Voz dos caminhoneiros
Representantes do transporte rodoviário de cargas elaboram pauta de reivindicações ao governo federal com o objetivo de melhorar as condições de trabalho e fortalecer o setor

A precariedade no transporte rodoviário de cargas no Brasil motivou a mobilização de mais de 300 caminhoneiros autônomos e representantes sindicais no dia 8 de fevereiro.
A precariedade no transporte rodoviário de cargas no Brasil motivou a mobilização de mais de 300 caminhoneiros autônomos e representantes sindicais no dia 8 de fevereiro. A Reunião Nacional dos Caminhoneiros Autônomos do Brasil, Sindicatos e Entidades de Representação, promovida pelo Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens da Baixada Santista (Sindicam Santos), reuniu profissionais de diversas regiões do país para discutir os desafios estruturais do setor e estruturar propostas a serem encaminhadas ao governo federal.
Após a reunião, foram colhidas as sugestões dos participantes e elaborado um documento entregue ao Executivo federal. A pauta de reivindicações foi estruturada a partir dos desafios estruturantes do transporte, como a defasagem do valor do frete, o alto custo do diesel, a insegurança nas estradas e a falta de estrutura para descanso, entre outros.
“Nosso objetivo foi abrir o debate, com participação de entidades e com os caminhoneiros autônomos, para buscar melhores condições de trabalho e cobrar do Estado o que foi prometido ao longo desses últimos dez anos. O Sindicam Santos foi o precursor da convocação e tomou a frente a fim de alinhar propostas com caminhoneiros e demais entidades para fazer uma pauta conjunta”, explica Ailton Gonçalves, advogado do Sindicam de São Paulo e da Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Cargas em Geral do Estado de São Paulo (Fetrabens).
Geraldo Eugênio de Assis, que é presidente do Sindmútuo e vice-presidente da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores (Fenacat), participou da reunião e pontuou a importância de estabelecer diálogo com a União para apresentar a realidade do setor. Ele alertou para os riscos de um novo colapso no setor: “O transporte de cargas é essencial para a economia, mas segue negligenciado. O descaso pode resultar em novas paralisações, impactando diretamente a sociedade. Precisamos de políticas capazes de entender de fato nosso setor”.
Piso mínimo do frete
A Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, instituída pela Lei nº 13.703/2018, foi criada para garantir valores mínimos que cobrem os custos operacionais dos caminhoneiros. No entanto, os profissionais relatam dificuldades para cobrir suas despesas.
“A planilha de cálculo não acompanha o ritmo da inflação e do aumento dos preços. Estamos enfrentando custos elevados com insumos, pneus, diesel e outros itens essenciais para o transporte. A conta não fecha”, critica Emerson Carvalho, presidente do Sindicam Contagem e diretor da Federação dos Transportadores Autônomos de Cargas do Estado de Minas Gerais (Fetramig).
Elton da Silva Militão, da União SBC e sindicalizado do Sindicam Santos, corrobora a importância de ter como base dados reais para definição do piso mínimo de frete: “As informações são baseadas em fatos divulgados e não na realidade, especialmente em um país continental”.
O setor reivindica que a Lei nº 13.703/2018 seja ajustada para garantir um piso mínimo que cubra integralmente os custos operacionais, permitindo que o valor do frete seja negociado conforme a oferta e a demanda, sem comprometer a livre concorrência.
Segurança nas estradas
Outro ponto crítico levantado foi a crescente insegurança nas rodovias brasileiras. Dados da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística) apontam que, em 2023, mais de 17 mil ocorrências de roubo de cargas foram registradas, totalizando prejuízos bilionários.
Os caminhoneiros relatam a falta de fiscalização, a violência nas estradas e o aumento de assaltos e sequestros. Eles pedem medidas emergenciais para garantir maior proteção no transporte rodoviário de cargas.
Aposentadoria especial
A categoria também enfrenta dificuldades ao buscar aposentadoria e benefícios previdenciários, mesmo sofrendo descontos sobre o valor do frete. Muitos alegam que as empresas contratantes não repassam as contribuições ao INSS, impossibilitando o acesso a direitos básicos.
A atividade ainda impõe riscos físicos e psicológicos, sendo comuns casos de hipertensão, perda auditiva, síndrome do pânico, problemas ortopédicos e acidentes.
“Os caminhoneiros, sejam autônomos ou empregados com carteira assinada, tinham direito à aposentadoria especial quando completavam 25 anos de contribuição, independentemente da idade. Esse direito era automático, pois é evidente que a atividade de transporte rodoviário de cargas é perigosa, insalubre e penosa. É só olhar para nossos profissionais”, diz Militão.
Por isso, é requerido o direito à aposentadoria especial, por equidade ou até mesmo por analogia, concedido aos transportadores de cargas autônomos expostos a risco nos termos da Lei 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.
