Vetor da sobrevivência

Transporte rodoviário de cargas assume um papel fundamental no abastecimento de alimentos e de medicamentos durante a pandemia do novo coronavírus. Contudo, como motor da economia, o setor não está imune aos impactos da crise de saúde pública.

Capa / 13 de Abril de 2020 / 0 Comentários
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Em meio à pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, o transporte rodoviário brasileiro vem se destacando pela habilidade e pela relevância. Tradicionalmente responsável por contribuir para a atividade econômica e para o desenvolvimento do país, na crise o segmento tem sido um vetor fundamental para garantir o abastecimento de alimentos, de medicação e de outros itens essenciais para a sociedade.

“Em meio a desencontros, com divergências de informações e de orientações, temos uma plena certeza: a habilidade do transporte rodoviário de cargas [TRC]. Sem dúvida, graças ao profissionalismo e à competência das pessoas que trabalham e representam esse setor, a sociedade está assistida no que tange a medicamentos e a alimentação”, ressalta o presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), Francisco Pelucio.

Os números comprovam: as cargas de produtos farmacêuticos, químicos e agroquímicos e do agronegócio sofreram a menor variação de demanda. Os dados são de uma consulta pública realizada pela NTC&Logística entre 23 e 25 de março com empresas de vários tamanhos e segmentos de todo o Brasil.

O índice da variação geral foi de -26,14%. Pelucio explica que o setor de embalagens foi o grande responsável por essa queda. “É natural que isso aconteça, visto que a produção de itens industrializados reduziu”, avalia.

No que diz respeito à carga fracionada, a variação da demanda geral foi de -30,92%. Com a implementação pelo governo do distanciamento social, incluindo o fechamento de estabelecimentos comerciais, esse tipo de carga foi o mais impactado. Mas a NTC&Logística acredita que a variação da demanda possa aumentar, uma vez que o índice considera apenas o início da mudança de rotina das empresas.

Ações emergenciais

O objetivo dos dados é monitorar constantemente o setor e, assim, propor ações para amenizar os impactos na atividade, que, segundo estimativas, responde por aproximadamente 65% de tudo o que circula no país e tem influência no abastecimento de cidades e na circulação de toda a produção.

Uma das primeiras medidas apresentadas por representantes de federações e sindicatos foi a classificação do transporte de cargas e de passageiros como atividade essencial. Com essa diretriz, o governo federal “visa atender às necessidades inadiáveis da comunidade e evitar o desabastecimento de itens básicos”, conforme consta na Medida Provisória 926/2020 e no Decreto 10.282/2020.

“Pela primeira vez no Brasil, o transporte rodoviário de cargas tem seu mérito reconhecido, sendo considerado um serviço essencial. [Ele] Tem e terá um papel estratégico para enfrentar a pandemia”, enfatiza o consultor técnico da Federação e do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Fetcemg e Setcemg), Luciano Medrado.

Como consequência dessa medida, foi solicitado ao Ministério da Infraestrutura o fim da restrição de circulação em rodovias e vias urbanas, garantindo a movimentação de produtos e de funcionários, para que eles exerçam as atividades essenciais e emergenciais.

Em relação às finanças, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ampliou o crédito para micros, pequenas e médias empresas de R$ 10 milhões para R$ 70 milhões. Também estão suspensos, por seis meses, os pagamentos de empréstimos diretos e indiretos das corporações.

Mudanças normativas

As normas referentes à regulação do TRC também sofreram alterações. Os certificados do Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) com vencimento entre 1º de março e 30 de junho de 2020 foram prorrogados até 31 de julho.

Estão suspensas as obrigações e as penalidades relacionadas ao Cadastramento da Operação de Transporte – com a consequente geração do Código Identificador de Operação de Transporte (Ciot) – para as contratações que não envolverem Transportador Autônomo de Cargas (TAC) nem TAC-Equiparado. Assim, o “Ciot para Todos”, reivindicado pelos caminhoneiros para terem mais competitividade em relação às transportadoras, está suspenso por tempo indeterminado.

