Saúde em xeque
Estudo da Universidade Federal de Uberlândia mostra que caminhoneiros precisam ter mais acesso a ações de promoção da qualidade de vida
A- A A+A saúde do trabalhador da estrada é motivo de estudo intenso nas universidades e por parte de especialistas. O cenário brasileiro é de horas sentado à frente do volante, enfrentando rodovias ruins e perigosas, sem tempo para checapes ou atividades físicas regulares e ainda sem uma alimentação balanceada. São muitos fatores que levam o caminhoneiro a ser alvo de estudos e ações em busca de melhor qualidade de vida e saúde. Mas um reforço ainda precisa ser feito.
A Universidade Federal de Uberlândia (UFU) realizou recentemente, na Faculdade de Medicina, um estudo para analisar os fatores de risco para doenças cardiovasculares, saúde mental e comportamentos ao dirigir. A pesquisa foi conduzida pela professora Marcelle Aparecida de Barros Junqueira e por uma equipe multidisciplinar. Foram ouvidos 235 caminhoneiros que trafegam por Uberlândia. Eles passaram por uma avaliação das condições físicas e mentais. No processo, também foi identificada a relação deles com o uso de álcool, tabaco e outras drogas ao dirigir.
A cidade de Uberlândia é considerada um importante corredor de tráfego para caminhoneiros. Está no entroncamento entre Minas Gerais, Goiás e São Paulo, além de ser cortada por rodovias importantes, como as BRs 050, 365 e 452.
Segundo informações divulgadas pela UFU, foram montados estandes em postos de combustíveis, e os caminhoneiros que concordavam em participar da pesquisa tiveram suas informações coletadas. Os pesquisadores fizeram exames físicos, mediram índice de massa corpórea e realizaram medidas corporais. Os profissionais da estrada também responderam a um questionário com perguntas sobre dados sociais e profissionais, como média de quilômetro rodado, salário, horas trabalhadas, se já foram vítimas de violência no trabalho, entre outras questões.
Os motoristas foram questionados ainda sobre sono, comportamento ao dirigir, níveis de ansiedade, estresse, depressão, uso de álcool e drogas. Os entrevistados tinham idades entre 20 e 62 anos, todos do sexo masculino e uma média de 17 anos de profissão. A pesquisa apontou que a maior parte dos trabalhadores atua 12 horas por dia na direção e circula 3.000 quilômetros.
O uso de cigarro foi identificado entre os caminhoneiros em índice maior ao registrado pelo Ministério da Saúde relativo à população brasileira. Segundo os resultados da pesquisa, 17,4% dos caminhoneiros ouvidos fazem uso de tabaco. O consumo pela população brasileira é hoje de 10,1%. Já o emprego de bebida alcoólica é de 43% por parte dos motoristas de caminhão, enquanto o índice nacional chega a 71%.
A professora e orientadora do trabalho diz que os levantamentos nacionais sobre uso de drogas correspondem a 20% entre 30% da realidade. “Podemos pensar que esses dados são duas vezes maiores do que os que apareceram”, afirma Marcelle Junqueira.
O estudo feito pela UFU ainda associou o consumo de substâncias ilícitas e lícitas a comportamentos no trânsito. “Por meio da análise estatística dá para associar questões como: será que quem usa mais tabaco tende a cometer mais erros no trânsito comparado com quem usa menos? E a gente encontrou algumas associações importantes”, detalha.
Marcelle exemplifica: a pesquisa identificou que, quanto mais quilômetros rodados, mais erros o caminhoneiro comete no trânsito. O estudo também identificou que quem fuma dirige mais tempo e, consequentemente, envolve-se mais em acidentes. Quem fica muito tempo longe de casa também teve maior probabilidade de ser vítima de assaltos.
O consumo de álcool foi relacionado diretamente a um maior número de erros, lapsos e violações no trânsito. Além disso, verificou-se, por meio do estudo, que a maior incidência encontra-se entre os profissionais autônomos. O consumo de maconha foi associado a um maior tempo fora de casa e a uma maior quantidade de quilômetros rodados. As anfetaminas foram relacionadas diretamente a um maior envolvimento em acidentes, e o consumo de cocaína, a mais erros ao volante.
“O cigarro desvia a atenção e faz com que a pessoa seja mais propensa a erros e violações no trânsito. Quando falamos do uso de substâncias por caminhoneiros, muitas vezes só pensamos em anfetaminas e rebites, mas temos que lembrar que o emprego de drogas lícitas está mais fortemente associado a erros e violações no trânsito”, explica.
A pesquisadora alerta para a importância da família na prevenção da saúde do caminhoneiro. “Percebe-se que essa perda do vínculo familiar só potencializa o uso de substâncias”, afirma.
O estudo ainda vai analisar níveis de ansiedade, estresse e depressão dos profissionais. A intenção é que, com os dados, sejam efetivadas políticas públicas e ações que levem atendimento profissional para as estradas. “Penso que os profissionais de saúde têm que estar onde eles (os caminhoneiros) estão, que é nos entrepostos. Esses locais seriam ideais para o recebimento de orientação e para uma intervenção breve em relação ao uso dessas substâncias, bem como ao risco imposto por elas”, diz.
Os caminhoneiros entrevistados pela UFU são do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Sergipe e Rio Grande do Sul. Os assalariados compõem 53%, e o restante é autônomo. (Fonte: Comunica UFU)
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