Superultrabactérias
Uso indiscriminado de medicamentos pela população e pelos setores da pecuária e da agricultura levará resistência antimicrobiana a matar mais de 10 milhões de pessoas por ano até 2050, segundo relatório da ONU
A- A A+As pessoas estão tomando muito remédio sem prescrição, e, por isso, cada vez mais surgem superbactérias. O alerta da Organização das Nações Unidas (ONU) – que divulgou em maio um relatório sobre o assunto – é que a população mundial está, como consequência, fortalecendo as bactérias. A perspectiva é que a resistência antimicrobiana cause a morte de 10 milhões de indivíduos anualmente até 2050.
Aproximadamente 24 milhões de pessoas entrarão na extrema pobreza até 2030 devido a essa resistência, o que mostra que o problema não é só de saúde, mas um prejuízo à economia global. Numa comparação feita pela ONU no sentido econômico, o reflexo disso poderá ser mais catastrófico do que a crise financeira mundial de 2008.
O problema é que vários tipos de infecções que surgem já não respondem mais aos remédios, levando as pessoas a óbito. Hoje, são registradas 700 mil mortes por ano no mundo por essa causa. Dessas, mais de 230 mil são provocadas por formas da tuberculose já resistentes a diferentes medicamentos.
As Nações Unidas destacam também outras doenças, como as infecções respiratórias, urinárias e sexualmente transmissíveis, cujos agentes causadores não são atingidos de modo a terem o crescimento inibido pela administração de antibióticos, antivirais e antifúngicos.
“A resistência antimicrobiana é uma das maiores ameaças que enfrentamos como comunidade global. Esse relatório reflete a profundidade e o escopo da resposta necessária para conter sua ascensão e proteger um século de progresso em saúde”, afirma a secretária-geral adjunta da ONU, Amina Mohammed. “Não há tempo a perder, e eu peço a todas as partes interessadas que ajam de acordo com as recomendações do relatório e trabalhem urgentemente para proteger nossa população e nosso planeta, assegurando um futuro sustentável para todos”, completa.
Amplo alcance
Segundo o relatório, a resistência antimicrobiana é uma questão de saúde humana, animal, alimentar e ambiental. A recomendação é para que os países priorizem planos de ação nacionais a fim de ampliarem os esforços de financiamento e de capacitação; de implementarem sistemas regulatórios mais fortes; e de promoverem programas de conscientização para o uso responsável e prudente de antimicrobianos por profissionais de saúde humana, animal e vegetal. Também é necessário que as nações invistam em desenvolvimento de novas tecnologias e eliminem com urgência o uso de antimicrobianos como promotores de crescimento na agricultura.
No caso da produção de alimentos, que gera problemas econômicos significativos, segundo a ONU, o aparecimento de bactérias e micro-organismos resistentes prejudica a criação de animais. A utilização excessiva de remédios para tratar doenças animais e de espécies de plantas exploradas pela agricultura é outro problema. De acordo com a organização, o descarte incorreto de resíduos também ajuda no aumento da resistência das bactérias.
As Nações Unidas alertaram que a resistência é um obstáculo para o cumprimento de muitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, como a cobertura universal da saúde, a oferta de alimentos seguros, de água potável e de saneamento, bem como a sustentabilidade de sistemas agrícolas.
Cartilha
No ano passado, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançou uma cartilha para orientar sobre os problemas do uso de medicamentos de maneira errada ou excessiva. O surgimento das superbactérias, segundo a Fiocruz, está diretamente ligado ao emprego indiscriminado de medicamentos pela população. Uma das principais indicações é que as pessoas só utilizem antibióticos para infecções bacterianas e seguindo rigorosamente a prescrição médica.
Parar o emprego do antibiótico antes do recomendado, por exemplo, é uma forma de fortalecer a bactéria, conforme a instituição explica. Higienizar bem as mãos e ter cuidados específicos durante visitas a pacientes internados em hospitais são outras meios de se evitar a transmissão. “Quando os antibióticos se tornam ineficazes, o número de infecções mais difíceis de ser tratadas aumenta”, diz a Fiocruz.
A história da penicilina
Em 1928, o médico bacteriologista Alexander Fleming descobriu a penicilina, na Inglaterra. O feito foi “por acaso”, quando ele observava o comportamento de uma cultura de bactérias Staphyloccocus aureus, encontrada na pele e responsável por inúmeros casos de infecções graves. Fleming, então, percebeu que elas não sobreviviam à presença de um mofo chamado Penicillium notatum, que se desenvolveu facilmente em pães. O relato está descrito no site do médico brasileiro Dráuzio Varella.
As pesquisas, segundo informações do site, foram aprofundadas até ser lançado o primeiro antibiótico conhecido, que passou a ser produzido em larga escala e usado para fins terapêuticos. A revolução foi tamanha na história da medicina e na indústria farmacêutica que rapidamente surgiram novas drogas com ações semelhantes.
Doenças até então incuráveis, como tuberculose, sífilis, tétano, gonorreia e difteria, puderam, enfim, ser tratadas e curadas. No entanto, esses medicamentos são eficazes apenas no tratamento das infecções por bactérias. Ainda assim, de acordo com o médico, muita gente utiliza antibióticos para tratar gripes, resfriados, dengue, catapora e sarampo, sem resultado efetivo, já que os agentes causadores dessas enfermidades são os vírus.
Em 2000, uma superbactéria foi identificada pela primeira vez, nos Estados Unidos. A Klebsiella pneumoniae carbapenemase, também conhecida como KPC, sofreu mutação genética e passou a ter resistência a múltiplos medicamentos. Ela é encontrada em fezes, água, solo, vegetais, frutas e cereais, e a transmissão ocorre principalmente em ambiente hospitalar.
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