Retrato dos caminhoneiros
Confederação Nacional do Transporte (CNT) divulga pesquisa sobre vida e trabalho de profissionais do setor de transporte rodoviário de cargas
A- A A+A Confederação Nacional do Transporte entrevistou 1.066 caminhoneiros (autônomos e empregados de frota) entre 4 e 14 de novembro de 2015 e, a partir dessa abordagem, traçou um perfil dos caminhoneiros brasileiros. A revista Entrevias conversou com o diretor executivo da CNT, Bruno Batista, para saber quais são os pontos mais importantes que a análise revelou.
Entrevias: Qual o principal objetivo da pesquisa?
Bruno Batista: Para auxiliar o trabalho na solução dos problemas dos caminhoneiros do Brasil, e estamos falando de um número muito grande de profissionais, é preciso entender um pouco qual é o seu perfil. O objetivo dessa pesquisa foi fazer uma atualização dos dados. A confederação faz isso há bastante tempo, e, periodicamente, revalidamos o estudo porque o perfil varia de acordo com as situações social e econômica do Brasil. A importância dessa pesquisa é conhecer qual é de fato hoje a realidade do caminhoneiro no país, e isso nos permite estabelecer formulações para que esse profissional possa ter melhores condições de trabalho e também para que ele informe os outros órgãos do governo de que tem alguma gerência sobre a atividade transportadora, de como é a realidade desse trabalhador – que é importante, já que ele é fundamental para a movimentação de produtos no país, e, muitas vezes, infelizmente, ele não aparece. Ou seja, o caminhoneiro possui uma baixa visibilidade, apesar de sua importância estrita dentro do sistema logístico nacional.
Entrevias: Quais os principais problemas que o profissional enfrenta?
BB: A questão da idade da frota, especificamente, é um problema sério no país. A CNT vem tentando trabalhar isso junto ao governo faz bastante tempo, mas é uma ação ainda árdua porque há outras prioridades. O problema da frota é o seguinte: os veículos têm um ciclo de vida muito longo. E eles vão sendo transferidos a partir das empresas que têm mais condições de fazer compras de veículos novos. Com isso, os antigos vão para o comércio de segunda mão, chegando com uma idade mais antiga às mãos dos autônomos. Para se ter uma ideia, a média de idade dos veículos dos autônomos é de 17 anos, frota que é considerada bastante envelhecida, em contraste com a média de idade da boa, que é de 7 anos e meio. Então, esses caminhões mais velhos geram uma série de inconvenientes: poluem mais, consomem mais combustível, são mais sujeitos a quebra, não podem ser dados como garantia na compra de um veículo mais novo e acabam contribuindo, de certa forma, para a ineficiência logística do país.
Estamos falando do maior contingente de frota no Brasil, na ordem de 800 a 820 mil caminhoneiros autônomos. Nesse sentido, temos veículos antigos, com um contingente de profissionais tão grande, o que se torna ruim não somente para os caminhoneiros, mas também para o Brasil. E existe outro lado ainda mais perverso: alguns embarcadores desejam que as mercadorias sejam transportadas com certa garantia, por um caminhão que não vá quebrar durante o caminho. Então, ocorre uma seleção dentro do mercado, que acaba provocando uma exclusão desses trabalhadores. Eles não conseguem pegar vários trabalhos porque a frota é velha.
Entrevias: As condições das rodovias afetam o trabalho dos caminhoneiros?
BB: É preciso lembrar que as rodovias são o ambiente de trabalho dos caminhoneiros, e elas não evoluem muito em termos de qualidade. Temos uma série histórica muito grande desenvolvida pela confederação de 19 edições, um histórico bastante amplo que mostra isto: a evolução das rodovias praticamente não acontece no Brasil. Nós passamos por um momento muito crítico há alguns anos, com o crescimento das frotas principalmente de veículos leves. Houve uma maior demanda pelas rodovias, que, por outro lado, não cresceram em termos de extensão. Também não foram construídas novas, e a condição qualitativa delas permanece estacionada. Isso resulta no número absurdo de acidentes, aumentando a quantidade de mortos a cada ano. Essas tragédias poderiam ser evitadas com rodovias mais modernas, mais seguras e que apresentassem uma condição melhor. Isso acaba criando uma grande insegurança nos caminhoneiros.