Até 31 de julho próximo, a exigência do Certificado de Inspeção Técnica Veicular (CITV) para a circulação de caminhoneiros autônomos ou para empresas do ramo de logística também está suspensa.

O Ministério da Infraestrutura e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) anunciaram ainda que vão suspender as atividades dos postos com balanças nas rodovias federais concedidas à iniciativa privada.


Pleitos

Entidades que representam o setor de transporte apresentaram pedidos ao governo federal visando garantir o efetivo abastecimento da cadeia de suprimentos. Um dos principais se refere à tributação. A prorrogação do pagamento do imposto de seguridade social sobre o faturamento das empresas operadoras e a postergação do prazo de pagamento dos tributos federais, incluindo os relativos à folha de pagamento, estão na pauta.

Outra proposta é monitorar a cadeia de distribuição de combustíveis para evitar abusos praticados na venda do óleo diesel, já que ele vem sofrendo reduções de preço nas refinarias.

No que diz respeito ao crédito, foram solicitadas a postergação do prazo do pagamento de parcelas com recursos do BNDES e da Caixa por um período de seis meses e a liberação de uma linha de crédito de longo prazo, com juros reduzidos, para suportar a queda da receita e até mesmo para utilização em capital de giro junto aos bancos públicos.

Descanso

A Lei do Descanso também poderá receber alterações por causa do avanço do número de infectados pelo novo coronavírus no Brasil. O assunto está em discussão pelos governos federal e estaduais em conjunto com entidades do TRC.

A ideia é ampliar o tempo que o caminhoneiro pode passar ao volante. Os defensores da mudança argumentam que essa medida tem o intuito de garantir a entrega de suprimentos e de equipamentos médicos, inclusive os relacionados a diagnóstico, exames e tratamento da Covid-19.

A norma determina que o transportador faça paradas de 30 minutos a cada quatro horas ao volante. Além disso, o motorista profissional deve parar por uma hora durante a jornada para a refeição. Outra regra vigente é o intervalo diário de 11 horas entre uma viagem e outra.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente Donald Trump declarou estado de emergência nacional por causa do surto do novo coronavírus, e, logo em seguida, o Departamento de Transportes do país isentou algumas categorias de motoristas do cumprimento de regras relativas à jornada de trabalho (equivalentes à Lei do Descanso no Brasil).

Os caminhoneiros norte-americanos podem dirigir por, no máximo, 11 horas em qualquer período do dia. Lá, a jornada costuma ser de oito horas de trabalho e três horas de descanso. Como esse tempo pode ser fracionado em etapas, com intervalos de ao menos 30 minutos, o total chega a 14 horas.

A flexibilização valerá até 12 de abril ou até que haja uma redução do número de infectados no país. Nesse período, caminhoneiros que fazem entregas de equipamentos de saúde e de suprimentos poderão trabalhar direto, sem paradas. A condição é que os profissionais descansem por, pelo menos, dez horas consecutivas após realizarem as entregas.


Atividades da PRF

No Brasil, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) divulgou, em 25 de março, um Plano de Contingência para o enfrentamento da crise. Serão adotadas medidas como: flexibilização para o trabalho remoto; interrupção dos processos de licenças e afastamentos em andamento; possibilidade de interrupção e antecipação de férias individuais; jornada diferenciada de revezamento; e redistribuição física da força de trabalho presencial.

Luciano Medrado destaca que todas as medidas são importantes, mas ainda é preciso muito mais. “Não há previsibilidade do impacto da pandemia no setor de transporte nem na economia no futuro próximo, especialmente no Brasil, que está com o mercado fragilizado”, diz.

