Reciclagem de veículos: bom negócio para todos
Primeiro centro que terá essa atividade no Brasil foi idealizado pela Sada e conta com a parceria do Sintrauto. O espaço escolhido para abrigar a iniciativa é a cidade de Igarapé, na região metropolitana.
A- A A+A iniciativa que nasceu do esforço praticamente individual do Grupo Sada começa a ser implementada: o Centro de Reciclagem de Veículos (CRV) recebe seus equipamentos, e sua montagem ocorrerá em 180 dias. O centro tem como objetivo criar um ecossistema produtivo e pioneiro no Brasil, que prevê retorno econômico e socioambiental por meio do incentivo à renovação da frota e, consequentemente, do aumento de vendas, da geração de emprego e renda e da redução da emissão de poluentes.
O CRV fica na Zona de Empreendimentos Sustentáveis (ZES) de Igarapé, que abriga o pátio logístico da Sada e de outras empresas do setor de transporte. Com o novo projeto, estarão reunidas em um único ambiente as atividades de processamento de veículos, de reaproveitamento de equipamentos e insumos deles, balança de até 30 m, meios de aferição volumétrica e instituições como a Receita Federal, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) para a fiscalização do CRV e a emissão dos créditos ao consumidor.
“Infelizmente, em nível nacional, estão paradas as parcerias. Mas o Estado de Minas Gerais, por meio do governador Fernando Pimentel (PT), elaborou um projeto de lei que discutimos com vários órgãos e que, parece, entrará em votação em breve”, conta o prefeito de Betim, Vittorio Medioli (PHS), que também é presidente do grupo Sada, instituição responsável pelo projeto e pelos estudos técnicos.
Pioneiro no país
Ele ressalta que está sendo montado um centro moderno, o único no Brasil, e um dos diferenciais da proposta é a inteligência logística. O projeto colocará à disposição do plano de renovação o potencial de operações do transporte de automóveis para recolher em todo o Brasil os veículos antigos e trazê-los para o centro, onde serão destruídos, e sua matéria-prima residual, destinada a fundições de aço, alumínio, cobre, vidro e plástico.
No CRV, a Sada e um pool de empresas de logística em São Bernardo do Campo (SP) se ofereceram para, além de trazerem os veículos obsoletos com mais de 25 anos, destiná-los respeitando as premissas ambientais e possibilitando aos proprietários um desconto na compra de um novo. As montadoras disponibilizarão, por meio de sua rede de revendas, o bônus de desconto na venda de veículo novo até 1,4 de cilindrada ao receberem um acima de 1,4 de cilindrada.
“Nós, do transporte, temos interesse em retornar a carga aos níveis de 2013. Discutimos com as entidades de classe que poderíamos dar um valor de R$ 160 por carro quando eles retornassem a Betim ou a Igarapé, já que existe um fluxo reverso, e o frete de volta vazio é considerado no total. De qualquer forma, remuneraria para complementar a receita sem tomar tempo”, explica Vittorio.
Nesse sentido, o mercado do transporte se beneficiará, visto que, a cada carro recolhido, corresponderá um novo para transportar com frete nacional. Segundo o idealizador da iniciativa, a expectativa é aumentar a venda em 30 mil ou mais unidades no primeiro ano em Minas.
A proposta é, mensalmente, creditar o montante dos descontos concedidos aos consumidores na guia de recolhimento de tributos federais. O valor arrecadado garante à União a manutenção dos tributos, pois os veículos novos integram as contribuições do nível atual. Os Estados também serão beneficiados por acréscimos de arrecadação do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
O projeto ainda propõe, com o apoio dos cegonheiros de Minas e São Paulo, a cobrança de um frete único nacional para retornar, sem desvio de rota, de qualquer localidade do Brasil até o ponto de saída dos veículos novos. “Seria o suficiente para acrescentar para os cegonheiros uma receita anual de R$ 200 milhões. Mais do que isso, possibilitaria aquecer o mercado e transportar 1 milhão de novos veículos para todo o Brasil. Além disso, com 980 mil carros e caminhões novos, a receita anual dos cegonheiros aumentaria em torno de R$ 800 milhões”, disse Vittorio em entrevista à Entrevias em outubro de 2015.
O aumento na produção de, por exemplo, 1,2 milhão de veículos pode gerar 120 mil empregos em autopeças e montadoras e 940 mil empregos indiretos. Por consequência, as arrecadações federal e estadual também apresentariam aumento expressivo à medida que o incentivo não excederia o valor dos tributos gerados na operação e geraria receita na cadeia produtiva. Segundo cálculos realizados pela equipe do projeto, o crescimento na arrecadação da seguridade social seria de cerca de R$ 5 bilhões, e os gastos com salário-desemprego seriam reduzidos em R$ 1,4 bilhão.
