Que o bem à população vença
Grupos voluntários que atuam no atendimento pré-hospitalar se mobilizam para continuar as atividades frente às novas diretrizes do Corpo de Bombeiros Militar
A- A A+Um milhão, cento e seis mil, oitocentos e dois habitantes do Estado de Minas Gerais sem atendimento de emergência prestado por voluntários. Esse é o impacto do encerramento das atividades das equipes de resgate que atuam voluntariamente frente às normas previstas pela Portaria 33, publicada pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais com base na Lei Estadual 22.839/2018. Essa legislação dispõe sobre a prática de atividades na área de competência da corporação por voluntários, profissionais e instituições civis. A portaria visa organizar, padronizar e regulamentar a atuação dessas atividades.
Voluntários fazem todo tipo de atendimento e estão sempre prontos para atuar
Entre as frentes de trabalho do Corpo de Bombeiros estão prevenção e combate a incêndio e pânico; busca e salvamento; e atendimento pré-hospitalar (APH). Esse último, há mais de duas décadas, conta com a parceria de grupos formados por profissionais em diversas áreas – que atuam de forma voluntária –, alcançando uma população de mais de 1 milhão de pessoas em 32 municípios mineiros.
Equipes geralmente chegam primeiro a locais de acidentes
Voluntários estão atuando no rompimento da barragem de Brumadinho
A equipe de resgate voluntário Anjos do Asfalto atuou em Brumadinho desde o primeiro dia da tragédia
A norma, definida na Portaria 33, que preocupa esses grupos estabelece a exigência de que somente médicos, enfermeiros ou técnicos de enfermagem atuem diretamente no contato com vítimas em caso de atendimentos pré-hospitalares. Sem condições de atender essa determinação, os grupos suspenderam os resgates nos primeiros dias deste ano.
O presidente da Associação de Bombeiros Voluntários e Equipes de Resgate Voluntário do Estado de Minas Gerais (Volunterminas), Fabrício de Oliveira Coelho, diz que essa exigência é praticamente impossível de ser cumprida, pois a maioria dos voluntários é formada por pessoas com condições de atuar como bombeiros civis, que passam por uma série de treinamentos que capacitam para a atuação em salvamentos, resgates e socorro de vítimas.
Treinamento de acidentes é feito constantemente
“Os voluntários que atuam dentro do Estado têm capacitação para prestar o serviço, pois recebem treinamentos de qualificação. Os próprios bombeiros militares não contam com profissionais da saúde durante o pré-atendimento hospitalar”, ressalta o presidente da Volunterminas.
Capitão Felipe (mais alto de macacão laranja) apoiou as equipes de resgate voluntário e bombeiros civis que foram destinadas a Brumadinho.
Ele enfatiza que o Corpo de Bombeiros consegue assistir 73 dos 853 municípios mineiros e que os grupos voluntários prestam, em média, 40 mil atendimentos ao ano. “Chegamos a lugares onde o Estado não consegue estar presente, sempre com a postura de ajuda e parceria. Nunca sofremos intervenção, pois há excelência nos serviços prestados. São equipes treinadas, que passam por permanente formação e que seguem diretrizes do Ministério da Saúde”, explica.
Equipes atuaram junto aos órgãos oficiais
Entendendo o caso
A Lei 22.839 foi publicada em 6 de janeiro do ano passado, e a Portaria 33, de 2 de julho, regulamentou as diretrizes dessa legislação, determinando, além de profissionais da saúde no pré-atendimento hospitalar, o credenciamento de voluntários, cursos de formação e padronização na confecção de uniformes e na identificação de veículos. Para serem credenciados, voluntários e instituições civis deverão passar por avaliação. O descumprimento das normas poderá ser punido com multa, além de suspensão das atividades dos bombeiros civis e dos voluntários.
Geralmente, equipes chegam primeiro em locais de acidente
Frente aos novos normativos, o Sindicato dos Trabalhadores Bombeiros Profissionais Civis do Estado de Minas Gerais (SindBombeiros/MG) ajuizou ações pedindo a cassação da Lei 22.839/18 e/ou da Portaria 33 junto aos órgãos do Ministério Público Estadual. “O credenciamento é direcionado para brigadistas, e não para bombeiros civis. O bombeiro civil, para exercer regularmente essa atividade profissional no Estado de Minas Gerais, independe de cadastro ou de autorização do Corpo de Bombeiros Militar. A rigor, brigadista não é profissão, refere-se a uma ocupação ou ao exercício de uma função voluntária. Compete exclusivamente à União emitir normas para cursos de formação profissional, matéria de trabalho e emprego. Nesse caso, a formação de bombeiro civil rege-se, fundamentalmente, pela NBR 14.608, com outras normatizações federais. Já o exercício da profissão rege-se pela Lei 11.901/09”, diz a corporação em nota publicada em seu site institucional.
Equipes do Anjos do Asfalto também atuaram em Brumadinho e estão de plantão para casos de acidentes nas estradas. As equipes também têm treinamento para acesso a áreas remotas.
Os grupos de resgate também se mobilizaram e tentaram audiência pública com representantes do Corpo de Bombeiros. Sem sucesso, reuniram-se para a criação da Volunterminas, em meados do ano passado, com o objetivo de juntar forças, mostrar a importância dos voluntários e discutir os impactos da portaria no atendimento à sociedade. “Em todo o momento, buscamos nos colocar à disposição. Sempre podemos aprimorar nossos serviços”, diz Fabrício Coelho.