Rede do bem

Sensibilizadas pela importância do transporte rodoviário para a sociedade, especialmente neste período, fábricas que estão com o processo produtivo suspenso, redes de postos de combustíveis e restaurantes estão abrindo as portas para oferecerem refeições, banheiros e itens de higiene pessoal aos motoristas. Esses estabelecimentos também assistem policiais rodoviários federais que estão trabalhando.

Em Barra Velha (SC), foi ofertada alimentação aos agentes da PRF e aos motoristas que passavam pelo posto da corporação. Já na unidade operacional da Polícia Rodoviária Federal em Guaiçara (SP), um comerciante local distribuiu kits com lanches para os caminhoneiros.

Em Minas Gerais, a PRF está apoiando a atuação do Serviço Social do Transporte e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest Senat), que distribuem produtos de higiene e de alimentação aos motoristas. “Devido à importância dessa ação, a PRF é parceira. No Estado, temos vários postos da polícia participando dessa iniciativa, que também tem prestado assistência à saúde por meio de medição de temperatura. A ideia é, cada vez mais, aumentar a participação da corporação para ajudar nossos caminhoneiros”, assegura o porta-voz da PRF-MG, inspetor Aristides Júnior.

Além dessas ações que já vêm acontecendo, a possibilidade de os postos do Sest Senat oferecerem vacinação contra a gripe a motoristas que fazem parte do grupo prioritário da campanha está sendo estudada. As 155 unidades operacionais e as 55 vans do Programa de Prevenção de Acidentes também estão à disposição para prevenção.

Adversidades

Apesar dessas iniciativas de ajuda, muitos motoristas enfrentam desafios diários. Há relatos de profissionais que não encontram comércio aberto nas estradas e de postos de combustíveis cobrando caro e restringindo o acesso, além de negarem produtos básicos de higiene e cuidados, como álcool em gel e itens de limpeza.

Diante desse cenário, alguns parlamentares buscam caminhos para manter as condições mínimas de atuação dos motoristas. O senador Paulo Paim (PT-RS) apesentou o Projeto de Lei Complementar 37/2020, que objetiva garantir aos caminhoneiros uma infraestrutura nas estradas: pontos de apoio, locais de descanso, restaurantes para refeições e segurança sanitária. A ideia é também disciplinar a jornada de trabalho.

O senador Major Olímpio (PSL-SP), parceiro da categoria, pleiteia junto ao ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, a suspensão da cobrança de pedágio durante a pandemia para os profissionais que não estiverem transportando cargas. “O ministro manifestou a impossibilidade da suspensão integral, pois quebraria os contratos de concessão. Contudo, precisamos do esforço de todos neste momento ainda mais difícil, especialmente para os autônomos e as transportadoras suportarem o valor abusivo do pedágio”, defende o parlamentar em vídeo compartilhado nas redes sociais.

Possivelmente, os transportadores autônomos vão sofrer o impacto maior. A tendência é que, com a queda da atividade econômica, as empresas de transporte utilizem apenas as frotas próprias de caminhões e deixem de contratá-los.

Novos caminhos

Sem precedentes, a pandemia da Covid-19 deixará lições para as pessoas e para os negócios. No segundo caso, a gestão nunca foi tão necessária. O controle total de processos e finanças é a base para garantir futuras tomadas de decisão. O Sebrae disponibiliza material e curso específicos para esse período, que podem ser acessados pelo site www.sebrae.com.br.

Para cuidar da cabeça, aqueles que estão cumprindo o distanciamento social devem criar uma rotina. Uma dica é que os gestores estabeleçam horários fixos para reuniões semanais com a equipe e mantenham as conversas individuais. Também é indicado que orientem os subordinados a lidarem com os dados e os fatos do dia a dia.

Os dirigentes das empresas devem estar preparados para receber muitas dúvidas sobre volta ao trabalho presencial, segurança do emprego e saúde financeira da empresa. O caminho é pedir serenidade, enfatizando que os funcionários se concentrem no cenário real e que aguardem sempre as informações oficiais.










 

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