Um por todos, todos por um

Modelos de negócios cooperativistas ganham força em Minas Gerais e no Brasil, driblando a crise econômica nacional e sinalizando crescimento nos últimos três anos, como avalia o presidente do Sistema Ocemg, Ronaldo Scucato.

Entrevista / 17 de Maio de 2017 / 0 Comentários
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Ainda em desvantagem na comparação com países mais desenvolvidos, o Brasil vem abrindo mais espaço para as cooperativas nacionais. Para o presidente do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais e Serviço Nacional das Cooperativas de Minas Gerias (Sistema Ocemg), Ronaldo Scucato, a regulamentação recente do segmento é um dos fatores que justificam as lacunas observadas no país. Segundo ele, porém, tudo indica que elas não tardarão a ser preenchidas. Em entrevista à Entrevias, Scucato – que está na presidência da Ocemg desde 2001 – fala sobre o cenário econômico atual e o impacto dele no cooperativismo, avalia perspectivas de crescimento e garante que esse modelo tem potencial de expansão nos territórios mineiro e brasileiro.

Entrevias: Como o senhor avalia o cooperativismo nos dias de hoje?

Ronaldo Scucato: Cada dia mais, as cooperativas ocupam espaço e são reconhecidas como empresas que possuem uma função social e trabalham para a comunidade. Temos nos países desenvolvidos, como Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos, uma cultura cooperativista já impregnada e muito mais forte. No Brasil, onde o cooperativismo chegou até a ser clandestino no século passado, as pessoas estão começando a nos conhecer melhor. Somos um segmento que cresce, apesar da crise que o país vive. Mas há muito a ser feito ainda, sem dúvida.

Quais foram os principais avanços obtidos nesse modelo ao longo dos anos?

O principal marco para o desenvolvimento do cooperativismo no Brasil foi a Lei 5.764/71, que definiu a Política Nacional de Cooperativismo. Até 1971, não havia legislação que regulamentasse o setor. As cooperativas não possuíam uma representatividade e atuavam sem qualquer segurança jurídica. A partir daí, vieram diversas outras leis regulamentando o segmento, e conseguimos um terreno firme para nos desenvolvermos e atingirmos um universo de 6.655 cooperativas e mais de 13 milhões de associados no Brasil. Estamos presentes em 13 diferentes ramos da economia brasileira.

Quais são os benefícios oferecidos pelo cooperativismo e a contribuição para o desenvolvimento social?

Hoje, o cooperativismo é um instrumento de inclusão social reconhecido no mundo todo. Conforme o papa Francisco já declarou em homilia, cooperativa é “gente trabalhando para gente”. Essa é uma definição muito boa de cooperativismo. No nosso modelo, todos são donos do negócio. Não há a lógica de um lucro revertido para o acionista, como em uma empresa comum. Por isso, dizemos que a cooperativa tem um compromisso de inclusão social, de trabalhar na comunidade onde ela está inserida. Você não constrói um paraíso social em cima de uma ruína econômica. Acredito muito nisso.

Como presidente da Ocemg, quais desafios encontrados na luta pelo cooperativismo contemporâneo o senhor elenca?

No Brasil, nosso desafio é a chamada verticalização da estrutura de nossos 13 ramos de atuação. Nesse sentido, temos dois bons exemplos, que são os da saúde, por meio das Unimeds, e do crédito, com o Sicoob e o Sicredi. São marcas conhecidas e consolidadas no mercado, e não é por acaso. Mas por que essas cooperativas chegaram a esse patamar? Porque uniram forças e se organizaram em centrais, federações e até confederações nacionais. Por trás dessas marcas, existem inúmeras cooperativas que compartilham estrutura, expertise, métodos de governança e que, juntas, conseguem crescer e se tornar potências. Esse exemplo deve ser seguido pelos demais ramos, como o do transporte, o agropecuário, o de consumo, e por aí vai.


E como o senhor avalia o modelo das cooperativas de autoproteção?