Os benefícios da renovação da frota são tangíveis para o transportador, para o meio ambiente e para a sociedade. Veículos mais novos têm menos gastos em manutenção, são mais seguros, oferecem melhores condições de trabalho aos motoristas e possuem tecnologia para amenizar o impacto à natureza. Caminhões antigos emitem gás carbono 50 vezes mais do que os recentemente produzidos e propiciam mais risco de acidentes no trânsito.
“Retirar de circulação carcaças e carros obsoletos portando conteúdos perigosos, poluente e com alto consumo de combustível representa um ganho ambiental, de segurança e de trânsito imenso. Os carros compensados terão mais de 20 anos de uso”, enfatiza Vittorio.
O processo de reciclagem é capaz de proporcionar ainda economia por ano na extração de 2 milhões de toneladas (t) de minérios ferrosos, de 120 mil t de não ferrosos, de 40 mil t de borracha, de 100 mil t de lubrificantes recuperados, bem como a despoluição de áreas urbanas, com a retirada de 1 milhão de carcaças, possibilitando a diminuição de locais propícios à proliferação do mosquito da dengue.
O centro conseguirá operar, inicialmente, 60 unidades por hora, mas sua capacidade instalada é o dobro. Em um ano, poderá processar até 260 mil unidades. A proposta visa atender a todo o país com um sistema integrado entre montadoras, revendas e sindicatos. “O custo logístico elevado e a dificuldade para a destinação dos resíduos sempre foram apontados por esses setores como os maiores entraves para a implementação de um programa de reciclagem. Entretanto, a proposta é que o mesmo caminhão que vai levar o carro zero volte com os usados e os destine ao centro de reciclagem. Para isso, criamos um frete único, oferecendo uma solução competitiva”, explica Medioli.
Alinhado às tendências mundiais, o centro foi inspirado em experiências internacionais. Nos Estados Unidos, o governo, em parceria com a associação dos recicladores, implementou, em 2009, o programa Cars (Car Allowance Rebate System – apelidado de “Cash for Clunkers”– tradução livre: dinheiro por sucata), com o objetivo de incentivar a substituição dos veículos antigos por novos e menos poluidores. Em três meses, registraram-se o aumento de vendas em 14,6% e a economia de combustível total de 4,6%.
Desde 2000, a Europa estabelece diretrizes para automóveis e caminhões no fim de sua vida útil. Determina metas para o descarte de até 85% dos veículos, sendo que, a partir do ano seguinte, esse percentual passa para 95%. Essas diretrizes incentivam os fabricantes de veículos e de componentes a desenharem produtos levando em conta sua reutilização e a reciclagem. A legislação também restringe o uso de substâncias específicas, inclusive chumbo, mercúrio, cádmio, cromo (VI) e, em certos casos, retardantes de chama bromados, tais como éter difenílico polibromado (PBDE) e bifenilos polibromados (PBB).
“A inspiração internacional, alinhada à nossa experiência e à nossa vontade de desenvolver cada vez mais o transporte rodoviário de cargas, vai gerar melhorias para toda a cadeia produtiva. Para o Sindicato dos Cegonheiros, é uma oportunidade profícua participar desse projeto, que tem viabilidade financeira e oferece benefícios ao meio ambiente, à sociedade e ao profissional do transporte. Acreditamos que é dessa forma que nossa instituição legitima sua atuação e colabora para que nossos associados aprimorem seu trabalho e sejam reconhecidos como exemplos de responsabilidade e atores essenciais para o crescimento do país”, orgulha-se o presidente do Sintrauto, Carlos Roesel.
Medioli acredita que o centro no Brasil pode ser ainda melhor que as iniciativas internacionais, pois o setor de transporte e logística no país está na ponta mundial. Contudo, ele critica que o Brasil não está moralmente preparado para certos avanços. “Estou numa luta tremenda há dois anos para convencer o governo federal de que a reciclagem representa a saída da crise. Infelizmente, os governos são ocupados por despreparados. Mas nosso esforço continua, e, em algum momento, quando a consciência ambiental e desenvolvimentista avançar, o país inteiro terá muito a ganhar com a reciclagem que estamos propondo”, enfatiza o empresário e prefeito de Betim.
Para empreender a ideia, foram chamadas instituições que representam o setor de transporte. Na opinião do presidente do grupo Sada, “o Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto) e o Sindicato Nacional dos Cegonheiros (Sindicam) foram parceiros fundamentais para que o projeto chegasse a Brasília levantando a atenção e a adesão de entidades como a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), com a qual trocamos informações, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional de Transportes (CNT) e outras instituições que defendem a reativação do mercado com a geração de emprego e renda.” “Contamos também com o apoio do governo de Minas Gerais, por meio do Instituto de Desenvolvimento Integrado (Indi), das prefeituras de Igarapé (MG) e de São Bernardo do Campo, (SP), dos sindicatos dos cegonheiros de São Paulo e do Paraná, do Sindipeças, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que indicou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para acompanhar os estudos. É um esforço de todos, e não interesse de um ou de outro”, reconhece Medioli.
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