos, como estamos acostumados a ver. As cidades precisam de trincheiras, túneis, viadutos, elevados e a redução drástica de sinais de trânsito, que devem ser substituídos por passarelas seguras, limpas, bem iluminadas e com acessibilidade. Sempre ouço das autoridades municipais, no caso de Belo Horizonte, que a prefeitura nada fará para facilitar a vida de quem tem carro. Fica a sensação de que o governo existe para atender apenas aos que não têm condições de adquirir transporte individual. Discurso politicamente correto e que vem sendo cumprido à risca se observarmos as ações da BHTrans e da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap): estreitamento de pistas, instalação de radares, sinais em cada esquina e tudo que presumem ser motivo de desmotivação para o uso do carro, em benefício do transporte coletivo. Ações, digam-se de passagem, que não estão servindo ao que se propõem, já que a frota somente aumenta e a adesão ao Move é nula.
Não há dúvidas de que erros como esses custarão caro para Belo Horizonte. Não obstante os equívocos, vale lembrar que 1,6 milhão de veículos que circulam pela cidade não são autônomos, exigem um condutor. Por trás de cada carro ou moto, há um cidadão que fez uma escolha, e ela precisa ser respeitada. Com efeito, calçada em apenas um modal de transporte, o BRT (Bus Rapid Transit) – a aposta para tirar carro da rua – deu sinais de fracasso inequívoco. Dispensa dizer que foi um tiro no escuro que não acertou o alvo. Ninguém garante que, se o transporte coletivo melhorar, por meio de metrô, monotrilho, VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e meios alternativos, o povo passe a deixar carro em casa. Tese mais do que equivocada embasada na premissa de que se é bom para cidades europeias será também para as cidades brasileiras, a maioria como BH, com clima quente e topografia acidentada. O modelo a ser seguido não é o europeu, mas o norte-americano. Até porque a cultura aqui alinha-se com a dos Estados Unidos.
Outro equívoco que o Plano de Mobilidade Urbana para os próximos 30 anos (PLANMOB) cometeu e que terá consequências negativas sobre a teia urbana é acreditar que a experiência de Bogotá pode ser assimilada em BH. Essa é uma cidade situada no altiplano andino, a 2,7 mil metros de altitude, com clima temperado a maior parte do ano. Portanto, não serve de modelo para a capital mineira. Enquanto isso, as obras de que a cidade necessita urgentemente estão sendo postergadas, por capricho e pela crença cega de que a pressão sobre os proprietários de carro terá efeito a médio e longo prazos. Ambos erros crassos e imperdoáveis. A cidade espera por intervenções em mais de 150 gargalos que permitam fluidez no tráfego. Eliminação dos “funis”.
A tese estapafúrdia de que obras não resolvem o problema somente atrasa as soluções e aumenta o caos, que já não está mais restrito aos horários de pico, mas durante todo o dia, inclusive nos fins de semana, quando a pouca fiscalização que ainda existe sai de cena, deixando o trânsito à deriva de sinais e do mau comportamento dos motoristas. Negar isso é irresponsabilidade. Navegar contra é desconhecimento de causa e negligência de quem comanda as ações da Prefeitura de Belo Horizonte. Ou a cidade encara seu passivo de 40 anos sem obras ou o caos será inevitável. Quem viver verá, se já não está vendo.
* José Aparecido Ribeiro é consultor em assuntos urbanos e mobilidade e presidente do Conselho Empresarial de Política Urbana da ACMinas
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