Como presidente de uma entidade representativa do setor, infelizmente não me compete avaliar modelos de cooperativas. Digo apenas que elas, obrigatoriamente, devem ser constituídas sob a égide da Lei 5.764/71, que define a Política Nacional do Cooperativismo. As cooperativas também devem, no que diz respeito a seu objeto de atuação, obedecer rigidamente à legislação pertinente a cada ramo.

O cooperativismo teve início no século 19. Quais as perspectivas para esse modelo em médio prazo, levando-se em conta o cenário socioeconômico atual que vivemos no Brasil?

Vejo uma perspectiva boa porque os brasileiros estão cada vez mais entendendo que a cooperativa é uma ferramenta para alavancar não só a economia, mas o status social das pessoas. É claro que não estamos alheios à crise, mas conseguimos crescer em meio a ela. Falando especificamente de Minas Gerais, as cooperativas movimentam em torno de 7,3% do PIB (Produto Interno Bruto) do Estado. Isso é muita coisa. As cooperativas mineiras movimentaram cerca de R$ 38 milhões em 2015, um valor 16,4% superior ao de 2014. Os números de 2016 estão sendo contabilizados, e creio que serão positivos novamente.

O crédito é um dos setores cooperativistas que vêm se destacando no país, sobretudo diante da crise. Há fôlego para esse movimento se manter ascendente?

Sem dúvida. A cada dia que passa, o cooperativismo de crédito vem dando às pessoas mais acesso a recursos não só para empreenderem, mas para melhorarem de forma geral a qualidade de vida. Há também o diferencial de que, na cooperativa, o cooperado é visto e tratado como pessoa, ao passo que no banco você é o número de sua conta-corrente. É evidente que ninguém quer ser um número. Por isso, as cooperativas de crédito estão presentes em 51% dos municípios mineiros, e suas operações de crédito cresceram nada menos que 46% em 2015, na comparação com 2014, com um aumento também de 15% no valor dos depósitos.

O senhor acredita que a população, de maneira geral, reconhece a importância do cooperativismo para o mundo? Se sim, de que maneira?

Basta dizer que, em 2015, mais de 90 mil pessoas se associaram às cooperativas de Minas, um aumento de 7,1%. Hoje, temos 1.373.173 cooperados no Estado. O Brasil ainda não tem uma cultura cooperativista consolidada como em outros países, mas caminha para isso. Muitos dos grandes bancos europeus são cooperativas. É o caso do Crédit Agricole, maior banco da França, por exemplo. Até mesmo por termos uma regulamentação tão recente do segmento no Brasil, há um espaço grande a se preencher por aqui. E será preenchido.

Antes, as instituições cooperativistas eram vistas como modestas e pequenas. Essa imagem vem se transformando. Como a Ocemg trabalha para que o cooperativismo tenha seu valor reconhecido não apenas no ramo econômico?

O Sistema Ocemg possui três frentes de atuação. A Ocemg é o órgão de representação política, que defende os interesses do segmento. A outra vertente é o Serviço de Aprendizagem, Sescoop-MG, nosso braço educacional, de promoção social, capacitação e monitoramento. É um órgão que, a cada dia que passa, vai se aproximando mais das cooperativas. Em terceiro lugar, somos o representante sindical das cooperativas. A partir dessa estrutura, realizamos uma série de projetos para fortalecer o cooperativismo como um todo. Temos investido, sobretudo, na capacitação de lideranças, porque o líder sozinho não é um dirigente. O verdadeiro dirigente é aquele que soma gestão e liderança.

Perfil

Nome: Ronaldo Scucato

Idade: 80 anos

Estado civil: viúvo

Filhos: não tem

Formação: graduado em direito e administração pela PUC Minas, com pós-graduação na área agrícola empresarial, pela Universidade de Bolonha, na Itália; em administração superior e liderança, pela Fundação Friedrich Naumann, de Curitiba; e em administração financeira, pela Faculdade de Ciências Econômicas

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