Entrevias: Como é avaliada a renda média do caminhoneiro?
BB: É uma renda líquida de quase R$ 4.000, mas acontece o seguinte: existe uma variação muito grande desses valores ao longo do tempo. É importante lembrar que o caminhoneiro autônomo está sujeito à oferta de frete, e aí um dos resultados da pesquisa que mais chamaram nossa atenção é que quase 87% dos entrevistados acreditam que houve diminuição da demanda no ano passado. Desses 87%, 64% acham que o motivo foi a crise econômica. Se a demanda cresce, muitas vezes o empresário não aumenta a frota própria. Ele faz a contratação do autônomo para um aumento de demanda que pode ser mais pontual. Por outro lado, ele também pode estar exposto a um ciclo de queda de trabalho por um período significativo se essa receita bruta dele for insuficiente. Ele pode ficar períodos bastante longos sem pedir frete. Essa é uma profissão de que eles gostam. A gente consegue perceber que eles têm uma paixão muito grande pela atividade. Os caminhoneiros gostam de ter essa mobilidade, de conhecer novos locais, e eles reconhecem a importância da profissão. Mas, por outro lado, eles correm muitos riscos na questão de segurança, de desenvolverem acidentes porque as rodovias não têm boas condições, e isso tudo acaba sendo um contraponto para uma profissão tão importante para o país.
Entrevias: E a saúde do caminhoneiro?
BB: Uma das questões que prejudicam a saúde dos caminhoneiros é que eles não têm uma base fixa, diferentemente de quem trabalha num local dentro da área urbana, que possui uma rotina de trabalho, a qual permite à pessoa fazer um planejamento mais estável. Essa mobilidade acaba dificultando a rotina de prevenção de saúde. Tanto é que, na pesquisa, nós avaliamos isso, e 44,6% disseram procurar profissionais de saúde para fazerem algum tipo de prevenção. Esses profissionais acabam não esperando as doenças aparecerem para procurarem o médico.
Por outro lado, dentro do sistema CNT, existe uma atuação do Sesc/Senat que vem mitigar essa dificuldade, que é o atendimento em suas unidades espalhadas por todo o país. O caminhoneiro pode iniciar o tratamento em uma unidade e continuar em outra de qualquer Estado. A ficha médica dele fica online, e ele, então, pode começar o tratamento em Belo Horizonte e dar sequência em São Paulo, complementá-lo no Nordeste e finalizá-lo na região Norte. O sistema oferece esse tipo de facilidade até pelo fato de reconhecer a importância desse trabalhador. Porém, de alguma forma, o que se percebe é que a alimentação deles não é muito boa porque eles acabam tendo que comer algo preparado de modo não muito saudável pelas estradas afora. Eles têm uma atividade que faz com que sejam sedentários, pois ficam sentados durante muito tempo, além de não possuírem horário para fazerem atividade física. Existe uma dose de sacrifício físico e pessoal dentro da profissão.
Entrevias: Outras questões observadas na profissão?
BB: Em 2014, o governo fez um reajuste no valor do combustível, e diesel e gasolina ficaram com preços controlados por muito tempo. Em 2014/2015, houve um desafogamento disso, e o governo fez uma sequência de reajustes no valor do diesel. É importante lembrar que esse é unitariamente o insumo de maior contribuição dentro do custo da atividade. Como ele subiu muito nestes dois últimos anos, a pesquisa refletiu isso: os caminhoneiros reclamaram muito do custo do diesel, e, por outro lado, a gente passou por um período que permanece neste ano, paralelo a um ciclo de quase três anos de queda de demanda. Então, a economia arrefeceu, a movimentação caiu muito, e eles são o primeiro elemento a sentir isto: as empresas deixam de contratá-los, as próprias transportadoras param de fazer esse contrato de terceirização. Portanto, esses profissionais são os que, primeiramente, percebem a crise. Aí o valor do frete, muitas vezes, não cobre os próprios custos. Foi o relato de 40% dos entrevistados. Esse é um momento em que eles estão passando por extrema dificuldade, com o custo elevado de operação e de queda de demanda. A atividade está sofrendo bastante nesse momento.
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