Descanso obrigatório e falta de infraestrutura
A reunião também abordou os impactos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que impôs a obrigatoriedade de 11 horas de descanso ininterrupto entre jornadas.
Os caminhoneiros argumentam que essa exigência, sem a devida infraestrutura, compromete a segurança e a eficiência do transporte. Atualmente, existem apenas 600 vagas em pontos de parada oficiais no país, número muito inferior à demanda.
“Não há infraestrutura adequada nas rodovias para o devido intervalo, colocando o transportador autônomo de cargas em risco de morte, devido aos inúmeros casos de assaltos e sequestros”, diz Marcelo Aparecido Santos da Paz, associado ao Sindicam Santos.
Desde o segundo semestre de 2024, motoristas estão sendo multados pelo não cumprimento do descanso obrigatório, mesmo sem locais adequados para estacionar.
Eles reivindicam a suspensão das penalidades até que haja infraestrutura adequada e defendem a flexibilização do descanso, permitindo um intervalo fracionado de oito horas ininterruptas + três horas compensáveis nas 16 horas seguintes.
“Vou lhe contar um exemplo prático: meu caminhão ficou parado para manutenção por quase sete horas. Contudo, como eu o levei pela manhã à oficina, o tempo começou a contar. No final da tarde, peguei o veículo e, mesmo parado o dia inteiro, teria que parar para descansar à noite. O problema é: onde? No país inteiro, há menos de dez, sendo que o total deveria ser 500”, exemplifica Elton Militão.
Os pontos de parada e descanso são uma contrapartida do governo para garantir condições seguras e qualidade de descanso para o profissional. Já os estabelecimentos comerciais solicitam uma contrapartida do autônomo: por exemplo, o abastecimento.
Isenção tributária sobre insumos
Os caminhoneiros também exigem isenção tributária para insumos essenciais, como pneus e combustíveis, para reduzir os custos operacionais. “Se perguntarmos aos caminhoneiros, 95% dirão que utilizam pneus importados, pois os nacionais são inviáveis. Precisamos de isenção tributária para continuar trabalhando”, destaca Emerson Carvalho.
Programa de renovação de frota
Os participantes também reivindicam que o Programa de Renovação de Frota garanta a participação de transportadores autônomos de cargas por meio de procedimentos simplificados, podendo ser regional, com o objetivo de promover a igualdade e resguardar a categoria profissional diante dos grandes empresários do setor.
Demandas gerais
A pauta de reivindicação prevê ainda que seja garantido o direito à livre manifestação nos termos do Art. 5º, IV da Constituição Federal, programas de refinanciamento de dívidas dos transportadores autônomos, cooperativas e associações de transportes de caminhoneiros autônomos e congelamento da alta do óleo diesel por subvenção por 120 dias.
“A reunião do dia 8 de fevereiro nasceu no grupo Liderança Nacional, que teve protagonismo na greve de 2018 e contou com o Sindicam Santos como anfitrião, que foi escolhido como entidade para receber a categoria devido ao trabalho sério e legítimo em defesa do setor”, explicou Janderson Maçaneiro Patrola, presidente da Associação Catarinense dos Transportadores Rodoviários de Carga e que na reunião também representou a Tribo dos Containers e o Instituto dos Caminhoneiros (Icam).
Segundo ele, pela primeira vez foi feito um encontro que reuniu todas as estruturas do transporte: o caminhoneiro autônomo, sindicatos, federações, confederações, associações e cooperativas. “Por isso, a pauta de reivindicações reflete as reais necessidades do setor e será nosso instrumento de mobilização. Vamos apresentá-la aos principais órgãos do governo federal responsáveis por políticas públicas do transporte e daremos o prazo de até 23 de abril para discutir caminhos”, afirma.
Janderson completa: “Queremos abrir uma negociação. Não foi tratada uma paralisação, que deverá ser o último recurso da categoria. Queremos um diálogo franco, objetivo, ordenado, mostrando o transporte rodoviário de cargas como força motriz para desenvolvimento do país”, conclui Patrola.
Próximos passos
A mobilização resultou na formulação de um documento oficial, consolidando as demandas da categoria. No dia 19 de fevereiro, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) entregou o documento ao ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência da República.
“O ministro ouviu atentamente as demandas, ressaltou a importância da organização sindical e se comprometeu a encaminhar o pedido de reunião da categoria com o Presidente Lula e demais ministérios”, afirma a CNTA em nota.
A categoria estabeleceu um prazo até 23 de abril para que o governo apresente propostas. “Queremos diálogo franco e objetivo. A paralisação será o último recurso”, diz Janderson Maçaneiro Patrola, presidente da Associação Catarinense dos Transportadores Rodoviários de Carga.
A mobilização continua e os caminhoneiros seguem atentos ao posicionamento do governo sobre as reivindicações apresentadas.
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