Em Brumadinho, voluntários participaram da operação inclusive à noite
Em 23 de dezembro, todos os grupos receberam a comunicação de que seriam exigidas as novas diretrizes e, impossibilitados de atendê-las, paralisaram as atividades entre 2 e 4 de janeiro deste ano. Também enviaram ofício ao comandante geral do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, coronel Edgar Estevo, solicitando a atualização da Portaria 33.
Equipes voluntárias de diversos Estados fizeram varredura em pontos críticos da tragédia
Nesse documento, pedem a inserção da denominação “bombeiro voluntário” em uniformes e veículos; a exclusão do termo “atividades auxiliares”, pois as instituições não atuam sob a supervisão do Corpo de Bombeiros; a previsão de que os veículos que prestam atendimento contem apenas com socorristas e resgatistas, sem médicos e enfermeiros nas ambulâncias básicas, entre outras providências.
No dia 4 de janeiro, foi assinado um termo de compromisso entre a Volunterminas e o Corpo de Bombeiros com os objetivos de viabilizar o cumprimento das legislações e manter os serviços dos grupos voluntários. Caberá à Volunterminas encaminhar documentação das instituições que prestam atendimento e à corporação receber e analisar cada requerimento de credenciamento enviado. Não serão aplicadas as sanções previstas na Lei 22.839/2018 no período de vigência do termo de compromisso.
Entidades associadas à Volunterminas ficaram à disposição das autoridades para salvamento e busca em Brumadinho
“O Corpo de Bombeiros se comprometeu a intermediar junto à Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais a definição de critérios de reconhecimento de voluntários que tripulam as ambulâncias, retirando a previsão de profissionais de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Além disso, estamos tentando audiência pública com o novo governador do Estado de Minas Gerais, Romeu Zema”, afirma o presidente da Volunterminas.
Equipes voluntárias fazem cursos preparatórios e contam com doação ou recursos próprios para se manter
A reportagem da revista Entrevias fez contato com a assessoria de imprensa do Corpo de Bombeiros Militar, buscando verificar se a corporação está atuando nas atividades estabelecidas no termo de compromisso. Contudo, não houve retorno.
Na prática
O presidente da organização não governamental Anjos do Asfalto, Geraldo Eugênio de Assis, espera que o trabalho em parceria na assistência às vítimas permaneça em harmonia e com o mesmo espírito de cooperação: “Desde 2004, o grupo de resgate presta, em média, 180 atendimentos por mês. Somos 35 socorristas, entre médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e outros profissionais – todos em torno do mesmo objetivo: salvar vidas com responsabilidade e compromisso com as normas.”
O fundador dos Anjos do Asfalto, Marcus Campolina, corrobora e ressalta que o trabalho realizado durante todos esses anos é legítimo. “Somos reconhecidos pela sociedade, pelo Corpo de Bombeiros e pelas equipes do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), pois somos profissionais sérios e nunca cometemos negligência e/ou erro”, salienta Campolina.
Ele enfatiza que toda a equipe é qualificada e atua de acordo com a legislação vigente, especialmente a partir das orientações da Portaria 2048/2002, do Ministério da Saúde. “Atuo há 16 anos nessa área e me preocupo muito com os impactos da Portaria 33, pois observamos, no decorrer dos anos, o aumento do número de ocorrências e, ao mesmo tempo, a defasagem de ambulâncias e de profissionais do governo do Estado nos atendimentos. Sentiremos uma tristeza profunda se não tivermos condições de continuar nossas atividades”, lamenta Campolina, que também é vice-presidente da Volunterminas.
O presidente do Serviço Voluntário de Resgate (Sevor) de João Monlevade, Renato Luiz Carvalho, explica que há 20 anos atende à população da região. Foram cerca de 23 mil atendimentos nesse período. “Exigimos formação, e requisitos devem ser atendidos, além de realizarmos permanentemente treinamento com a equipe, formada por 80 voluntários de diversas áreas. A instituição tem título de utilidade pública e convênio com prefeituras, o que mostra a seriedade do trabalho realizado”, diz.
O Sevor, reconhecido por sua importância, conseguiu construir sua própria sede por meio de doações da população. “Esperamos que o novo governador de Minas tenha a mesma sensibilidade de nossa sociedade, que acredita e confia no trabalho fundamental dos grupos de resgate voluntários”, completa.
Ajuda em Brumadinho
Assim que souberam da tragédia em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, no dia 25 de janeiro, com o rompimento da barragem da Vale, equipes de bombeiros civis de várias partes do Estado se deslocaram para o município para prestar todo tipo de apoio, entre elas os Anjos do Asfalto.
Elas ajudaram nas buscas e no resgate de moradores e de trabalhadores atingidos pelo rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão. Alguns voluntários com formação em bombeiro vieram de São Paulo.
Sem contar com a estrutura e o apoio de recursos públicos ou privados para atuarem, as equipes se unem e arcam com os próprios gastos de deslocamento, alimentação e hospedagem.
Os relatos dão conta de que mais de 300 pessoas formadas e capacitadas para ajudar no salvamento e na busca por desaparecidos estavam em Brumadinho. Elas não foram autorizadas a participar da operação pelo Corpo de Bombeiros e alegam que poderiam ajudar em áreas longe da barragem.
Até o fechamento desta edição, 110 corpos haviam sido encontrados, e 238 pessoas ainda estavam desaparecidas. A tragédia em Brumadinho foi causada pelo rompimento da barragem 1 da mina de Córrego do Feijão, na cidade da região metropolitana de Belo Horizonte. Além de uma equipe de Israel, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais recebeu reforços de São Paulo, Goiás, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
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